Tópicos | Estatuto da Criança e do Adolescente

No próximo domingo, dia 1º de outubro, serão realizadas as eleições para conselheiro tutelar em todos os municípios do Brasil. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as eleições dos membros do Conselho Tutelar são realizadas a cada quatro anos, no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao das eleições gerais, para governadores e presidente. Neste ano, um diferencial torna o pleito mais modernizado, com o uso das urnas eletrônicas em todo o território nacional, resolução aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para entender melhor sobre o tema, o LeiaJá conversou com conhecedores do assunto, que explicaram detalhes sobre a campanha e a atuação dos conselheiros tutelares. 

Segundo o advogado Raphael Costa, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Jaboatão dos Guararapes, e membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB Nacional, a existência do Conselho Tutelar é prevista desde a promulgação do ECA, mas a votação dos conselheiros se tornou um processo eleitoral unificado, em todo o território nacional, a partir de 2012. “As eleições começaram a ser implantadas em cada cidade, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê a existência dos Conselhos Tutelares, e pela municipalização, os conselhos municipais de defesa da criança e do adolescente, é que vão coordenar as eleições”, comentou. 

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No Recife, quem coordena as eleições é a comissão eleitoral criada no Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica). Segundo o jurista, o Comdica escolhe, por meio de votação interna, quem fará parte da comissão eleitoral que estará à frente do sufrágio universal. Isso acontece em todas as cidades do Brasil, em cada Conselho Municipal. “A comissão eleitoral é que vai dirigir os trabalhos da eleição. Isso sob a coordenação do Comdica, onde vão ser colocadas as instâncias de resolução de problemas. Primeira instância sendo a comissão eleitoral, e não resolvendo, o pleno do Comdica se reúne para resolver”, complementou Costa. 

As comissões eleitorais, dos Conselhos Municipais, têm como responsabilidade coordenar todo o processo, desde a a divulgação do edital, que foi feito em abril, até o dia da votação. Os Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) ficam encarregados em ceder as urnas eletrônicas, capacitar as equipes de mesários e dar suporte técnico no dia da eleição. O TRE-PE vai disponibilizar 2.503 urnas eletrônicas para 32 municípios. Apenas os municípios com, no mínimo, 30 mil eleitores poderão contar com urnas eletrônicas. O TRE-PE dispõe da listagem de cada seção eleitoral que estará disponível no estado, basta pesquisar no portal utilizando os dados do título de eleitor

O papel do conselheiro tutelar 

Segundo o presidente do Comdica Recife, Wellignton Pastor, o ECA estabelece que exista, no mínimo, um Conselho Tutelar, com cinco conselheiros, em cada município, podendo variar para menos, de acordo com a população de cada unidade municipal. Eles são responsáveis pela proteção e propagação dos direitos das crianças e adolescentes. “São órgãos que compõem a rede do Sistema de Garantia de Direito de Crianças e Adolescentes, e eles são a porta de entrada para os demais serviços”, disse ao LeiaJá

Nas cidades grandes, os Conselhos Tutelares são distribuídos pelas regiões político administrativas (RPAs). No Recife, existem oito RPAs, indo da 1 a 6, sendo que as RPAs 3 e 6 são subdividas em A e B, para dar conta das populações nos bairros. “Inclusive, a Prefeitura estuda a possibilidade de ampliar o número de Conselhos Tutelares, porque com a publicação do novo censo do IBGE, que aumentou a população aqui de Recife, no futuro esse número de Conselhos Tutelares deve aumentar”, adiantou. 

Para se submeter a um cargo no Conselho Tutelar, é preciso preencher determinados requisitos, como explica o presidente do Comdica Recife: “Ser maior de 21 anos, morar no território [da RPA correspondente], ter idoneidade moral. Precisa ser uma pessoa que também seja reconhecida pela comunidade, pela sociedade, enquanto um defensor dos direitos humanos”, explicou. 

Processo seletivo 

O regulamento da seleção dos candidatos possui algumas etapas padrão, que são a inscrição, a prova, e a escolha feita pela sociedade. No entanto, alguns municípios incluem outras etapas no processo, como explica o presidente Wellignton. “O processo aqui em Recife, a nossa etapa é composta por cinco momentos. O primeiro é o da inscrição, onde o candidato precisa entregar toda a documentação. Depois disso, a gente faz uma análise. Aquelas pessoas que apresentaram os documentos de forma correta, elas vão para a segunda etapa, que é do exame psicotécnico. Todas as etapas de Recife são eliminatórias, da primeira à última. Depois do exame psicotécnico, eles vão para a prova de conhecimento, é a terceira etapa”, ele listou. 

“Depois da prova de conhecimento, eles vão para o momento do sufrágio, que é a hora do voto. É onde a sociedade vai escolher ali aquelas pessoas que elas consideram que estão mais preparadas para ocupar esse equipamento. E a última etapa, que é a quinta, é o processo de formação. Eles passam por um processo de capacitação, de reciclagem, para poder, no dia 10 de janeiro [de 2024], ser empossados na condição de conselheiro ou conselheira tutelar”, continuou. 

São 40 vagas para conselheiro tutelar no Recife, sendo cinco para cada RPA. As eleições na capital pernambucana contam com 88 candidatos no total, conforme a seguinte distribuição: RPA 1 tem 13 candidatos; RPA 2, 11; RPA 3, 19; RPA 4, 10; RPA 5 tem 14; e RPA 6, 21. 

Como acontecem as campanhas 

A resolução elaborada pelo Comdica Recife determina certas regras para a campanha dos candidatos. O advogado Raphael Costa ainda ressalta, ao apresentar o edital, a importância da leitura da normativa para compreender os procedimentos permitidos durante a campanha eleitoral. 

Segundo uma resolução, divulgada em 24 de agosto pelo Comdica Recife, apenas alguns tipos de material são permitidos no período de campanha, sendo eles: Folders, Santinhos, adesivos micro perfurados para veículos de passeio, adesivos plásticos, praguinha adesiva, broches e jingles. 

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), por meio de resoluções, determina as práticas vedadas durante as campanhas e conduta dos candidatos antes, durante e após o pleito. 

 

Um caso de agressão contra uma criança e um adolescente dentro de um mercado em Caxias do Sul, na Serra do Rio Grande do Sul, é investigado pela Polícia Civil. O momento em que o gerente do estabelecimento agride e ameaça dois meninos, de 11 e 13 anos, por suposto furto, foi registrado por vídeo. 

Segundo a reportagem do RBS TV, que foi até o mercado nesta quinta-feira (23), uma mulher, que se disse proprietária, não quis gravar entrevista. No entanto, o advogado do funcionário que fez as ameaças aos meninos afirmou, por telefone, que o rapaz não vai se manifestar agora e que está colaborando com a investigação. 

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Nas imagens, é possível ver o momento em que a criança e o adolescente sofrem a agressão. Eles estão sentados no chão do mercado enquanto dois funcionários, estando um com uma faca na mão, grita fazendo ameaças:

- “Quais os dias que vocês estão roubando aqui?”

- “Eu não fiz nada”. 

- “Que tu não fez nada! Eu te corto agora! Lambe isso aí que eu não quero sujeira aí. Vai limpar tudo isso aí”

As imagens foram registradas no dia 11 de março sem que os funcionários percebessem. O vídeo chegou à polícia através de uma denúncia anônima realizada na semana passada. De acordo com a delegada Thalita Giacometti Andrich, que investiga o caso, não há registro de ocorrência de furtos ou roubos no mercado no dia da gravação das imagens.

