Após ter entrevistado a vereadora Flávia Hellen (PT-PE) e o vereador Vinícius Castello (PT-PE), figuras políticas que projetam concorrer as prefeituras das suas cidades, o LeiaJá publica, nesta terça-feira (19), a terceira de cinco reportagens sobre o crescimento de políticos de grupos de minorias, que buscam protagonismo nas eleições municipais do próximo ano.
A reportagem escutou a assistente social Marília Rufino (PT-PE), da cidade de Moreno, e a educadora Selma Barbosa (União Brasil-PE), de Paulista. As duas, que desejam uma vaga nas câmaras de vereadores dos seus municípios, já vêm articulando estratégias para que, nas eleições de 2024, lideranças femininas possam conquistar espaços de poderes que, predominantemente, são ocupados por homens.
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Quando o assunto é filiação partidária, o país revela um certo tipo de equilíbrio em seu atual cenário político: dos filiados, 53,8% são homens e 46,2% são mulheres, segundo informações divulgadas em julho deste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No entanto, os números expressivos de filiadas não são traduzidos em candidaturas femininas. Apesar das mulheres constituírem a maioria tanto na população (51,5%) como no eleitorado (52,65%), de acordo com levantamentos recentes do IBGE e do TSE, os espaços de poderes na política nacional são ocupados, em sua maioria, por lideranças masculinas.
Em 1997, a Legislação brasileira estabeleceu que os partidos políticos começassem a apresentar chapas de candidaturas ao Legislativo com pelo menos 30% de mulheres candidatas. E, ao longo dos últimos anos, algumas outras políticas afirmativas foram implementadas. Mesmo assim, as últimas eleições mostram que a quantidade de lideranças femininas, que conseguiram sair vitoriosas das disputas eleitorais, ainda é baixa.
Nas eleições do ano passado, somente 91 mulheres foram eleitas deputadas federais. Isso representa apenas 17,7% da totalidade de 513 cadeiras disponíveis na Câmara dos Deputados. Já no Senado, das 81 vagas, apenas 14 são ocupadas por mulheres.
Com relação ao Executivo, as dificuldades que as mulheres brasileiras enfrentam para alcançar postos de liderança são ainda mais evidentes. Das 27 unidades federativas do país, apenas dois estados são comandados por governadoras: Pernambuco pela Raquel Lyra (PSDB) e Rio Grande do Norte pela Fátima Bezerra (PT). Além disso, somente 12% dos municípios são governados por mulheres, sendo Cinthia Ribeiro (PSDB), prefeita de Palmas, no estado do Tocantins, a única a dirigir uma capital.
Nas Assembleias Legislativas dos estados, dados do TSE também ressaltam desigualdades: na somatória de deputadas estaduais e distritais, chega-se ao total de 190 mulheres eleitas (18%). Nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina, a representatividade feminina ficou abaixo de 10%.
Representatividade
Em entrevista ao LeiaJá, a assistente social Marília Rufino (PT-PE), que pretende concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores da cidade de Moreno, acredita que “a disputa será difícil, sobretudo porque as pessoas têm dificuldades de votarem em mulheres”, no entanto, ela percebe que “a população feminina tem uma necessidade muito grande de se sentir representada em espaços políticos e de decisões”.
Marília Rufino. Foto: Guilherme Gusmão/LeiaJá
“Nos últimos tempos a gente está vendo essa discussão muito mais aflorada. E dentro daquilo que eu acredito, dentro das pautas que eu defendo, pretendo levar para dentro da Câmara um olhar mais humanizado para as comunidades do município de Moreno e sobretudo para as mulheres, crianças e adolescentes. É muito importante que a mulher morenense se sinta representada por outra mulher na política local”, afirmou Marília.
Nas últimas eleições municipais, enquanto o Brasil elegia apenas 16% de parlamentares mulheres para as câmaras municipais, segundo o TSE, nenhuma liderança feminina do município de Moreno conseguia ocupar vagas na Câmara dos Vereadores. Ciente dessas dificuldades do atual cenário político local, Marília acredita que a ausência de uma figura feminina no espaço de discussões políticas da cidade faz com que as pautas de interesse da população feminina sejam “colocadas de lado”.
