Depois de seis semanas trancadas em suas casas, as crianças espanholas começaram a sair neste domingo (26) para brincar ou passear nas ruas, num momento em que a Europa começa a flexibilizar o confinamento imposto pela pandemia de coronavírus, que deixou mais de 200.000 mortos no mundo.
Esperavam impacientemente há dias por esse momento. "As crianças acordaram cedo perguntando quando íamos descer à rua", diz Miguel López, pai de dois filhos de seis e três anos de Madri.
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Mas sair não significa voltar à vida de antes. Os mais novos devem estar acompanhados de um adulto, não podem brincar com os vizinhos, nem se distanciar mais de um quilômetro da casa, tudo isso por não mais de uma hora. E os parques ainda estão fechados.
"Ficar a dois metros de distância [entre crianças e terceiros] no centro de Madri é impossível. Saímos cedo para não encontrar outras crianças", diz uma bibliotecária que não quis se identificar, mãe de um menino de cinco anos e de uma menina de 8, que mora em um apartamento sem varanda no bairro de La Latina.
"Eles não conseguiram dormir esta noite. Estavam muito ansiosos", continua. "Sabem muito bem que não podem tocar em nada. Eles não têm medo da verdade (...) Nós [adultos] temos mais medo", admite.
A Espanha, que nas últimas 24 horas registrou o menor saldo de mortes diárias desde 20 de março, com 288 novos óbitos, adotou em 14 de março um dos mais rígidos confinamentos do planeta.
Com um total de 23.190 mortes, é o terceiro país mais afetado no mundo pela pandemia iniciada na China no final de 2019, atrás dos Estados Unidos (mais de 53.000) e Itália (26.384), seguida pela França (22.614) e Reino Unido (20.319).
Em Londres, o primeiro-ministro Boris Johnson, que esteve hospitalizado devido ao vírus, retomará suas atividades na segunda-feira. Os britânicos aguardam o anúncio de seus planos para relançar a economia e sair do confinamento.
Dúvidas sobre a imunidade
O desconfinamento é um quebra-cabeça para as autoridades, à espera de uma vacina ou remédio que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), serão as únicas coisas que permitirão que a pandemia seja contida.
A Espanha estendeu a quarentena até 9 de maio. O presidente do governo, Pedro Sánchez, apresentará na terça-feira um plano para amenizar as medidas a partir de meados de maio.
Mas, se as infecções continuarem a diminuir, a partir do dia 2, os adultos poderão caminhar ou se exercitar, como em outros países europeus.
Na França, seu colega Edouard Philippe divulgará no mesmo dia sua "estratégia de desconfinamento", que deve começar em 11 de maio, com a polêmica reabertura das escolas.
Por sua vez, a Argentina, que registrou 185 mortes pela epidemia, anunciou no sábado um relaxamento da quarentena para cidades com menos de 500.000 habitantes e a possibilidade de saída por uma hora por dia para todas as pessoas.
E no Equador, o segundo país mais afetado da América Latina, atrás do Brasil, com 22.719 casos e 576 mortes, o presidente Lenin Moreno alertou no sábado que a emergência de saúde "não acabou".
Na África do Sul, o país africano mais atingido com 75 mortes, será obrigatório o uso de máscara a partir de 1º de maio, data em que as restrições serão relaxadas.
Diante do desconfinamento, alguns países estão lançando campanhas de testes sorológicos, como a Itália, que em 4 de maio começará a testar 150.000 pessoas para tentar aprender mais sobre a pandemia.
No entanto, a OMS recordou que, "atualmente, não há evidências de que pessoas curadas da COVID-19 e que possuam anticorpos sejam imunizadas contra uma segunda infecção". E alerta para a ameaça de uma segunda onda pandêmica mortal.
No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau pediu "prudência" e disse que não conta com uma imunidade coletiva hipotética.
Cadáveres nos banheiros
Em Nova York, a cidade mais atingida do mundo com mais de 15.000 mortes, o setor bancário está considerando estender o home office indefinidamente e escalonar as horas de chegada ao escritório.
Na capital econômica americana, caminhões refrigerados usados como necrotérios temporários trouxeram lembranças terríveis para Maggie Dubris.
"Lembro-me do necrotério construído no World Trade Center" após o 11 de setembro de 2001. "Com a mesma sensação de que algo terrível, com muitas mortes, aconteceu", desabafou.
Na cidade equatoriana de Guayaquil, a que mais sofre com a pandemia na América Latina, outra cena de horror persegue um profissional da saúde: "os banheiros com cadáveres", que se amontoam ali por falta de espaço no hospital onde trabalha.
Nesse contexto, os líderes mundiais lutam para encontrar uma resposta coletiva à pior crise econômica e de saúde desde a Segunda Guerra Mundial.
Como o Conselho de Segurança da ONU, paralisado por divisões entre os Estados Unidos e a China e quase mudo desde o início da pandemia. Esta semana procurará adotar uma resolução para "uma maior coordenação entre todos os países" e "cessação das hostilidades" em países em conflito.
Na sexta-feira, o mundo muçulmano iniciou o mês de jejum do Ramadã sem orações coletivas ou jantares compartilhados.
Porém, no Irã ou no Paquistão, persistem os temores de que as infrações causem um agravamento da pandemia, depois que os fiéis se reuniram nas mesquitas apesar das recomendações de saúde.
Enquanto metade da humanidade está confinada há semanas, uma rebelião minoritária começa a emergir em alguns países ocidentais, como Estados Unidos, Canadá ou Alemanha.
Em Berlim, cem pessoas foram presas no sábado por não respeitarem as regras de distanciamento social durante uma manifestação contra as medidas de contenção, que reuniu cerca de mil pessoas.
E, diante da pior recessão desde 1945, algumas empresas obtêm lucro. Como as gigantes de tecnologia Amazon, Goolge ou Facebook, cujo tráfego é comparável ao do Ano Novo. Ou a startup alemã Uvis, que comercializa um método para desinfetar os trilhos da escada rolante com raios ultravioleta, e cujas encomendas dispararam.