Thalita afirmou que a ausência de registro de ocorrência e contato com a polícia surpreendeu a investigação. “Esses meninos poderiam ter sido levados para a delegacia de polícia. Seriam responsabilizados na medida da sua culpabilidade. Não houve registro por parte dos responsáveis pelo estabelecimento. Eles optaram por ter aquela atitude ali presente no vídeo”, observou. 

O homem que fez as ameaças, a criança e o adolescente já foram ouvidos pela polícia, além dos familiares dos dois meninos. O outro funcionário que aparece nas imagens foi identificado, mas a polícia ainda não conseguiu localizá-lo. Os possíveis crimes ainda estão sendo apurados. 

A delegada ressaltou que crianças e adolescentes têm proteção especial perante a lei. “Então, além dos crimes do Código Penal, que podem existir ali, muitas pessoas estão falando em ameaça, vias de fato, que é uma contravenção penal. Ainda existem crimes também no Estatuto da Criança e do Adolescente”, disse. 

Por sua vez, o Conselho Tutelar de Caxias do Sul explicou que situações de ato infracional com crianças e adolescentes são de atuação dos órgãos de segurança pública, como é previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. 

 

A Lei nº 8.069, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), data de 13 de julho de 1990, quando foi assinada pelo então presidente Fernando Collor. Nesta segunda-feira (13), completa seu aniversário de 30 anos de vigência em proteção aos jovens e crianças do país, inspirada na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, documento ratificado por mais de 196 países. Antes disso, vigorava no Brasil o Código de Menores, lei promulgada por João Figueiredo durante a Ditadura Militar brasileira em 1979 que tratava sobre “menores em situação irregular”. No entanto, sem prezar pela garantia de direitos básicos como, por exemplo, o acesso à escola durante todo o ensino básico. 

O estatuto, por sua vez, prevê em seu “Capítulo IV Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”, artigo 53, que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores”. 

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O ECA prevê ainda direitos como creche e oferta de ensino noturno regular, determinando que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”, como também o “não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente”, sendo assim obrigação dos pais ou responsáveis fazer a matrícula das crianças e jovens. Além disso, existe ainda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, estabelecendo o ensino obrigatório dos 7 aos 14 anos. Em 2006, a lei foi alterada, determinando o ensino fundamental a partir dos 6 anos. No ano de 2009, foi aprovada a Emenda Constitucional 59, ampliando escolaridade obrigatória para 4 a 17 anos.

Desde 1990 a presença das crianças e adolescentes nas escolas melhorou consideravelmente, em grande parte devido ao ECA e outros normativos que o acompanham. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgados no relatório “ECA 25 Anos Avanços e Desafios da Infância e Adolescência no Brasil”, elaborado em 2015 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também apontam para um crescimento no número de matrículas de jovens entre 15 e 17 anos: de 5,4 milhões, em 1995, para 7,8 milhões de estudantes matriculados em 2014 em escolas públicas, segundo o Censo Escolar. 

Apesar disso, os números não são animadores, pois as altas taxas de repetência e distorção idade-série alinhadas a outros fatores ainda levam, mesmo com as determinações do ECA, a uma grande evasão de alunos, gerando exclusão e impedindo a universalização do ensino. Essa realidade também se revela nas estatísticas: A Pnad 2013 registrou mais de 3 milhões de meninos e meninas fora da escola, enquanto o estudo “Cenário da exclusão escolar no Brasil”, realizado em 2017 pela Unicef, detectou 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora de instituições de ensino, sendo 57% (1,6 milhão) com idades entre 15 e 17 anos. Atualmente, Pernambuco é o estado brasileiro com a menor taxa de evasão do país (na rede estadual de ensino), passando de um percentual de abandono na casa dos 24% em 2007 (o que o colocava na 26º posição do ranking), para 1,2% em 2018, figurando desde 2013 como o estado com o melhor quantitativo. O número absoluto de abandonos, no entanto, não foi divulgado. 

Quem está fora da escola no Brasil?

Diante desse cenário, cabe uma reflexão sobre os motivos que levam à “fuga” de alunos das salas de aula e como é possível não apenas resolver, mas também prevenir o problema, buscando reduzir o número de estudantes em situação de repetência, distorção idade-série e evadidos, para enfrentar a exclusão escolar do Brasil. Antes de apontar as razões da exclusão escolar, é preciso falar de quem são as crianças e jovens do Brasil que permanecem, após 30 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente, à margem do sistema de ensino. 

Verônica Bezerra é Especialista em Educação do Unicef há 2 anos e tem mais de 20 anos de experiência com educação no Brasil, trabalhando em universidades e na gestão pública. Segundo ela, “no Brasil, as redes estaduais e municipais somam cerca de 6,4 milhões de estudantes com dois ou mais anos de atraso escolar. Cerca de 2,6 milhões reprovados” e, historicamente, “a exclusão afeta crianças e adolescentes pretos, pardos e indígenas. Na educação há milhares de estudantes que passam pela escola sem aprender também”.

Para comprovar a afirmação, Verônica cita o Censo Escolar de 2018 (uma vez que o mais recente, de 2019, ainda passa por correções). “Tínhamos cerca de 2,6 milhões de estudantes de escolas estaduais e municipais reprovados no nosso país. Observe, tem exclusão escolar, tem o atraso escolar, tem o fenômeno da repetência e as populações mais atingidas são as preta, parda e indígena. Em termos de território, essas crianças e adolescentes estão mais nas regiões Norte e Nordeste, mais nas áreas de campo que urbanas, mais meninos do que meninas. Essas desigualdades estão muito presentes nestes recortes de raça, gênero, e todos são estudantes que estão numa linha de pobreza” afirma Verônica.

Detalhando melhor os números, a especialista conta que “Só no ano de 2018 mais de 912 mil crianças e adolescentes estavam na escola e dela saíram para não retornar. Estudantes negros e pardos deixam a escola quase duas vezes mais do que os brancos. Nessa faixa de negros e pardos, isso representa cerca de 48% do total de reprovados. Os indígenas têm a maior taxa de distorção idade-série e abandono. Mais de 41% dos estudantes estão em atraso escolar e aproximadamente 15 mil indígenas deixaram a escola em 2018”. 

Questionada sobre as razões que levam esse perfil de criança e adolescente a ser o mais frequentemente excluído, Verônica aponta para questões estruturais da sociedade, como violência, racismo, fome, trabalho infantil, pobreza e gravidez na adolescência, por exemplo. Para ela, a solução está na adoção de ações integradas em diversas áreas do setor público. “A partir de uma conjunção de forças de saúde, assistência e educação, que nós partejamos uma nova estratégia compreendendo trajetórias de sucesso”, diz a especialista. 

Por que a evasão persiste?

Os motivos para o abandono escolar são os mais diversos possíveis, mas alguns costumam ser mais frequentes. As altas taxas de repetência, que levam à distorção entre a idade e a série que o aluno está cursando, por exemplo, atrasam a conclusão dos estudos e geram desinteresse pela escola, maior causa apontada pelos estudantes que deixam a sala de aula. A necessidade de trabalhar para ajudar em casa devido à pobreza, violência (doméstica e escolar) e gravidez na adolescência também são algumas das mais comuns. 

