Há dois fatos, dentre tantos, que o ex-governador Gustavo Krause considera marcante quando recorda Miguel Arraes. A primeira aconteceu quando Krause disputou a eleição para governador do estado com ele, no ano de 1994. Perdeu a disputa para Arraes, mas, em dezembro do mesmo ano, foi convidado por Fernando Henrique Cardoso para ser o ministro do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente no seu primeiro mandato na presidência da República [1995/1999].
“Após o convite de FHC, eu liguei para o governador Joaquim Francisco e liguei para ele [Arraes] que era o governador eleito contando sobre o convite. Ele disse que já sabia e já havia me dito. Eu disse que queria fazer uma visita aos dois e ele me disse que vinha até a minha casa”.
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Krause disse que Arraes roubou a cena e que achou o gesto de ir até sua casa de uma elegância maior. “Ele, com aquele vozeirão dele, disse, eu vou à sua casa. É impressionante. Ele veio ao meu apartamento e roubou a cena política sem ter tido esse intuito, mas, a leitura era extremamente positiva. Achei um gesto de elegância de fundo político e outro de apreço. Um indicado ministro tinha perdido a eleição. O outro veio para a casa do que perdeu, o que significa que foi uma eleição decente. Ficamos nesta varanda. Conversamos quarenta minutos sobre Pernambuco, sobre o Brasil e sobre o Ministério. A imprensa estava toda aqui e ele disse que esse negócio de imprensa era comigo”.
Ainda contou outra história que marcaria quando Krause já era ministro e Miguel Arraes governador, por volta do ano de 1996I1997. Em uma reunião, o líder do povo teria dito que o charuto que Krause trazia no bolso de seu paletó era “fraco”. “Eu disse, de fato e ele disse que ia mandar um charuto bom para mim e, à tarde, chega no meu apartamento duas caixas de charuto cubanos de primeira linha. Esse lado humano, eu diria, de senso de humor era muito acentuado. Um senso de humor muito interessante com uma certa ironia. Às vezes, dava uma gargalhada. Ele administrava bem o mistério. Ele tinha esse raposismo no bom sentido. Esse lado, só nessas oportunidades, é possível contar. São fatos presentes e absolutamente relevantes para a história de Pernambuco”, ressaltou.
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ENTRAR PELA PORTA QUE SAIU
Krause era governador quando Arraes o sucederia, em 1987, e conta que o clima, na época, era de acirramento ideológico e havia uma propaganda muito forte para Arraes embasada no “Entrando pela porta que saiu”.
“Havia esse clima de resgate histórico que favoreceu ainda mais a expressiva vitória que ele teve. Eu tive que ter muito equilíbrio no exercício do governo de manter um clima de segurança e de harmonia para evitar a radicalização (...)Repassei o governo com todos os balanços. Não houve essa coisa de herança maldita. Eu convivi com o político Miguel Arraes em grande parte da minha vida e mesmo situado politicamente em campos opostos eu tinha com ele uma boa convivência, uma relação amistosa. Se existe uma qualidade que deve ser ressaltada em Miguel Arraes é o fato de jamais ele levou para o campo pessoal qualquer discussão, qualquer debate. Isso é absolutamente correto e verdadeiro”, relembrou.
Krause contou que, na época de Arraes, era feito muito mais política do que gestão. “Isso não acontecia só com Arraes, isso acontecia com pessoas boas e qualificadas que faziam política. Isso era uma característica de Getúlio, de Tancredo, característica de uma geração que delegava a gestão a pessoas capazes, competentes e fazia a costura. Como gestor ele fazia parte de um padrão. A gestão era uma coisa delegada. Agora, as prioridades políticas eram ditadas pela sensibilidade social”.
DO POLÍTICO AO MITO
Para Krause, Arraes tinha uma capacidade enorme de administrar o mistério e o enigma no ponto de vista político. “Essa coisa que se fala muito do mito e, de fato, ele mexia muito bem com o imaginário popular. Ele era uma espécie de um dos pais dos pobres que a nação elegeu porque ele, vou dar a minha definição, como toda definição limitada e falha, foi um vocacionado líder popular. Os próprios adversários reconheciam isso. Não é porque morreu não”.
Ainda o definiu como uma personalidade que deixou fascínio. “Arraes tinha aquele olhar de soslaio. Aquela maneira desconfiada, às vezes, falava, você não entendia, mas ele falava para não entender mesmo. Também tinha um tipo de carisma que ficou colado na imagem dele ao longo da vida. Ele entrou para a história com essa percepção e se mantém vivo com essa percepção de um líder popular”.
“Todos esses líderes que atingem o patamar e passam para a história em vida, ou após a morte, todos eles são extremamente sedutores no contato pessoal e no ponto de vista coletivo. Uma capacidade enorme de ser amado ou ser temido. Ser enigmático. Faz parte do jogo da sedução do poder e do jogo pelo voto”, acrescentou.
"Ser enigmático. Faz parte do jogo da sedução do poder e do jogo pelo voto”
A INFLUÊNCIA ACIMA DAS IMPERFEIÇÕES
Para Gustavo Krause, Arraes continuar a exercer uma influência política. “Temos uma breve passagem por essa coisa que se chama vida. Nosso ciclo biológico ele é finito e a nossa vida política, a vida de quem faz política, ela é uma enorme incógnita. Enquanto de vista biológico tem gente quem pensa que não morre, de ponto de vista político tem pessoas que pensam que não morrem e pessoas que, efetivamente, não morre mesmo após a morte. Eles continuam a exercer uma influência política. Arraes é uma delas. O poder da influência, da opinião. Ele manteve isso permanente e hoje tem o nome escrito na história”.
Krause diz que, muitas vezes, a obstinação de Arraes podia ser vista como teimosia. “Uma sabedoria que, às vezes, era considerada uma esperteza, o não dito, que podia ser confundido com dissimulação, que não é pecado em política. Você não pode ter essa transparência que poder ter na vida pessoal. Ele cultivava muito bem isso. Todos nós somos um mosaico. Eu não gosto de aproximação com os moralistas. Com os que querem ser o martelo da humanidade. O que me atrai nas pessoas é o fato das pessoas serem humana. Ele tinha essa face. Você pode fazer um mosaico de qualidades que superam os defeitos, as falhas humanas”.
“Ele não atacava ninguém, estava sempre do lado do bem. Quem quisesse que ficasse do lado do mal. Quem quiser que tomasse o caminho da perdição como ele disse com os ex- aliados dele, que romperam com ele. Ele manejava muito bem. Ele administrava isso com muita competência”.