Com a morte do cineasta Jean-Luc Godard, no último mês de setembro, o mundo inteiro voltou os olhos à prática do suicídio assistido mais uma vez. Francês residente na Suíça, onde o procedimento é legal desde a década de 1940, o diretor sofria de dores fortes e complicações de saúde, que tornaram seus 91 anos de vida mais difíceis. Assim, com a autorização expressa e o conhecimento da família, o gênio do cinema optou por encerrar a própria vida. No Brasil, porém, um desfecho similar não seria possível.
Isso acontece, pois, a legislação brasileira proíbe a prática do suicídio assistido e também a eutanásia. Apesar de similares, as duas não funcionam da mesma forma. Uma alternativa aos pacientes terminais e famílias no país é optar pelos cuidados paliativos, indicados e acompanhados por equipes médicas ao fim do curso da vida.
##RECOMENDA##Devido ao Brasil ter uma população aproximadamente 80% cristã, cujas religiões proíbem o interrompimento precoce da vida, os debates acerca dessas duas práticas ganham mais um estigma. Além disso, dentro da própria comunidade médica, a discussão sobre a dignidade humana também divide profissionais com relação às alternativas a quem convive com baixos índices de qualidade de vida.
Eutanásia X Suicídio assistido
A eutanásia refere-se ao fim deliberado da vida de alguém, geralmente para aliviar o sofrimento. Os médicos às vezes realizam a eutanásia quando solicitada por pessoas que têm uma doença terminal e estão com muita dor. É um processo complexo e envolve a ponderação de muitos fatores. As leis locais, a saúde física e mental de alguém e suas crenças e desejos pessoais desempenham um papel na decisão. Já o suicídio assistido pode ser feito pelo próprio paciente, através de uma recomendação médica, geralmente envolvendo a administração de uma dose medicamentosa letal.
Há países que autorizam e regulamentam práticas para acelerar o processo de morte. Na Holanda, em Luxemburgo e no Canadá tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia são legalizados para pacientes em condição médica irreversível, com sofrimento constante, insuportável e que não pode ser aliviado. Na América Latina, o único país permissivo com as práticas é a Colômbia, que também registrou um caso do tipo em 2022.
Legislação
Não há menção à eutanásia no Código Penal brasileiro, mas aplica-se o conceito de homicídio privilegiado motivado por relevante valor social ou violenta emoção, com base no § 1º do art. 121, denominado de homicídio piedoso; quando houver dolo, a conduta incide sob o § 2º, por antecipar a morte intencionalmente. O suicídio assistido enquadra-se no Artigo 122, que trata do induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio de alguém.
O Código de Ética Médica de 2010 não cita especificadamente suicídio assistido ou eutanásia em seu texto. Todavia, o art. 41 veda ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal, e, em seu parágrafo único, o código condena a distanásia e defende a ortotanásia, os cuidados paliativos e a autonomia do paciente.
De acordo com o Código de Ética Médico, “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou do seu representante legal“.
Além da possível interpretação da eutanásia à luz dos artigos 121 e 122, parte da doutrina (DODGE, 2009) fala em crime de omissão de socorro, consubstanciado, no caso, na falta de prestação de assistência à “pessoa inválida ou ferida”, nos termos do art. 135 do código penal. A omissão de socorro prevê a sanção de detenção de um a seis meses, ou multa.