Há ainda questões estruturais, como vaga na escola, distância e precariedade no transporte, todos direitos essenciais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante dos diferentes casos e perfis de estudantes, ao procurar por pessoas que sofreram com o distanciamento da escola, encontramos histórias diferentes.

Dona Francisca Maria Alves tem 63 anos, é manicure, nasceu em Santana do Acaraú, no Ceará, e aos 19 anos se mudou para o Recife. Antes, quando tinha em torno de 10 anos de idade e cursava a segunda série, precisou deixar a escola. “Foi tanta coisa, tanta pobreza que eu acabei saindo da escola pra ajudar meus pais.  Eu fui trabalhar fazendo chapéu, lavoura, ajudava eles no que podia. Quando eu saí, eu não voltei mais para a escola, eu fui só trabalhar. Morava no interior, muito atrasado, a escola lá era muito difícil. Eu entrei lá e não consegui ficar muito tempo, eu tinha muita dificuldade de leitura, até hoje eu tenho”, diz.

A evasão não ocorreu por falta de interesse e, após se mudar, a então jovem Francisca tentou retomar os estudos, mas outra vez não conseguiu. “Quando eu tava com 19 anos vim embora aqui 'pro' Recife, vim trabalhar e comecei... entrei numa escola, mas trabalhava numa casa de família, mas a mulher dizia que não dava para eu ir, porque na hora do jantar eu tinha que estar presente, aí desisti de novo. Eu vim de Santana do Acaraú, no Ceará. Depois eu conheci o pai das minhas meninas e meu filho, fiquei morando com ele e não fui mais estudar. Ele viveu comigo há 22 anos, já faleceu. Ele era mestre de obras, ganhava bem, e depois que saí da casa da mulher continuei fazendo unha, ainda faço”, contou Dona Francisca. 

Perguntada se ela tinha alguma aspiração profissional que queria ter alcançado por meio dos estudos, a resposta é positiva. “Eu tinha o sonho de ser uma professora, não consegui. Eu gosto muito de matemática, com matemática eu não tenho problema”. Porém, logo em seguida a conversa fica triste: “mas acho que esse sonho acabou, por causa da minha idade, né? Daqui que eu chegue numa faculdade… Eu sei que nunca é tarde, mas daqui que eu chegue lá eu tenho mais cabeça para ensinar ninguém”.

Se tivesse tido oportunidades melhores na vida para estudar, no lugar de ter precisado trabalhar tão jovem e ficado sem tempo para exercer seu direito fundamental à educação, Dona Francisca conta que hoje sua vida poderia ser muito melhor. “Se eu tivesse tido oportunidade hoje eu estaria aposentada, trabalhando no estado, numa prefeitura. Era um trabalho mais conhecido, uma coisa mais garantida. Hoje eu até me conformo, porque eu lutei muito, batalhei muito”. 

Apesar de todo o tempo que se passou e de não crer mais que conseguirá se tornar professora, Francisca decidiu voltar a estudar mesmo acreditando que sua idade já está muito avançada e hoje tem aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Eu queria sair um pouco de casa a noite, o que eu achei mais fácil foi estudar, para conhecer mais gente, conhecer mais coisa do estudo, mas é muito difícil. Estou fazendo a quinta série. Agora está tudo na pandemia, os professores passam deveres muito complicados, eu trabalho e não tenho tempo de estar estudando, só quando voltar pra ver como vai ser. Minha cabeça está um vazio. É muito difícil. O ensino remoto é difícil, está difícil para mim, também para os jovens”, contou ela.

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Tatiana Barreto, de 35 anos, é formada em relações públicas, mora no Rio de Janeiro, e teve uma vida escolar complicada durante vários anos antes de, enfim, conseguir concluir o ensino médio e, em seguida, cursar e terminar o nível superior.  Ela conta que até os 8 anos de idade várias mudanças de endereço e escola levaram a evasões e repetências que a deixaram com uma grande distorção de idade-série. Em seguida, quando estava com 16 anos e cursando o 6º ano do ensino fundamental, ela não foi matriculada. 

“Já era atrasada nas séries escolares, não tinha quem procurasse vaga escolar para mim. Fui criada pelo meu avô materno, e ele não entendia da importância de estudar e também não tinha tempo. Eu lembro de ficar muito para baixo, porque apesar das dificuldades, eu adorava ir para escola. Isso na época me afetou demais, acabava que eu passava 70% do dia pela rua, na porta do colégio dos outros. [quando retornei à escola] Fiquei perdida nas matérias, e desmotivada, porque lembro de não ter bom desempenho em algumas matérias”, contou ela. 

Após o regresso difícil, já aos 22 anos e cursando o 1º ano do ensino médio, Tatiana precisou deixar a escola novamente, reprovada por faltas, dessa vez por outro motivo: gravidez. “Deu desânimo de cursar o mesmo ano, fora que maior parte dos meus amigos conseguiam empregos e levar a vida sem estudar, eu me apoiei nisso. Nesse período eu já era mãe, trabalhava e estudava, sem nenhuma rede de apoio. Eu não tinha pai, nem mãe e minha filha não tinha pai também, então eu muito que colocava isso na balança, me dedicar aos estudos ou cuidar da minha filha. Eu arrumava uns 'bicos' e deixava de ir à escola, e lembro também de ter que levar ela pra escola. Não existia um espaço, ela precisava ficar no meu colo, às vezes a diretora ficava pelos corredores com ela. O ônibus então era um inferno, tinham piadas tipo 'tá indo para escola pra quê?'”, conta Tatiana.

Questionada sobre o impacto da evasão escolar em sua vida, a jovem afirma que houve um atraso em sua formação e que o mercado de trabalho, além de não ser como o esperado, hoje “parece ser voltado aos mais jovens, e com tudo isso eu estou meio que para trás. Nós conhecemos bem a dificuldade de mães acessarem o mercado, ainda existe um estigma muito grande sobre isso”. 

Quando lhe foi pedido um conselho para jovens que estejam, agora, pensando em largar os estudos para viver apenas do trabalho antes de terminar a escola, Tatiana disse que é muito difícil “chegar e falar para um jovem de periferia que ele vai vencer através dos estudos, que estudar é importante, um agente modificador que vai tornar ele uma pessoa capaz de ter cognição para decidir até um voto e seus direitos”. No entanto, ela continuou afirmando que “hoje eu sou outra pessoa e graças a Deus com todo o esforço que eu fiz, hoje inspiro outras pessoas. Tive amigos que, através do diálogo, foram para a universidade, terminaram o ensino médio. Educação vale a pena”. 

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Enfrentamento ao problema

De acordo com o artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos; reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; e elevados níveis de repetência, para que o mesmo possa prestar apoio às instituições nesses casos. De acordo com Cristiano Carvalho, Presidente da Associação Metropolitana dos Conselheiros Tutelares, o Conselho Tutelar é “um órgão criado pelo ECA com o objetivo de ser representado pela sociedade, que escolhe seus representantes” e atua em casos de ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes. 

“O Conselho Tutelar é um órgão que garante e fiscaliza as instituições: primeiro os pais e responsáveis, depois o Estado, que também é responsável quando os pais são omissos, e depois o adolescente ou criança na sua própria conduta, aí a gente aplica medidas. Resumindo, o Conselho Tutelar é um órgão que garante os direitos de crianças e adolescentes”, explicou ele.

Cristiano explicou que há diversas ações que podem ser implementadas pela gestão escolar, através da equipe de psicólogos e pedagogos que todas precisam ter por determinação do Ministério da Educação. 