“E com isso a gente está deixando de ter muitas políticas públicas voltadas para a gente. Eu sou candidata, claro que eu quero ganhar, mas eu quero também fortalecer essas outras mulheres a estarem lá, porque caso eu não entre, eu vou ter outras representações. Então é muito nessa perspectiva de fortalecimento, e de empoderar essas mulheres a estarem nesse lugar da gente. A gente precisa entender que por muito tempo fomos silenciadas. A gente foi silenciada a não estar nesses lugares, nesses espaços. É o nosso momento de vencermos e mesmo que tenhamos homens com ideias interessantes, nunca será a mesma coisa de uma mulher ocupando uma cadeira lá [Câmara]”, afirmou.
Marília já vem criando planos para que o resultado de 2020 não se repita no próximo ano. Ela revelou que irá aproveitar o bom desempenho do presidente Lula (PT) nas urnas da cidade, no qual o mandatário venceu o segundo turno da eleição presidencial com 65,09% dos votos dos eleitores, para defender a sua candidatura e impulsionar a campanha eleitoral através do Partido dos Trabalhadores.
“Eu participei há alguns meses de um encontro com mulheres, que reunia não só as filiadas do PT, mas também do PSB e do PCdoB. Então, assim, tive o incentivo já projetar a candidatura. Outras mulheres também tiveram incentivos. Mulheres que fazem parte dessa federação e que estão aí de uma forma coletiva, plural, entendendo melhor as necessidades das suas cidades. Inclusive, dentro do próprio partido, a gente tem curso de formação, por exemplo. O PT oferece isso”, pontuou.
Marília Rufino e apoiadores do PT. Foto: Arquivo Pessoal
Separadas por 49 quilômetros de distância, a história de Marília é bem semelhante à da educadora Selma Barbosa (União Brasil-PE), que comanda a direção de uma instituição de ensino, localizada no bairro do Janga, na cidade de Paulista.
A diretora da Escola Mundo Novo, em entrevista ao LeiaJá, revelou que já sofreu até preconceitos por defender as suas ideias para a política do seu município. “Ano passado eu disputei, pelo União Brasil, para ser deputada estadual. Através de uma candidatura coletiva fui as ruas para pedir votos e apresentar as minhas propostas. Teve um dia, que eu e a minha amiga, ao chegarmos em uma residência, fomos abordadas por um homem que disse que não iríamos ganhar apenas por sermos mulheres”.
As palavras do eleitor não desanimaram a educadora que, mesmo não conseguindo ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), ainda tem o desejo de alcançar um espaço na política.
“As pessoas já têm em suas mentes que mulheres não foram feitas para certos lugares. Isso se reflete no atual cenário político do país, onde poucas mulheres estão decidindo o melhor para a sociedade. Talvez, diante dessa situação e da minha derrota no ano passado, eu pudesse ter desistido. Mas sou uma mulher negra, da luta e não fui feita para fracassar perante esse sistema. A derrota aumentou mais ainda a minha vontade”, afirmou.
Selma Barbosa acredita em bons resuultados para 2024. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
Questionada sobre o motivo de ter escolhido o União Brasil para disputar as eleições, Selma revelou que é muito criticada por não ser filiada a um partido de esquerda, mas que sempre explica o motivo de permanecer na sigla. “Sou uma mulher negra, empresária, independente e que sei qual o meu lugar no mundo. Sou o perfil que as pessoas acreditam que se encaixa apenas nos partidos da esquerda, principalmente por saberem que mulheres como eu são mais vistas nas pautas defendidas pela esquerda. Mas é importante sabermos que nós mulheres devemos ocupar todos os lados políticos. É importante ter uma diversidade. Claro que sempre devemos defender nossos corpos e nunca produzir falas que tentam nos diminuir”.
A educadora, que já desenvolveu projetos sociais na cidade de Paulista, afirmou que se um dia for parlamentar irá usar o espaço político para trazer melhorias para a educação.
“Sempre me reunia com amigos para fazer um sopão para bairros carentes daqui do município, e percebia nessas ações o como o povo paulistense deseja um amanhã melhor. Não direi que só a fome e a pobreza atingem a população, pois outros problemas também estão presentes. Eu, como educadora, quero trabalhar e cuidar da primeira infância, pois penso nas mães que não têm, muitas vezes, um local seguro para deixarem seus filhos. Essas mulheres devem ser contar com creches de qualidade do município para, assim, buscarem um salário digno”, pontuou Selma Barbosa.