O incêndio que ocorreu no dia 6 de maio nas palafitas do Pina e atingiu cerca de 45 famílias no Beco do Sururu, Zona Sul do Recife, não tirou a vida de ninguém, mas tirou o teto e a pouca condição de moradia que tinham. Ainda que o fogo não tenha atingido todas as palafitas e nem toda a comunidade, abalou toda a estrutura psicológica, emocional e financeira. O sentimento de aquilombamento se fez. Amparados por Deus, como eles próprios afirmam, a própria comunidade se acolheu - quem pôde - e se ajudou da forma que foi possível.
Seu Luiz é pescador, mora há seis anos numa palafita no Beco do Sururu que, por ‘sorte’ não foi atingida pelo incêndio. Ele correu para ajudar as outras casas e tentar salvar a sua do fogo. "Depois desses anos todos aqui na comunidade, essa é a primeira vez que vi isso acontecer. Não lembro de algo parecido". Ele contou que foi parar nas palafitas depois de ter passado 12 anos pagando aluguel, "não aguentei". "Vim parar aqui porque estava pagando R$ 650 de aluguel no Encanta Moça. Não aguentei pagar, fiz um cantinho e estou aqui até hoje. Teve a pandemia, e depois da pandemia aconteceu esse incêndio".
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A fumaça cinza foi o que chamou a sua atenção quando estava na colônia, pescando. "Eu não tava na hora do incêndio. Tava ajudando um colega meu porque tô sem embarcação pra pescar, sem bateria, e não pode pescar lá fora sem bateria. Quando eu vi a fumaça, ele disse que era aqui na favela e eu vim embora nas carreiras. Quando cheguei, já tinham oito barracos queimados, e só deu tempo de descer que o fogo se alastrou", relatou.
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Trinta e três minutos foi o tempo de maior desespero e tentativa de não perder tudo até o Corpo de Bombeiros chegar. "Quando desci, entrei na casa da mulher que tinha três botijões de gás e tava todo mundo na rua. Tirei tudo para fora e comecei a apagar junto com a comunidade, que também tava apagando. Peguei a minha embarcação e comecei a combater o fogo para dar tempo dos Bombeiros chegarem em uma parte que faltavam três barracos para chegar no meu. Depois de 33 minutos, ele chegou [os bombeiros], porque eu já vinha olhando o relógio já que sabia que era um incêndio quando vi a fumaça preta", contou.
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Moradora da Comunidade do Sururu desde quando nasceu, há 48 anos, Simone do Nascimento, que está abrigando Dona Vilma, também moradora da comunidade e que perdeu o barraco pela segunda vez com o incêndio, confessou que "não é bom" morar no local, "mas a gente só tem essa moradia". "Não é bom porque a gente tem criança, faz medo da maré, dos barracos. Agora a gente vai ter que trocar as madeiras de baixo que estão caindo".
Desamparo
Ao LeiaJá, ela disse já ter visto muita coisa acontecer na comunidade. "A que mais marcou foi a criança que morreu afogada. Foi a coisa mais triste porque não tinha como salvar. Foi horrível. A gente sofre sem água, sem energia, e por causa do incêndio a gente passou dois dias sem energia. Ficar sem energia é horrível porque aqui tem rato, tem tudo, e você não sabe o que tem. Quando a maré enche é horrível principalmente por conta das crianças, porque elas não podem brincar. Tem que ficar tudo trancado".
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"Eu não tava aqui na hora do fogo, mas quando cheguei tava a minha filha gritando e o povo tentando tirar as coisas, o maior desespero. Vim da Imbiribeira até aqui de pé porque os carros não tinham como passar. Quando cheguei, só Jesus. Só desastre. Se tivesse aqui ia me desesperar também", disse Simone.
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Pescadora, Esther da Silva, tem uma filha de 21 anos com deficiência, falou da agonia para sair de casa com ela por conta do fogo. Além do desespero e da tentativa de salvar a sua vida e a dos seus, dona Esther foi furtada, mesmo diante de toda a situação difícil do momento. "No incêndio eu não perdi nada, só o meu botijão de gás e um trocado que eu tava guardando para comprar a fralda e o remédio dela [Evelly]. Na hora do fogo foi o desespero, o pessoal gritando, arrastando botijão de gás para fora. Nessa hora, puxei o meu, vieram pedir pra me ajudar mas roubaram o que eu tinha. Sempre tem uma pessoa que se aproveita da fragilidade dessas coisas que acontecem. Tirar de quem não tem. Mas meu Deus é grande".
Aos 55 anos, o maior sonho de dona Esther é sair da comunidade por conta das condições de moradia, deslocamento e sobrevivência, sobretudo por causa da filha, Evelly Vitória. "Moro aqui há 22 anos e vim parar aqui por necessidade. Naquele tempo eu pagava aluguel, não tinha trabalho, e foi o único meio que achei para viver aqui, catando sururu. O meu maior sonho é sair daqui e ter um lugar digno para mim e para a minha filha morar. É muito triste", lamentou.