A Justiça do Trabalho mineira reconheceu aos familiares de trabalhador rural falecido em acidente do trabalho o direito de receber indenização por danos morais no valor total de R$ 325 mil, a ser dividido de acordo com o grau de proximidade dos familiares. A companheira e a filha do trabalhador ainda receberão indenização por danos materiais, correspondente a pensão vitalícia, a ser paga em parcela única. As indenizações deverão ser pagas pelo espólio do empregador, tendo em vista o seu falecimento no curso do processo. A sentença é da juíza Paola Barbosa de Melo, responsável pela decisão quando em atuação na Vara do Trabalho de Patos de Minas-MG.
A ação foi ajuizada contra o empregador, um produtor rural que faleceu no curso do processo e foi substituído pelo espólio. A mãe, a companheira, a filha e quatro irmãos do trabalhador apresentaram a ação. O profissional sofreu acidente de trabalho fatal apenas 11 dias após ser admitido na propriedade rural, quando caiu em moega e morreu de asfixia por soterramento causado por grãos de café. A moega é um equipamento que tem a função de moer e servir como depósito de matérias-primas moídas.
##RECOMENDA##
O empregador negou a responsabilidade pelo acidente do trabalho, sustentando que ocorreu por culpa do trabalhador, que teria pulado dentro da moega, por livre vontade, sem necessidade. No entanto, foi reconhecida a culpa do empregador no acidente, por ter sido negligente na adoção das medidas de proteção à integridade física do trabalhador. Auto de infração lavrado por fiscais do trabalho registrou que a abertura superior da moega, no momento do acidente, não dispunha de qualquer tipo de proteção.
Tendo em vista que o dano moral dos parentes mais próximos é presumidamente maior do que o dos mais remotos, o valor total da indenização (R$ 325 mil) foi divido da seguinte forma: R$ 225 mil serão partilhados em cotas iguais entre a filha, a companheira e a mãe do trabalhador, e R$ 100 mil serão partilhados entre os quatro irmãos, também em cotas iguais.
“No caso de indenização por danos morais decorrente do falecimento do empregado, embora o dano moral atinja de forma individual cada ofendido, doutrina e jurisprudência admitem a fixação em montante único destinado ao núcleo familiar, a ser partilhado entre os legitimados. Trata-se de solução que confere interpretação analógica, haja vista que a pensão por morte, espécie de dano material, também é fixada por seu valor total, sendo dividida entre os legitimados previstos em lei”, destacou a magistrada na sentença.
Pelo fato de o pedido de reparação não ter partido do empregado, entendeu-se que não é aplicável o artigo 223-G, parágrafo 1º, da CLT, que dispõe sobre um “tabelamento” para a fixação do valor da indenização por danos morais. Além disso, como esclareceu a juíza, a regra, acrescida pela reforma trabalhista, foi declarada inconstitucional pelo Pleno do TRT-MG no julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº ArgInc-0011521-69.2019.5.03.0000.
"Engolfado por grande quantidade de café"
A dinâmica do acidente foi relatada em auto de infração lavrado pelos fiscais do Trabalho. Segundo o registrado, o trabalhador foi engolfado por grande quantidade de café recém-colhido, que se encontrava no interior da moega de alimentação do lavador/despolpador instalado logo acima do terreiro de secagem. A moega tinha cerca de dois metros de profundidade, afunilada para pequena abertura inferior, que se comunicava com a esteira de alimentação do lavador/despolpador. A abertura superior da moega, no momento do acidente, não dispunha de qualquer tipo de proteção.
Aos auditores fiscais, os trabalhadores relataram que só foram perceber o acidente quando o fluxo de café que descia pela moega reduziu e aquele que operava o lavador/despolpador visualizou uma bota obstruindo a abertura inferior da moega. Foi quando chamou os outros colegas para fazer o resgate do trabalhador. O acidentado foi completamente coberto pela grande quantidade de café existente, provocando sua asfixia. Somente conseguiram retirá-lo do fundo da moega, já sem vida, depois de aproximados 50 minutos da ocorrência do evento.
Durante a inspeção, os auditores fiscais do Trabalho determinaram a interdição da moega, tendo em vista que não dispunha, na abertura superior, de qualquer tipo de proteção contra quedas de pessoas ou máquinas agrícolas no seu interior. Consta do relatório de interdição que havia “risco de queda de pessoas e máquinas agrícolas no interior da moega, podendo causar ferimentos, fraturas ou morte por asfixia no caso de engolfamento pelo café”. Conforme constatou a juíza, “foi exatamente o que ocorreu com o trabalhador vitimado”.
Medidas de proteção tardias
Após a interdição, o empregador providenciou a regularização do ambiente de trabalho, colocando grades de proteção na moega, conforme constou do relatório de suspensão da interdição apresentado no processo. Mas, diante da constatação de que o modo de execução das atividades não atendia às normas de segurança, como apurado pela fiscalização do Ministério do Trabalho, que, inclusive, lavrou diversos autos de infração, a magistrada concluiu que houve culpa do empregador no acidente que tirou a vida do trabalhador. “O empregador foi negligente por não propiciar um ambiente de trabalho adequado e seguro ao ‘de cujus’, em contrariedade às disposições normativas sobre segurança do trabalho”, destacou a juíza.
