A morte do último dirigente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, provocou uma série de homenagens emotivas no Ocidente, mas a reação foi muito mais moderada na Rússia, onde muitos o criticam pelo fim da potência soviética.
Gorbachev faleceu na terça-feira (30) à noite aos 91 anos, depois de uma "longa e grave doença", informou o Hospital Clínico Central (TSKB) de Moscou, onde estava internado.
Ele era o último governante ainda vivo da época da Guerra Fria, um período que parece ter uma ressonância particular atualmente com a ofensiva do presidente russo Vladimir Putin na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro.
Embora Gorbachev não tenha se pronunciado publicamente sobre a ação militar russa na Ucrânia, sua fundação pediu "o fim das hostilidades e o início imediato de negociações de paz".
Nas últimas duas décadas, o ex-dirigente expressou preocupação com o aumento das tensões com Washington, e defendeu a redução dos arsenais nucleares, como já havia feito nos anos 1980 com o presidente americano da época, Ronald Reagan.
Em um mensagem de condolências, Putin destacou um homem que "teve um grande impacto na história do mundo".
"Guiou o nosso país em um período de mudanças complexas e dramáticas, e de grandes desafios de política externa, econômicos e sociais", destacou.
"Ele compreendeu profundamente que as reformas eram necessárias, se esforçou para oferecer suas próprias soluções para nossos problemas urgentes".
- "Homem de paz" -
As palavras do presidente russo foram divulgadas após as muitas homenagens dos governantes ocidentais, muito mais emotivos sobre o homem que venceu o prêmio Nobel da Paz em 1990 por ter contribuído muito para a redução do confronto entre Leste e Oeste.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chamou Gorbachev de "líder excepcional", que contribuiu para "um mundo mais seguro e uma maior liberdade para milhões de pessoas".
Para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, Gorbachev "fez mais que qualquer outra pessoa para conseguir um final pacífico da Guerra Fria".
O presidente francês, Emmanuel Macron, destacou que ele era um "homem de paz", enquanto o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, elogiou sua "oposição a uma visão imperialista da Rússia".
O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, agradeceu a "contribuição decisiva para a unidade da Alemanha". E para a ex-chanceler Angela Merkel, que cresceu na ex-Alemanha Oriental, Gorbachev mudou sua vida "de maneira fundamental".
A China, que o Kremlin apresenta atualmente como sua grande sócia política e econômica, elogiou a "contribuição positiva" do ex-dirigente soviético na aproximação entre Pequim e Moscou.
Na Rússia, o legado do político ainda é muito controverso. E as reações a sua morte foram bem mais moderadas.
Apesar de ter iniciado o caminho para a liberdade de expressão, para muitos ele foi o responsável pelo fim da superpotência soviética e pelos terríveis anos de crise econômica após o colapso da URSS.
Mas o jornalista russo Dmitri Muratov, prêmio Nobel da Paz em 2021 e diretor de redação do jornal independente Novaya Gazeta - apoiado desde sua fundação por Gorbachev - prestou homenagem a um dirigente que "desprezava a guerra e valorizava mais um céu tranquilo que o poder pessoal".
- Colapso da URSS -
Nascido em 1931 em uma família modesta do sudoeste da Rússia, Gorbachev subiu rapidamente na hierarquia do Partido Comunista e assumiu a liderança da URSS em 1985.
Até sua renúncia em 1991, que marcou o fim do bloco, ele comandou importantes reformas democráticas, conhecidas como "perestroika" (reestruturação) e "glasnost" (transparência).
Confrontado com enormes crises, como a catástrofe de Chernobyl (1986) ou os movimentos de independência em toda União Soviética, que reprimiu em alguns casos, recebeu em 1990 o Nobel da Paz por "ter encerrado a Guerra Fria de maneira pacífica".
Também ordenou o fim da desastrosa campanha militar soviética no Afeganistão e suas ações contribuíram para a queda da "cortina de ferro", como era conhecida a antiga fronteira política e ideológica entre o oeste e o leste da Europa.
Os anos imediatamente posteriores à dissolução da URSS permanecem como um trauma para muito russos, que passaram a viver abaixo da linha da pobreza, em um cenário de caos político e com uma guerra brutal com a Chechênia.
Com a chegada ao poder em 2000 de Putin, que considera o fim da URSS a "maior catástrofe geopolítica" do séculos XX, o Estado se impõe à sociedade e a Rússia retorna ao cenário internacional como potência.
Para Gorbachev, as relações com os novos líderes do Kremlin sempre foram complexas, seja com Boris Yeltsin, seu grande inimigo, ou com Putin, a quem criticava mas que via como uma oportunidade para um desenvolvimento estável na Rússia.
O ex-dirigente soviético se mostrou favorável à anexação da península ucraniana da Crimeia em 2014 por parte de Moscou, o que provocou, em 2016, o veto a sua entrada na Ucrânia.
Após uma breve tentativa frustrada de voltar à política na década de 1990, Gorbachev passou a se dedicar por completo a projetos educativos e humanitários.
Uma fonte próxima à família Gorbachev afirmou à agência de notícias TASS que ele será sepultado ao lado da esposa Raisa, falecida em 1999, no cemitério Novodevichy de Moscou.