Solicitada pela maioria dos membros do Senado no início de fevereiro deste ano, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga ações e omissões no combate à pandemia pelo poder público, tem aquecido o cenário político nacional. Os depoimentos dos ex-ministros Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello, considerados os mais aguardados até agora, acontecerão, respectivamente, na próxima terça (18) e quarta-feira (19).
Embora a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) tenha tentado movimentar a CPI a seu favor, solicitando a ampliação do escopo da investigação para também indagar repasses a estados e municípios, as consequências da apuração já podem ser sentidas no Planalto. A baixa popularidade do presidente, que em maio, de acordo com o Datafolha, alcançou o pior índice de aprovação (24%) desde o início de seu mandato, indica um possível efeito das indagações feitas pelos senadores.
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Para a cientista política Priscilla Lapa, “as CPIs têm levado a muitas mexidas em tabuleiros políticos, principalmente quando elas contribuem para que alguns atores políticos percam credibilidade”. “Neste aspecto, as escolhas do presidente tiveram um impacto para o comportamento dos indivíduos e para a não criação de um comando nacional de combate à pandemia. A cada fala de ministros e outros convocados pela CPI, isso fica mais claro”, continua.
Conheça, a seguir, o perfil dos próximos convocados.
Ernesto Araújo - Relações Exteriores
À frente do ministério das Relações Exteriores de janeiro do ano passado até março de 2021, Ernesto Araújo tem o depoimento marcado para a terça-feira (18), e atende a pedidos de senadores que querem entender a condução da diplomacia durante a pandemia.
Mestre em ciências sociais, Arthur Nogueira destaca a relação do governo com a China como um dos pontos motivadores para a convocação do ex-ministro. “A oitiva de Ernesto Araújo na CPI da Pandemia busca compreender a relação diplomática do Brasil com a China, que além de ser o principal parceiro econômico do Brasil, em especial nas commodities, é de onde vem os insumos para os imunizantes Butanvac e CoronaVac”, explica.
Conhecido por suas frases controversas e por ser próximo ao guru da direita Olavo de Carvalho, Araújo deve prestar esclarecimentos, principalmente, sobre as declarações sinofóbicas feitas no período em que esteve na linha de frente do governo Bolsonaro. Em publicações feitas em seu blog no ano passado, o diplomata chegou a falar em “comunavírus”, sugerindo que a China seria responsável pela pandemia da Covid-19.
Além disso, Ernesto Araújo foi citado em uma matéria da Folha de São Paulo, que nesta segunda-feira (11) publicou telegramas diplomáticos nos quais o ex-ministro negociava com a Índia a compra de remédios para o chamado “tratamento precoce” contra o novo coronavírus. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) já tivesse alertado para a ineficácia das drogas, Araújo permaneceu à frente da articulação importação de hidroxicloroquina para o Brasil.
Eduardo Pazuello - Ministério da Saúde
O general Eduardo Pazuello assumiu o posto de ministro da Saúde, interinamente, em maio do ano passado, sendo efetivado na função em setembro do mesmo ano, onde permaneceu até março de 2021. Marcado para o início de maio, o depoimento de Pazuello foi adiado no último dia 4, quando o ex-ministro afirmou ter tido contato recente com pessoas que contraíram a Covid-19. Ele deve comparecer ao plenário na quarta-feira (19).
Arthur Nogueira chama atenção para as supostas habilidades logísticas de Pazuello, que teriam sido decisivas para a nomeação à frente do Ministério. “Indicado ao cargo pela sua especialidade em logística, interessa aos senadores a compreensão do atraso na compra das vacinas e medicações para entubação e falta de cilindros de oxigênio”, diz o cientista social, mencionando o colapso do sistema de saúde do Amazonas, em janeiro deste ano.
Além disso, a proximidade entre Bolsonaro e o general também configura um ponto sensível para a CPI. No final de janeiro, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já tivesse aberto um inquérito para apurar a omissão de Eduardo Pazuello no combate à pandemia no estado do Amazonas, o presidente elogiou publicamente a atuação do até então ministro, que, segundo ele, seria “excepcional”, classificando o general como “um excelente gestor”.
Em outubro do ano passado, o ex-ministro também protagonizou uma polêmica ao afirmar que obedecia integralmente as ordens de Jair Bolsonaro. O episódio aconteceu após o presidente desautorizar o ministro, que havia anunciado a intenção de compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Somente em fevereiro deste ano o contrato foi assinado, sendo hoje o imunizante de maior cobertura vacinal no território brasileiro.
Na última quinta-feira (13), a AGU (Advocacia-Geral da União) apresentou um habeas corpus ao STF para que fosse garantido ao ex-ministro Pazuello o direito de se manter em silêncio na CPI da Covid. A devolutiva de Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo, foi a concessão em parte da ordem de habeas corpus, sob a justificativa de que o general já é investigado em um inquérito com relação a sua conduta no Ministério da Saúde durante a crise da falta de oxigênio em Manaus, portanto, possui o direito de não se “autoincriminar”.
Lewandowski afirmou, no entanto, que Pazuello está obrigado a comparecer à CPI como testemunha e a revelar "tudo o que souber ou tiver ciência" sobre "fatos e condutas relativas a terceiros".
‘Capitã Cloroquina’
Na quinta-feira (20) o depoimento de Mayra Pinheiro, conhecida nas redes sociais como “Capitã Cloroquina”, também promete ser decisivo. Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra deverá explicar aos senadores a defesa de medicamentos antivirais durante a crise de oxigênio no Amazonas no início do ano.
Possíveis desfechos jurídicos da CPI
Embora exista um longo caminho pela frente, levando em consideração que uma CPI dura, em média, três meses, a cientista política Priscilla Lapa ressalta as implicações legais da investigação. “Caso seja identificada alguma culpabilidade em relação às responsabilidades do governo, órgãos de controle poderão atuar. As investigações que concedem quebras de sigilos, conduzidas pela Polícia Federal, e o próprio envolvimento do Supremo Tribunal Federal na apuração de fatos são exemplos disso. Tudo vai depender do quão provado fique e da sustentação jurídica dos acontecimentos levantados e apurados pela CPI”, explica.
Ainda segundo Priscilla, a base bolsonarista está em plena articulação. “Nós estamos falando de um governo que tem suas estratégias e está buscando reagir, e apesar de ainda muito entregue ao Centrão para fazer a coordenação dessas estratégias, também conta com um núcleo bolsonarista que faz o patrulhamento das redes sociais, portanto não será uma CPI sem reação, ela será com uma reação à altura do que os fatos venham a revelar”, finaliza.