“Essa equipe tem a responsabilidade de, dentro da escola, observar o desenvolvimento e a desenvoltura desse aluno. Quando elas começam a perceber evasões, começam a fazer estudos técnicos e chamar os pais, interrogar por que o aluno está faltando, evadindo. Primeiro a equipe pedagógica tem esgotar todos os meios com os pais ou a pessoa que tem a guarda, chamar e aí vai ter que se explicar por que o aluno não está chegando na sala de aula”, diz.

Porém, em casos que as medidas internas não funcionam, chega a hora de, conforme determina o ECA, acionar o Conselho Tutelar em busca de uma solução mais eficiente. “Quando a escola e a equipe técnica não têm condições de cessar, ela comunicará ao Conselho Tutelar a questão de evasão ou repetição, o conselho notifica esses pais e eles vão se explicar porque a equipe chamou e a situação continuou. O conselho colhe toda a informação e aplica as medidas: acompanhamento psicológico, acompanhamento terapêutico com aquela criança, aquele adolescente e até mesmo os pais e aguarda o resultado”, conta Cristiano.

No entanto, a ação do Conselho Tutelar tem limites e não é punitiva, necessitando de apoio da Justiça para tomar medidas mais severas. “O conselho não penaliza, é um órgão administrativo que aplica a medida do direito que foi violado. Quando vem a se esgotar tudo isso, foge da nossa alçada. Se houver alguma infração de descumprimento da medida aplicada pelo conselho a gente comunica ao Ministério Público”, disse ele.

Questionado sobre a efetividade do Estatuto da Criança e Adolescente para seguir trilhando um caminho de avanços rumo à universalização do ensino, ou se para ele é necessária a publicação de uma nova lei (ou adaptações no ECA), Cristiano afirmou que considera o ECA “aplausível”, mas julga ser necessária mais responsabilização dos gestores públicos. 

“O poder público tinha a criança como um objeto no código penal. Via a criança como uma cadeira, um pneu, como um pente, criança e adolescente era tratado como objeto, não como como sujeito de direito. O estatuto traz a garantia de que a criança e o adolescente é um sujeito de direito em desenvolvimento. Na minha visão o estatuto precisa aprimorar algumas coisas, trazer a responsabilidade dos órgãos, apesar de existir na constituição e no código penal, mas trazer para dentro do estatuto a responsabilidade dos gestores. Hoje, para sanar essa questão de evasão é preciso trazer a responsabilidade para o poder público”, disse ele.

Gestão escolar

Izaias Lopes é Conselheiro Tutelar há dois mandatos em Jaboatão dos Guararapes, bacharel em direito e trabalhou por aproximadamente seis anos com educação infantil no Recife e em Jaboatão. Ele reitera a fala de Cristiano ao destacar avanços trazidos pelo ECA, também apontando necessidades de aprimoramento em termos de gestão. 

“Uma das maioridades dificuldades vêm da parte dos gestores públicos em se tratando da falta de implementação de programas e serviços direcionados a justamentes este tema como também na melhoria de programas onde auxiliem as famílias que vivem em situações mais vulneráveis, pois não adianta incluir a criação de novas leis se não existir um trabalho exaustivo e de longo prazo na área de educação, serviço social lazer e cultura onde garanta as famílias um ambiente tranquilo para criar seus filhos. Outra grande dificuldade para implementação de tais leis são por muita das vezes a falta de diálogo entre os gestores públicos em sua totalidade e os próprios Conselheiros tutelares, os dirigentes de unidades de ensino e a população onde juntos podem direcionar caminhos diferentes para solucionar tal problema, pois muita das vezes o interesse político se sobressai sobre o interesse da população e de seus direitos”, disse ele.

Laudicéia de Barros Gomes tem 31 anos, é pedagoga há 10 anos, já deu aulas por 2 anos em uma escola pública e atualmente é professora polivalente em uma instituição privada. Ela conta que as escolas particulares em geral não sofrem com evasão, exceto durante esta pandemia de Covid-19, quando há pais tirando as crianças da educação infantil. Já na rede pública, ela conta que o problema sempre foi grave e frequente, mas nem sempre combatido com a seriedade que merecia pela gestão. 

“Tem uma escola que eu trabalhei em que encontrei um amigo meu de escola que estava retornando aos estudos. Teve que ajudar os pais pela parte financeira. Uma queixa geral dos alunos era incentivo do professor. Essa escola tinha muitas dificuldades, a gestão na época não ajudava muito, mas os professores estavam ali e se quiser aprender, aprenda. Se não quiser não estou nem aí.  Às vezes o aluno saía de casa sem tomar café, pais bêbados, pais drogados, chegava na escola... qual a motivação desse aluno se tem um amigo do lado chamando ele para beber ou usar drogas?”, questionou ela. 

No que diz respeito diretamente à gestão, as críticas da professora são no sentido da falta de engajamento de professores e gestores para tornar a escola mais agradável, atrativa e observar a frequência dos alunos com atenção. 

“O papel do professor é trazer o aluno e a gestão, a comunidade para junto da escola. Motivar o aluno, trazer aulas atrativas. Chamar a família para dentro da escola e fazer o papel de se responsabilizar pela criança. É escola e comunidade, juntos, fazendo projetos juntos, vendo as necessidades. O primeiro passo é procurar a família, ligar, saber os motivos e como a escola pode ajudar para fazer o retorno deste aluno. Escola particular se o aluno falta dois, três dias, liga para saber o que aconteceu. Escola pública o aluno vai faltando e no final do ano geralmente, são poucas as escolas que se importam com esse processo de evasão”, afirmou Laudicéia.

Questionada se ela considera que, com uma gestão empenhada, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento legal forte o suficiente para resolver os problemas ligados à evasão e abandono escolar, ou se a adaptação da lei ou publicação de normas novas são necessárias, a professora elogiou o Estatuto. “O ECA é uma das legislações mais importantes. São leis bem fundamentadas e com um gestor competente a gente pode sim diminuir essa exclusão escolar, o ECA tem suporte suficiente para isso, uma boa gestão consegue sim diminuir os impactos da exclusão escolar, mas infelizmente isso ainda é minoria no Brasil. São minorias que têm essa gestão fundamentada no ECA, mas sem sombra de dúvida o ECA é o instrumento principal para [reduzir] essa exclusão, com certeza”, disse Laudicéia.

Essa realidade também se reflete nos dados de pesquisas. Dados tabulados pelo Instituto Unibanco com base no Questionário do Diretor - Saeb 2015 apontam que entre os alunos do ensino médio, 5% está em escolas cujo diretor afirma não haver ações para resolver o problema da evasão escolar, mas admite que a questão existe; 22,3% são alunos de unidades onde a direção afirma não desenvolver ações e nega que haja problema; a maioria dos alunos, 41,2%, são de escolas cujos diretores afirmam desenvolver ações sem sucesso; 23,8% alegam ter ações com bons resultados e 7% ainda não avaliaram os resultados de suas ações.     

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A coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Criança, Adolescente e Natureza da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Evelyn Eisenstei, participou da redação do Artigo 8 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, na época, reforçou o direito da gestante ao atendimento pré e perinatal no Sistema Único de Saúde (SUS). Em sua casa, a pediatra guarda uma edição especial do estatuto, publicado há exatos 30 anos, que ajudou a reduzir a mortalidade infantil no país em mais de 70%.

