Projeto pronto e aprovado na Universidade de Harvard. Matrícula efetivada no curso de ciência da computação, com aulas que serão iniciadas em novembro. Está quase tudo certo para que o pesquisador e professor de uma faculdade particular do Ceará, Ciswal Santos vá desenvolver o projeto em uma das instituições de ensino superior mais renomadas no mundo. O que o falta são os recursos que ele precisa para custear as passagens e estadia em novembro, quando deve apresentar seu projeto em Boston, nos Estados Unidos. “Não sei como vou fazer, não tenho como pagar as passagens nem a estadia. Estou pensando em vender meu carro, avaliado em R$ 4 mil, e montar o projeto em pelo menos uma casa no Nordeste. Quero ir para lá com ele funcionando”, diz, esperançoso.
Com o objetivo de ajudar os mais pobres, o docente, de 31 anos, que ganha um salário mínimo na função, criou um sistema de tomadas que gera eletricidade por meio da captação de energia solar. Essa energia ativa uma bomba que realiza a extração de água do solo e também gera sinal de internet por meio de uma antena instalada na residência. “Imagina o cara que é pobre ter isso em casa? Ele vai ter energia elétrica, vai ter água e o filho dele vai poder estudar”, sonha Santos. O pesquisador ainda enfatiza que conseguiu reduzir os custos do equipamento. “Fui reprovado a primeira vez porque a questão da energia solar nesse projeto não era novidade, e ele custava em torno de R$ 2.200”, conta.
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Ao conhecer um professor asiático do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), responsável por enviar sua criação para a universidade norte-americana, Ciswal recebeu várias dicas sobre como diminuir custos. “Ele me disse que a Ásia estava anos-luz à frente da América em relação à tecnologia, então ajustei meu projeto e ele chegou a R$ 960”, conta. Novamente, a ideia de Ciswal foi reprovada, desta vez porque a banca examinadora não entendia as condições climáticas do Nordeste brasileiro, tendo em vista que as quatro estações dos Estados Unidos são bem definidas. “Então eu tive 24 horas para pegar estudos e artigos para provar a eles que no Ceará faz sol o ano todinho e quase não tem chuva”, completa Ciswal, que aprendeu a falar inglês de forma autodidata.
E quando finalmente houve a aprovação, no ano de 2018, o professor comemorou. “As aulas serão por videoconferência a partir de novembro e eu não posso sair da frente do computador, o professor terá que me ver lá”, conta.
História de vida
Aos 31 anos, Ciswal já coleciona uma carreira de 11 como docente em uma faculdade particular, a mesma na qual estudou sua graduação, no Ceará. Mas sua história de luta começou muito antes disso. Filho de faxineira, o então menino, nascido em Palmares, cidade localizada na Mata Sul de Pernambuco, foi aos 12 anos para Juazeiro do Norte, no Ceará. Lá, ele conheceu as dificuldades da pobreza, frequentou escolas públicas, onde seus custos eram totalmente mantidos pelo Governo do Estado.
Quando chegou à faculdade como aluno do curso de física, aos "15 anos e meio"(como gosta de salientar) Ciswal sentiu a diferença. “Pensei que iria ter merenda e auxílio, como na escola, mas chegando lá eu tinha que tirar as xérox e comprar meus materiais. As provas eram para ser respondidas com três cores de canetas, muitas vezes eu tinha que pegar do meu colega quando ele acabava e eu terminava nem conseguindo acabar a prova”, relembra o professor.
Com os R$ 20 adquiridos semanalmente para a compra de seus materiais escolares, fruto do carregamento diário do carregamento de mercadorias, o dinheiro acabava indo para o feijão e arroz da família. “Eu tive que pensar uma outra forma de ganhar mais recursos, então ia com uma sacola plástica para catar latinhas no caminho da faculdade para casa”, conta Ciswal. E foi assim que ele conheceu o falecido José Godim, dono de um bar que ele passava no trajeto. “Quando eu pedi as latinhas, ele perguntou por que eu fazia aquilo. Quando eu disse que era para estudar, ele me falou que eu não precisava mais ir carregar mercadorias”, relembra Santos, com a voz embargada.
Então ele passou a ganhar R$ 7 semanalmente durante quatro anos com a venda das latas. “Ele foi um segundo pai para mim. Quando eu me formei, levei ele para minha formatura e mostrei meu diploma. Tudo isso graças ao que ele fez por mim”, diz, emocionado, Ciswal Santos. Godim morreu em 2015.
Roupa para os filhos
“Eu prometi que com o dinheiro do meu livro, eu compraria roupas para meus filhos. E assim o fiz, fomos na Riachuelo e compramos roupas para Maria Clara, de sete anos, Ana Júlia, de cinco anos, e para João Emanuel, de dois meses”, conta Ciswal. O homem lançou recentemente um livro intitulado “Pensamentos que fazem crescer”, por meio de e-book na Amazon e Saraiva. Cada exemplar custa entre R$ 3 e R$ 6. “Quero que todos tenham a oportunidade de ter conhecimento”, conta. Muito além de peças de roupas, toda a renda será revertida para a educação dos pequenos.