A sentença se baseou no inciso XXII do artigo 7º da Constituição da República, que dispõe ser dever do empregador zelar pela higidez do ambiente de trabalho, devendo proporcionar condições de trabalho adequadas e isentas de riscos, o que também inclui a capacitação dos trabalhadores para as atividades exercidas.
Houve menção ao artigo 157 da CLT que, seguindo o mandamento constitucional de proteção do trabalhador, prevê que cabe ao empregador “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”, bem como “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”. A juíza ainda citou o artigo o artigo 19, parágrafo 1º, da Lei 8.213/91, segundo o qual: “A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador”.
Segundo o pontuado na decisão, as normas que tratam de medicina e segurança do trabalho são de interesse público e, portanto, de indisponibilidade absoluta, pois integram o patamar mínimo civilizatório garantido ao trabalhador. O trabalho em ambiente inadequado, acrescentou a julgadora, viola os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (artigo 1°, incisos III e IV), bem como os direitos fundamentais individuais à vida, à liberdade e à igualdade (artigo 5°), à valorização do trabalho humano digno (artigo 170) e ao meio ambiente equilibrado, nele compreendido o do trabalho (artigos 200, inciso VII, e 225).
Conforme ressaltado, a orientação de se manter um ambiente de trabalho seguro também consta de diversos diplomas normativos internacionais, entre os quais: Declaração Universal dos Direitos Humanos; artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; artigo 16 da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho; artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos; artigos 7º, alínea "e", 10 e 11 do Protocolo de São Salvador; e artigo 25 da Declaração Sociolaboral do Mercosul.
Na avaliação da juíza, a culpa do proprietário rural pelo acidente é evidente, tendo em vista a ausência de zelo pela integridade física do empregado para o cumprimento das atividades, em especial o não fornecimento de treinamento e de equipamentos adequados e seguros.
“Há manifesta violação aos princípios da prevenção, que consistem na adoção antecipada de medidas definidas que possam evitar a ocorrência de um dano provável, numa determinada situação, reduzindo ou eliminando suas causas, e da precaução, pois não cuidou de instruir o empregado para evitar um possível risco, ainda que indefinido, procurando reduzir o potencial danoso oriundo do conjunto da atividade econômica explorada”, frisou a magistrada.
A tese defendida pelo proprietário rural de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva, ou mesmo concorrente, do trabalhador não foi comprovada. Testemunha ouvida a pedido do empregador afirmou que os “treinamentos” ocorriam apenas antes de iniciar os trabalhos, por alguns minutos e, na avaliação da juíza, tratava-se, na verdade, “de meras instruções acerca do modo de realização dos trabalhos”. Conforme pontuado, não pode o réu transferir a responsabilidade do acidente para o falecido, porque é do empregador o dever legal de cumprir e fiscalizar as normas relativas à segurança, higiene e prevenção de acidentes. Além disso, considerou-se que a culpa do empregador foi satisfatoriamente demonstrada no processo.
Diante do reconhecimento da responsabilidade subjetiva do empregador (decorrente de culpa) em relação ao acidente que tirou a vida do trabalhador, concluiu-se pelo dever de reparação, nos termos dos artigos 5º, incisos V e X, da Constituição da República de 1988, bem como dos artigos e 186 e 927, do Código Civil. “O dano moral é representado pela ofensa aos atributos da personalidade que cause dor, sofrimento e humilhação que, de forma anormal, causa grande sofrimento e abalo psicológico ao indivíduo. Constitui lesão na esfera extrapatrimonial, a bens relacionados ao rol não exaustivo do art. 5º, X, CR/88”, ressaltou a julgadora.
Conforme pontuado pela magistrada, tratando-se de acidente de trabalho com óbito, todos aqueles que, em tese, mantiveram laço afetivo com o falecido poderão ingressar com ação de reparação por danos morais, sendo legitimados para tanto. Em relação aos parentes próximos da vítima, integrantes do círculo familiar mais restrito, tais como pais, filhos, irmãos, cônjuges/companheiros, o dano moral é evidente e emerge do fato em si. “Assim sendo, independe da comprovação de afinidade dos parentes com falecido”, esclareceu.
À companheira e à filha do empregado falecido ainda foi reconhecido o direito de receber do espólio do proprietário rural uma pensão mensal vitalícia, a ser paga em parcela única, nos termos do parágrafo único do artigo 950 do Código Civil.
O valor da indenização por danos materiais, que será dividido em parte iguais entre a filha e companheira, será calculado com base na remuneração mensal do empregado (R$ 1.497,00), acrescida de 13º salário e de 1/3 das férias, com aplicação redutor de 1/3, decorrente de gastos presumidos com despesas pessoais da vítima, conforme jurisprudência predominante.
O pagamento para a companheira deverá considerar a idade do falecido na data do óbito (28 anos) e a expectativa de vida do brasileiro segundo o IBGE (76 anos). Em relação à filha menor, entendeu-se que somente será devido até que ela complete 25 anos, com base em jurisprudência, no sentido de que, nessa idade, a dependente já terá completado a sua formação escolar, inclusive universitária, cessando a dependência financeira. Entretanto, ficou determinando que, após o termo fixado, o valor que seria devido à filha será revertido à ex-companheira do falecido, pela aplicação analógica do artigo 77, parágrafo 1º, da Lei 8.213/91. “Trata-se do direito de acrescer da beneficiária remanescente”, pontuou a juíza. Há recurso aguardando julgamento no TRT-MG.
Da assessoria.