"Não é o estatuto em si que diminuiu a mortalidade. O que diminuiu a mortalidade foram as políticas públicas baseadas nas premissas do estatuto. Quando a gente tem uma legislação, a gente obriga, entre aspas, os gestores públicos a investirem recursos, principalmente no quesito saúde".

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A pediatra acrescenta que o ECA permitiu reconhecer as necessidades específicas de crianças e adolescentes nos serviços de saúde, como estar em enfermarias menores e separadas. "O ECA mostrou que crianças têm direitos e necessidades básicas. Por exemplo, ter pai ou mãe em uma enfermaria", conta ela, lembrando o Artigo 12 do estatuto, que garante condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.

"A criança hospitalizada tinha o trauma da hospitalização e o trauma de ficar sozinha em uma enfermaria. É um pequeno exemplo de tudo isso", afirma ela, que acredita que a falta de recursos foi o grande obstáculo para fazer valer as premissas do ECA quanto à saúde nestes 30 anos. "O papel não resolve. O papel é uma premissa. Você precisa de recursos para gerir essa máquina de saúde, educação e esse sistema de direitos."

Além da mortalidade e do cuidado pré e pós-natal, Evelyn Eisenstein destaca que há avanços no tratamento odontológico, no acesso a métodos contraceptivos, na proteção contra as drogas e em diversas outras áreas, como a vacinação, que passou a sofrer recentemente com quedas na taxa de imunização.

Vacinação

Apesar de o ECA estabelecer que "é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias", as metas de 95% não foram batidas para a maioria das vacinas nos últimos anos. A tríplice viral, que previne rubéola, caxumba e sarampo, teve uma queda de imunização para 90% na primeira dose em 2017 e 2018, e a segunda dose continuou bem abaixo do pretendido, com 75% de cobertura.

Uma das consequências dessa queda é a volta do sarampo ao país, após a erradicação da doença no Brasil ter sido reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, em 2018. O diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Guido Levi, avalia que o ECA reforçou a obrigatoriedade de vacinar crianças, que já era prevista desde a década de 1970 pelo Programa Nacional de Imunizações. O sucesso do programa, na análise do imunologista, não tornou necessária uma regulamentação mais dura para a questão na época.

"O que fazer quando a criança vai se matricular na escola e não tem carteira de vacinação em dia? A melhor coisa é a persuasão. Se você chamar os pais e uma pessoa bem informada explicar a importância da vacinação, a grande maioria dos pais vai vacinar seus filhos", avalia ele, que defende medidas mais severas somente em casos mais extremos, quando os pais se opuserem de forma irredutível à vacinação, mesmo cientes dos riscos que isso representa para seus filhos e para as demais pessoas com quem têm contato. "O ECA abre uma porta para que a não vacinação seja considerada maus-tratos."

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa, nesta segunda-feira (13), 30 anos de existência. Feito para garantir a proteção dos jovens desde a primeira infância e auxiliar juridicamente em casos contra a integridade (física e moral) dos pequenos, o marco regulatório tem esbarrado em uma mudança significativa para os nossos tempos: a tecnologia. Com o aumento do acesso infantil às plataformas digitais, o texto, escrito em 1990, precisa urgentemente conversar com os problemas da geração atual. 

De acordo com gerente de segurança da informação, Wellensohn Gomes, o estatuto não prevê o aliciamento de menores via chat ou mesmo uma punição para quem criar desafios virtuais que ponham em risco a integridade física da criança. Um exemplo recente foi o “homem Pateta”, um perfil humanizado do personagem da Disney que enviava vídeos, textos, áudios e até realizava chamadas de vídeo para propor desafios e incentivar crianças a cometerem suicídio. 

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“O artigo 241 do ECA fala de apresentar, produzir, vender, armazenar informações das crianças, inclusive na rede mundial de computadores. Em alguns cenários a gente encontra problemas relacionados à criança no qual o Estatuto não consegue enquadrar”, diz Gomes. “Por exemplo, um perfil falso nas redes sociais que faça alienação com a criança, mas não armazena a foto dela, não divulga, somente conversa e alicia psicologicamente o artigo não prevê isso. Para esse cenário é preciso que a Lei se adeque ao mundo que vivemos”, explica.

O especialista em segurança da informação critica o único artigo do ECA que se refere à internet. De acordo com o estatuto, apenas quando houver divulgação ou armazenamento de imagens infantis em contextos sexualizados é que o ato será tipificado como crime. Porém, com o aumento do uso de redes sociais e plataformas como TikTok, Twitter, Instagram, WhatsApp, entre outras, criminosos podem encontrar formas diferentes de causar danos aos pequenos, como no caso dos “desafios”, como o da Baleia Azul ou da Boneca Momo.

Confira o vídeo e veja dicas para proteger seus filhos digitalmente

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Regulação internacional e redes sociais

“Hoje, com a transformação digital, as nossas crianças, os nossos filhos, precisam estar cada vez mais conectados. Eles são nativos digitais. Eu não consigo ocultar a tecnologia dele, porque já vem de berço. Essa roupagem do ECA que é de 1990 precisa acompanhar isso, fazendo as modernizações e atualizações para o mundo que vivemos”, afirma Wellensohn, que é pai de Júlio César, de 7 anos. Em casa, o garoto só pode acessar jogos e ver vídeos em plataformas digitais após cumprir todas as tarefas e, ainda assim, fiscalizado por um adulto.

De acordo com o gerente de segurança da informação, empresas como Instagram, Facebook, Twitter, que provém serviços de redes sociais, são regidas por uma lei chamada COPPA (Children's Online Privacy Protection Act ou Lei de Proteção à Privacidade Online das Crianças, em tradução livre). “Essa Lei rege a privacidade da criança online, uma criança menor de 13 anos não pode ter uma conta nessas redes, a não ser que o pai autorize com seus próprios dados”, explica Gomes. 

A Coppa é uma lei internacional, vigente desde os anos 2000, aplicada à coleta online de informações pessoais pertencentes à crianças menores de 13 anos por pessoas ou entidades sob jurisdição dos Estados Unidos. Ela também inclui crianças fora dos EUA, se a empresa estiver sediada no país norte-americano - como no caso do TikTok, por exemplo - e exige que sites incluam em suas políticas de privacidade formas de buscar o consentimento verificável de um dos pais ou responsáveis

Para Whellensohn essas diretrizes também precisam se aplicar ao ECA. “O Estatuto da Criança e do Adolescente é um conjunto de leis de 1990. Quando essas Leis foram criadas e aplicadas na prática, a gente não vivia o mundo totalmente digital. As leis precisam mudar, elas precisam se adequar aos ambientes que vivemos”, completa.

No Brasil de 1990, uma em cada cinco crianças e adolescentes estava fora da escola, e uma em cada dez, entre 10 e 18 anos, não estava alfabetizada. A cada mil bebês nascidos vivos no país naquele ano, quase 50 não chegavam a completar um ano, e quase 8 milhões de crianças e adolescentes de até 15 anos eram submetidas ao trabalho infantil.

Para pesquisadores e defensores dos direitos dessa população, o país deu um passo importante para mudar esse cenário naquele ano, quando foi publicado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 30 anos nesta segunda-feira (13).

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Passadas três décadas, o percentual de crianças e adolescentes fora da escola caiu de 20% para 4,2%, a mortalidade infantil chegou a 12,4 por mil, e o trabalho infantil deixou de ser uma realidade para 5,7 milhões de crianças e adolescentes.

