Os primeiros atos do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apontando para uma gestão mais intervencionista na economia, e a falta de maiores detalhes sobre qual será a agenda do ministro Fernando Haddad ligaram o sinal de alerta entre investidores no mercado financeiro.
Ontem, no primeiro dia útil após a posse de Lula, o Ibovespa - principal referência da B3, a Bolsa brasileira - registrou queda de 3,06%, aos 106. 376 pontos. O indicador foi influenciado pelo desempenho dos papéis de empresas estatais: as ações do Banco do Brasil perderam 4,23%, enquanto as da Petrobras recuaram mais de 6%. Já o dólar fechou em alta de 1,51%, cotado a R$ 5,3597.
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A leitura dos analistas é a de que Lula não abordou no seu discurso de posse os principais pontos de atenção dos investidores com a economia brasileira, em especial sobre qual será a nova regra fiscal do País - em substituição ao teto de gastos - e sobre como o governo planeja encaminhar uma reforma tributária.
"Ao longo do ano, os mercados tentaram identificar o que pode vir a ser esse governo Lula 3 na economia. Na campanha (presidencial), o discurso era o mesmo, e o mercado já vinha precificando um pouco isso, mas sempre com aquela expectativa de que, depois da eleição, o discurso mudaria. Mas ele não mudou", afirmou Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências. "É uma linha (de discurso) muito intervencionista, estatizante e que acredita nesse poder do Estado indutor."
Na posse, Lula prometeu rever políticas mais liberais, como a reforma trabalhista e as privatizações de estatais, e chamou o teto de gastos de "estupidez". O presidente também defendeu o controle pelo Estado de empresas estatais e de bancos públicos para preservar o "patrimônio nacional".
Ainda no domingo, Lula fez um "revogaço" de atos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na economia, ele retirou do processo de privatização empresas como Petrobras, Correios e EBC. Ele também já manifestou o interesse em abandonar a paridade de preços internacionais adotada pela petroleira.
"Eu não sei de onde o mercado tirou a ideia de que o discurso de Lula seria diferente. Ele não mentiu para ninguém. O que o presidente disse ontem (domingo) é o que ele vem falando há 40 anos e nos últimos meses", afirmou Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
Leitura semelhança foi feita no mercado em relação ao discurso de posse de Haddad no Ministério da Fazenda, em cerimônia realizada ontem cedo. Executivos destacaram que o novo ministro "tem tentado falar a linguagem do mercado", mas ainda sobram dúvidas sobre o seu grau de independência no cargo em relação ao grupo político próximo de Lula.
Haddad reafirmou que irá apresentar já nos primeiros dias do novo governo medidas econômicas necessárias para retomar a confiança de investidores. Também disse que deve definir no primeiro semestre uma nova regra fiscal para o País. "Não estamos aqui para aventuras. Estamos aqui para assegurar que o País volte a crescer para suprir as necessidades da população em saúde, educação, no âmbito social e, ao mesmo tempo, para garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal", disse ele.
Disputa no governo
Os investidores reagiram mal à decisão do presidente de editar uma medida provisória para renovar por dois meses a isenção dos impostos federais sobre a gasolina, e por tempo indeterminado para o diesel e gás de cozinha. A decisão foi vista como uma derrota de Haddad dentro do governo. Antes da posse, ele havia pedido para o ex-ministro da Economia Paulo Guedes não prorrogar a desoneração de impostos sobre combustíveis, o que ajudaria a melhorar as contas públicas do governo, num cenário complicado depois da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.
"Os discursos de posse do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deixaram o mercado com o pé atrás, principalmente pela manutenção da desoneração dos combustíveis, ao contrário do que foi negociado por Haddad com o ex-ministro Paulo Guedes", disse Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da corretora Treviso. "A percepção é de que pode haver forte interferência do presidente nas pautas econômicas", afirmou.
Na leitura de Vale, da MB Associados, Haddad não se coloca como um contraponto ao presidente Lula, uma vez que os dois pensam da mesma forma. Ainda de acordo com ele, ambos estariam errados: o ministro, ao focar suas ações para equilibrar as contas públicas em aumento da arrecadação, em vez de privilegiar a redução de despesas; e o presidente, ao manter a desoneração pautado por critérios políticos.
"Se estivéssemos falando em uma prorrogação por 15 dias, tudo bem. Mas são dois meses. Na verdade, essa desoneração não era nem para ter acontecido. O erro de nascença é do governo anterior", afirma, considerando erro econômico e ambiental. Segurar preço de combustível sob o argumento de controlar a inflação, lembra Vale, foi um dos erros da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff na visão do mercado.
No caso da atual desoneração, a medida foi adotada às vésperas da eleição pelo então presidente Jair Bolsonaro para tentar segurar os preços nas bombas e melhorar seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.