O estatuto considerado parte desses avanços é fruto de um tempo em que a concepção sobre os direitos das crianças e adolescentes mudou no país e no mundo. O coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mario Volpi, conta que o Brasil participou ativamente das discussões internacionais que culminaram, em 1989, na Convenção Sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada por 196 países.

Mesmo antes de esse acordo ter sido ratificado no Brasil, em 1990, os conceitos debatidos na ONU contribuíram para a inclusão do Artigo 227 na Constituição Federal de 1988. A partir dele, tornou-se "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Aprovado dois anos depois da Constituição, o ECA parte do Artigo 227 e consolida todo o debate que o antecedeu, declarando crianças e adolescentes sujeitos de direito, aos quais devem ser garantidas a proteção integral e as oportunidades de desenvolvimento em condições de liberdade e de dignidade.

"Foi um processo muito complementar. Em 1988, a Constituição. Em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. E, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Existe um alinhamento conceitual bastante coerente nesses três documentos jurídicos que estabeleceram essa mudança bastante radical na forma como a infância passa a ser vista pelo país", explica Volpi. "O ECA é considerado uma das melhores leis nacionais que traduzem a Convenção sobre os Direitos da Criança, e foi usado como referência para a maioria dos países latino americanos, uma referência histórica".

A mudança conceitual destacada pelo coordenador do Unicef se dá em relação ao Código de Menores, de 1979. Volpi explica que o texto anterior, revogado pelo ECA, estava inteiramente concentrado na repressão a crianças e adolescentes em situações irregulares, como crianças órfãs, pobres, em situação de rua ou em conflito com a lei.

"Existia uma visão de que, para toda a situação de irregularidade nas pessoas menores de idade, deveria haver uma ação repressiva do Estado para proteger a sociedade", resgata Volpi. "Criou-se essa divisão entre as pessoas com menos de 18 anos conhecidas como crianças e adolescentes, porque estavam em situação de normalidade, e as que eram chamadas de menores, que era como se referiam a uma criança pobre, desvalida. Ninguém dizia que tinha em casa dois menores, dizia que tinha duas crianças ou dois filhos. Mas, quando se referiam às famílias das crianças mais pobres, diziam que a família tinha dois menores".

Medidas socioeducativas

Ao substituir o Código de Menores na legislação brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente mudou a Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, que distribui a toda a sociedade a responsabilidade por assegurar os direitos das crianças e adolescentes com prioridade absoluta, citando explicitamente que esse é um "dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público".

A mudança produziu transformações, mas não apagou a mentalidade enraizada no Código de Menores. "Não fizemos ainda uma total mudança das práticas sociais. A lei veio trazendo novas visões, mas a prática social demora muito mais para mudar do que a lei. Nesses 30 anos, houve um grande trabalho de divulgação da lei, de conhecimento, de aplicação, de mudanças positivas, mas existe uma parcela da sociedade que resiste em entender esse conceito de infância como um sujeito de direito", avalia Volpi, que usa como exemplo o sistema de medidas socioeducativas para crianças e adolescentes em conflito com a lei, apesar de ponderar que há boas experiências no país.

"O país não fez ainda um investimento significativo para transformar o que era esse sistema penal de crianças e adolescentes em um sistema educativo", afirma ele, que lembra que o objetivo das medidas socioeducativas é afastar das práticas criminais os cerca de 26 mil adolescentes que cumprem medidas socioeducativas atualmente no país, e que, para isso, precisam melhorar sua escolaridade, capacitação profissional e seu modo de se relacionar e respeitar outras pessoas. "O sistema socioeducativo está muito focado em punir os adolescentes pelo ato cometido, mas essa é só uma dimensão".

Para o coordenador da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Azambuja, o ECA sofreu duas crises, ao longo de seus 30 anos: uma de implementação de suas políticas por parte dos governos e outra de interpretação de suas regras por parte dos juristas e da Justiça, de modo a sonegar direitos.

Azambuja também é coordenador da Comissão Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (Condege) e contesta a ideia de que as medidas socioeducativas são insuficientes porque têm menor duração temporal.

"Nas questões policiais, o ECA muitas vezes é visto como sinômimo de impunidade. Mas as pessoas que falam isso são adultas, e não se lembram de como o tempo é relativo e passa de maneira diferente para as crianças e adolescentes. Se você se imaginar com 12, 13 ou 14 anos, longe da sua mãe e preso, o quão infernal isso poderia ser? Esses meninos são bem responsabilizados, mas isso adequado à realidade e idade deles".

Apesar das dificuldades, o ECA também serviu de instrumento para reivindicar direitos para esses adolescentes, lembra ele, citando a decisão do Supremo Tribunal Federal que obrigou, no ano passado, o estado do Rio de Janeiro a soltar adolescentes apreendidos em unidades superlotadas, até que se atingisse a lotação máxima de 119% da capacidade de internos. Azambuja também cita que, durante a pandemia de covid-19, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro cobrou que o governo do estado garantisse educação à distância aos adolescentes apreendidos e videochamadas com as famílias.

"As unidades deveriam se assemelhar a escolas, mas ainda vemos esses espaços como pequenas prisões, com todos os malefícios que isso gera, como uma subcultura criminal, incutindo neles o ideal de que são perigosos, prisioneiros, e moldando a personalidade deles de acordo com essa ideia, o que contraria toda a lógica do Estatuto da Criança e do Adolescente", analisa o defensor.

As provas da primeira fase do Exame Unificado de Ordem XXXI da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foram aplicadas neste domingo (9) para os estudantes e bacharéis em direito que desejam exercer a advocacia. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma das disciplinas cobradas pelo exame e, segundo a professora Luciana Garret, foi um pouco mais fácil que a anterior.

Segundo Luciana, a prova não teve questões passíveis de contestação nem anulação e trouxe temas como medidas socioeducativas que foram "tranquilas e bem interessantes". Havia também questões sobre atos infracionais que foram apontadas por ela como uma surpresa positiva. Pensão alimentícia também foi um tema citado pela docente, destacando uma questão que abordou a possibilidade de um tio pagar a pensão de uma criança.

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Questionada sobre assuntos dos quais sentiu falta, a professora pontuou o tema adoção. Luciana explicou que o assunto apareceu por um viés mais administrativo, tratando da obrigação de funcionários de hospitais informarem à autoridade competente quando uma mulher que deu à luz tem o desejo de entregar a criança e encaminhar a mãe a uma vara de infância e juventude. Para ela, faltou abordar uma questão diretamente ligada à inserção de crianças em novas famílias, sendo essa uma aposta de questão para o próximo exame. 

Um professor que pediu uma redação sobre sexo anal para crianças de 10 a 12 anos e encheu o quadro de expressões obscenas durante a aula foi indiciado pela Polícia Civil do Distrito Federal. Wendel Santana tem 25 anos e ensinava língua portuguesa no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 104 Norte, em Brasília, de onde foi demitido depois que a aula com temas sexuais foi divulgada na internet. 

O indiciamento do professor se deu por submeter crianças a constrangimento ou vexame, conduta prevista pelo Artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com pena de seis meses a dois anos de prisão. O caso ficará sob a responsabilidade do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que analisará o inquérito da Polícia Civil e decidirá pela denúncia, arquivamento do caso ou solicitação de mais informações da investigação. 

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Neste domingo (20), foram aplicadas provas da primeira fase do da XXX edição do Exame de Ordem Unificado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para a professora de direito civil e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Luciana Garret, esta edição foi mais fácil e “sem maiores mistérios”. 

“Não surgiu nada de novo. A FGV [banca que elabora a prova da OAB] não tem muita previsibilidade, mas segue uma certa lógica. A última prova foi um pouco mais complicada, tanto em civil quanto e em ECA, comparada a esta edição do exame”, garantiu Luciana.

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Segundo a professora, tanto a prova de civil quanto a do ECA “seguiram a linha comum, não tiveram nada de extraordinário” e não houve, em sua avaliação, nenhuma questão polêmica ou novidade no conteúdo das provas. 

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A partir de agora, crianças ou adolescentes menores de 16 anos não poderão viajar para fora de sua comarca (município) desacompanhados dos pais, dos responsáveis ou sem a expressa autorização judicial. Antes dessa alteração no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), tais exigências valiam apenas para as crianças.

A alteração foi sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro (PSL) no dia 16 de março. A autorização não será exigida para os menores de 16 anos transitarem pela Região Metropolitana de seus municípios.

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Para além dessa modificação, também foi publicado no Diário Oficial da União a lei que institui a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. O que poderá auxiliar as famílias que têm algum parente desaparecido.

De acordo com último levantamento feito pela Polícia Civil de Pernambuco, em todo ano de 2017 cerca de 125 crianças e adolescentes desapareceram nos municípios do Estado. Diversas Organizações Não Governamentais, como a ONG Mães da Sé, pediam por um sistema público que funcionasse para ajudar a encontrar essas pessoas.

Na época, em entrevista ao LeiaJá, a militante e fundadora da Mães da Sé, Vanise Experidiã, salientou que no Brasil não tinha um registro de quantas crianças estavam desaparecidas, já que não havia uma unificação de informações. "Cada estado trabalha com uma estatística, que no fim das contas não acabam 'casando' nacionalmente", revelou Vanise à reportagem.

Agora, o presidente da república sancionou que o órgão federal será responsável pela consolidação das informações em nível nacional, definindo diretrizes da investigação de pessoas desaparecidas e pela coordenação das ações de cooperação operacional entre os órgãos de segurança pública - assim como será do dever das autoridades estaduais cooperarem da mesma forma em seus territórios.

O Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas será composto por banco de informações públicas, de livre acesso por meio da internet, com informações acerca das características físicas das pessoas desaparecidas, fotos e outras informações úteis para sua identificação sempre que não houver risco para a vida da pessoa desaparecida.

Também com o banco de informações sigilosas, destinado aos órgãos de segurança pública, com registros padronizados de cada ocorrência e com o número do boletim de ocorrência, que deverá ser o mesmo do inquérito policial, bem como informações acerca das características físicas das pessoas desaparecidas, fotos, contatos dos familiares ou responsáveis pela inclusão dos dados da pessoa desaparecida no cadastro e qualquer outra informação relevante para sua pronta localização.

Outras determinações e alterações por meio da Lei número 13.812, de 16 de março de 2019 podem ser acessadas no site do Planalto.

O relatório final da Comissão Especial que examina propostas de alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente foi apresentado em outubro do ano passado. É um texto alternativo a um projeto de lei do Senado (PL 7197/2002) e a outras cinquenta e duas propostas que também sugerem mudanças no ECA. O relatório está pronto para ser votado e já há um requerimento no plenário da Câmara para que os trabalhos da Comissão Especial se estendam por mais 10 sessões.

O ponto mais polêmico do parecer do relator, deputado Aliel Machado (Rede-PR), é o que endurece as medidas socioeducativas aos menores infratores. A proposta é que quando os crimes cometidos pelos adolescentes resultarem em morte, o período de internação vá aumentando gradativamente, de acordo com a idade, até no máximo dez anos. Atualmente, o menor só pode ficar internado em uma instituição por até três anos.

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O presidente da Comissão, deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), ressalta que o relatório é fruto de um ano de debates, para os quais foram convidadas entidades como o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil. Ele lamenta que as medidas socioeducativas para os menores sejam leves diante da gravidade de algumas infrações.

“Hoje, o menor comete um crime grave contra a vida. A família leva o seu ente querido para o cemitério, perde aquele ente querido e o menor, dali a um ano, dois anos, está passando na frente da casa (da família da vítima). Então há uma sensação de impunidade muito grande. Nós precisamos equilibrar essa relação”, disse Mattos.

Ressocialização

O representante do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de São Paulo, Ariel de Castro Alves, informa que, atualmente, 23 mil jovens infratores cumprem medidas socioeducativas em todo o país e 90 mil estão em liberdade assistida, prestando serviços à comunidade. Ele lembra que a Constituição Federal estabelece a excepcionalidade e a brevidade das medidas socioeducativas. E defende que se reforce mais a ressocialização dos menores infratores do que a punição.

“Enquanto uma criança na escola custa R$ 600 por mês pro Estado, um adolescente aqui na Fundação Casa, de São Paulo, custa em torno de R$ 10 mil por mês. E um jovem no sistema penitenciário de adultos custa em torno de R$ 2.500 a R$ 3 mil por mês pro Estado. Então nós precisamos de mais investimentos na prevenção, inclusive na própria educação, pra que não tenhamos que depois gastar com a repressão”, observou Alves.

Tanto o presidente da Comissão Especial quanto o representante do Conselho dos Direitos Humanos do Estado de São Paulo se posicionaram contra a redução da maioridade penal para 16 anos. Uma proposta de Emenda à Constituição neste sentido (PEC 33/2012) está sendo examinada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Da 'Agência Câmara Notícias

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 25 nesta segunda-feira (13). Disposto através da Lei 8069/1990, a norma é ampla e trata, por meio de 267 artigos, dos direitos fundamentais à saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar, educação, cultura, esporte, lazer e proteção no trabalho. O código aponta ainda as políticas de atendimento, prevenção de violações e proteção dos menores, bem como prevê os procedimentos em casos de violações.

Sancionado pelo então presidente Fernando Collor de Melo, é considerado um dos instrumentos legais mais avançados do mundo. “Essa não foi uma legislação elaborada de um dia para o outro. Foi fruto de um trabalho extremamente longo e exaustivo que reconhecia a necessidade e urgência de uma superação do modelo assistencialista para prever um atendimento mais amplo e digno, com garantia dos direitos básicos”, frisou o agora senador Collor (PTB-AL), à Rádio Senado, lembrando que o ECA foi inspirado pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário.

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O estatuto foi alterado posteriormente para ajustes em vários trechos. Levantamento feito pelo Agência Câmara, mostra que quase 300 propostas para mudar fragmentos da legislação aguardam análise dos deputados. Mais de 50 propõem o endurecimento de penas para adolescentes infratores.

Embora vá de encontro ao estatuto, a proposta de Emenda à Constituição 171/1993, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, aprovada em primeiro turno recentemente pela Câmara dos Deputados, não entra nessa lista, porque ela não altera o ECA. Na verdade, a mudança, se aprovada, será no artigo 228 da Constituição Federal assumindo a seguinte redação: “São penalmente inimputáveis os menores de 16 anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Nesse caso, as punições estabelecidas no estatuto - como advertência, prestação de serviços à comunidade e internação em estabelecimento educacional - passariam a valer apenas para adolescentes com idades até 15 anos.

Resultados - Em balanço apresentado nesta segunda, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, sigla em inglês) mostrou que a legislação representou um avanço, mas a realidade ainda está longe do ideal. “Analisando a trajetória desses 25 anos, podemos afirmar que o Brasil tomou a decisão certa em adotar o Estatuto”, sustentou o representante da instituição no Brasil, Gary Stahl. “O Brasil precisa agora se focar nos mais excluídos. Para isso, são necessárias ações específicas, capazes de alcançar as crianças e os adolescentes que foram deixados para trás”, ressaltou.

Entre os pontos positivos está a queda da mortalidade infantil. O estudo mostra que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil passou de 51,4 mortes de crianças menores de um ano para cada mil nascimentos para 12,3. O resultado é melhor que as médias dos demais países da América Latina (42,7 para 15,2), dos países em desenvolvimento (68,9 para 36,8) e do mundo (62,7 para 33,6). A ampliação das consultas de pré-natal no país é uma das causas.

O país progrediu também em todos os indicadores na área de educação, como por exemplo na redução da taxa média de analfabetismo entre brasileiros de 10 a 18 anos de idade. Em 1990 era de 12,5% e em 2013, de 1,4%, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad). O Brasil conseguiu melhorar ainda o acesso ao ensino fundamental. De 1990 a 2013, o percentual de crianças e adolescentes em idade obrigatória fora da escola caiu 64%, passando de 19,6% para 7%.

Para o Unicef, o principal desafio está relacionado com a violência contra os menores. De 1990 a 2013, passou de cinco mil para 10,5 mil os casos de homicídios ao ano (Datasus, 2013), o que representa um aumento de 110%. Isso significa que, em 2013, a cada dia, 28 crianças e adolescentes eram assassinados. No Brasil, ainda segundo o levantamento do Fundo, 36,5% das causas de mortes nessa faixa etária são relativas a assassinatos, enquanto esse percentual entre a população total é de 4,8%.

“A gente não tem que confundir o ECA e todo o bem que ele tem feito e o ambiente geral no Brasil [de preocupação com a violência]. O Brasil cuida bem das crianças, mas está vivendo uma situação de violência muito séria que precisa de uma resposta”, observou Gary Stahl.

Outro desafio apresentado pelo Unicef é o da exclusão escolar. Mais de três milhões de crianças e adolescentes ainda estão fora da escola, de acordo com o Pnad/2013. Os excluídos da educação representam as populações marginalizadas como pobres, negros, indígenas e quilombolas, pessoas com deficiência, além dos moradores de periferias dos grandes centros urbanos, no Semiárido, na Amazônia e na zona rural.

Para o Ministério Público Federal, as propostas de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com sanções mais rígidas para os adolescentes que cometem ato infracional não vão reduzir a criminalidade. “As experiências com o agravamento de penalidades têm se mostrado insuficientes para combater a prática de crimes por adolescentes", disse o procurador da República, Jefferson  Aparecido Dias, durante um seminário nesta segunda-feira (4) na Câmara dos Deputados, voltado para o debate sobre as medidas socioeducativas, aplicadas aos adolescentes que cometem ato infracional (conduta tipificada como crime no Código Penal).

Dias citou o exemplo da Lei de Crimes Hediondos, que aplica penas mais severas a crimes como tortura, tráfico de drogas e terrorismo, para dizer que mesmo após a sanção da lei em 1990, não houve a diminuição desses tipos de crimes. "Efetivamente não houve redução. Algumas pessoas dizem que o jovem não é punido e não é verdade. O que elas querem [com a mudança no ECA] é tornar a situação dos adolescentes pior que a dos adultos", disse.

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Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2011, mostram que 70% dos adultos presos reincidiram na prática de crimes. Enquanto que o percentual de adolescentes reincidentes, em 2010, segundo o CNJ, ficou em 12,8%. “É prematuro desistir do ECA porque ele sequer foi aplicado como se deve e me parece contraditório descartar uma lei sem testá-la", argumentou Dias.

O MPF distribuiu uma nota técnica em que se posiciona contra a redução da maioridade penal e defende a aplicação integral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), aprovado em 2012 pela presidenta Dilma Rousseff. Para o MPF, a internação de adolescentes tem tido mais caráter punitivo em detrimento do modelo socioeducativo. "Percebe-se que a lógica da punição sobressai à da educação e ressocialização do adolescente infrator", diz um trecho da nota.

Dias destacou que é preciso enfrentar a questão da dependência de drogas por parte dos adolescentes e oferecer um tratamento adequado aos adolescentes com transtornos mentais. Dados do CNJ mostram que 80% dos adolescentes que estão em unidades de internação são usuários de maconha, cocaína ou crack. "O governo internalizou que a questão da droga é mais uma questão de saúde pública, mas responde com medidas de segurança. É uma contradição", disse.

Segundo o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), o debate visa a dar subsídios para a Comissão Especial da Câmara que avalia mudanças no ECA. Mais de dez projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com propostas de mudanças no ECA.  O tema é controverso e tem causado polêmicas.

Entre as propostas estão o Projeto de Lei 7.197/02, do ex-senador Ademir Andrade, que trata da aplicação das medidas socioeducativas previstas no ECA a adolescentes que praticaram atos infracionais durante a infância ou maiores de 18 anos que o fizeram durante a adolescência. Outra iniciativa, proposta pela deputada Andreia Zito (PSDB-RJ), o Projeto de Lei 5.454/13, aumenta de três para oito anos o tempo de reclusão dos adolescentes que cometerem infrações caracterizadas como crimes hediondos, podendo ficar internados até os 26 anos. 

“Estamos ouvindo todos os operadores do direito, as entidades que cuidam das questões ligadas à criança e ao adolescente com o foco não apenas na redução da maioridade penal, mas sim na verificação da necessidade de uma legislação mais efetiva. Isso em relação principalmente ao que tange ao período de internação para os adolescentes que praticam ato infracional grave, que hoje é de até três anos, e alguns cogitam a ampliação desse período para até oito anos, no caso de crimes hediondos”, disse Sampaio.

Pela manhã, a presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva, reiterou a posição contrária ao agravamento das penas. Segundo Maria Izabel, o ECA e o Sinase definem regras e punições suficientes. "O estatuto já prevê responsabilização a partir dos 12 anos e é mais duro com crianças e adolescentes que precisam esperar, reclusos, a sentença do juiz, do que o Código Penal, que abre possibilidade de adultos aguardarem o julgamento em liberdade", disse.

Serão desativados a partir desta sexta-feira (18) os bares localizados nas proximidades das escolas, no centro de Jaboatão dos Guararapes. Também serão removidos os fiteiros que funcionam nas proximidades das unidades de ensino. A ação será realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Social do município e atende cumprimento de Termo de Ajustamento de Consulta (TAC). 

O secretário de Desenvolvimento Social, Francisco Amorim, diz que a ação também atende cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) que, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, determina a adequação ou desativação dos estabelecimentos localizados nas proximidades das escolas.

Todos os proprietários dos bares e fiteiros identificados foram notificados, mas muitos não atenderam as determinações. Segundo o secretário, pelo TAC firmado com o MPPE, a ação deverá alcançar os estabelecimentos localizados num raio de até 100 metros da escola, como orienta lei estadual.

Já os fiteiros, serão retirados e transportados até a residência do proprietário, que poderá identificar outro local para comercialização junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que participa da operação. A ação será estendida a outros bairros já a partir da próxima semana. Foram identificados 30 bares e fiteiros irregulares.

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