O câncer infantojuvenil corresponde a um grupo de doenças causadas pela proliferação descontrolada de células anormais no organismo e que, diferentemente do câncer gerado em adultos, afeta o sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação do corpo humano. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a estimativa para cada ano do triênio 2020/2022 é de que sejam diagnosticados no Brasil 8.460 novos casos de câncer infantojuvenil, 4.310 em homens e 4.150 em mulheres. No Pará, as estatísticas apontam para 280 casos no ano de 2020, 160 homens e 120 mulheres.
A oncologista pediátrica Alayde Wanderley explica que o tipo de neoplasia – proliferação desordenada de células no organismo, formando uma massa anormal de tecido que pode ser benigna ou maligna – mais frequente em crianças e adolescentes são as leucemias, seguido de tumores do sistema nervoso central e dos linfomas. “Quando eu olho para a faixa etária dos adolescentes, exclusivamente, eu tenho que lembrar dos linfomas e de alguns tipos de carcinoma (câncer que se origina no tecido que reveste a pele e órgãos), mas quando eu olho para o geral de crianças e adolescentes, a neoplasia mais frequente são as leucemias”, analisa.
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A médica informa que é necessário entender que o câncer é genético, isto é, as alterações na informação genética provocam o desenvolvimento da carcinogênese – processo de formação do câncer. Diferentemente do adulto, em que o câncer demora anos pra se formar, na criança acontece a alteração na informação genética em uma fase muito precoce.
“Algumas alterações estão relacionadas ao câncer infantojuvenil como, por exemplo, síndromes genéticas como a Síndrome de Down, que fazem essa criança ter de 10 a 15 vezes mais chances de ter leucemia do que uma criança que não tenha síndrome, a Síndrome de Li Fraumeni, a Síndrome do Câncer Familiar (ou Hereditário) e outras síndromes associadas”, explica.
Alayde destaca que, além das alterações, existem algumas exposições e fatores externos não ligados diretamente à criança, mas aos pais, que estão em alguns estudos correlacionados ao aumento de câncer na infância e juventude. “Exemplo: tumores hepáticos na criança estão relacionados ao uso de cigarro pelo pai, não pela mãe, aumentando a incidência na criança”, informa.
A médica afirma que o uso de determinados analgésicos durante a gestação pode aumentar o risco de certos cânceres também. “É o que a gente chama de causa multifatorial. Outro exemplo é a exposição a substâncias radioativas, por isso que as mulheres gestantes não podem fazer raios-x, a radiação ionizante também pode desenvolver o câncer. É uma associação desses fatores, não é um único fator que desenvolve o câncer”, explica.
Luta contra o preconceito
Alayde também expõe que um dos desafios para o diagnóstico precoce é lembrar que crianças podem ter câncer. Ela também aponta para a necessidade de diminuir o preconceito e o medo que assusta os pais ao pensarem em um diagnóstico de câncer para uma criança.
Para faciliar o diagnóstico precoce, a médica cita a importãncia da identificação de mudança de comportamento da criança, além do surgimento de ínguas, manchas roxas na pele, e fala que esses sinais podem indicar uma doença mais grave.
“O câncer infantojuvenil tornou-se um problema de saúde pública por se tornar a principal causa de óbito por doença (entre crianças e jovens) de 0 a 19 anos. Isso é extremamente preocupante. Uma criança pode ter câncer, sim, e o diagnóstico precoce é extremamente importante”, salienta a médica.
Quanto aos sinais a que os pais devem estar atentos em relação à saúde dos filhos, Alayde Wanderley alerta: “Aquela criança que deixa de fazer suas atividades diárias normalmente, que só fica dormindo, que para de brincar, para de estudar, que perde peso inexplicavelmente, são sinais de alerta”, observa. “Crianças maiores que referem dor de cabeça que não melhora, associada a vômitos, ou crianças pequenas irritadas, chorosas sem causa, devem ser examinadas por um profissional médico para poder investigar e pensar em câncer, sim.”
O surgimento do reflexo do olho de gato (mancha branca que se tem nos olhos) pode ser sinal de um câncer ocular que é chamado de retinoblastoma. Ínguas no pescoço, na axila, que aumentam progressivamente, indolores e também devem ser observadas. “Câncer de criança e adolescente tem cura em 70% dos casos, desde que seja feito o diagnóstico precoce. Não temos que ter medo da doença, mas sim do atraso no diagnóstico”, afirma Alayde Wanderley.
A oncologista chama atenção para limitações na rede pública de saúde em relação a exames como tomografia e ressonância para identificar tumores no sistema nervoso central. Para a maioria dos cânceres como leucemia, tumores abdominais e tumores ósseos, exames de hemograma, ultrassom e um raios-x simples, respectivamente, já acendem o alerta para a doença.
Alayde conta que o tratamento é baseado na localização do câncer. Quanto mais precoce o diagnóstico, menos agressivo é o tratamento e maiores são as chances de cura. “O tratamento pode envolver quimioterapia, geralmente do tipo citotóxica (tóxico à célula e ao seu processo de multiplicação); radioterapia, em alguns casos determinados, e cirurgia principalmente para tumores sólidos para controle local da doença”, cita.
A principal dificuldade encontrada no tratamento de câncer infantojuvenil é o fator psicológico, pois afeta tanto o paciente quanto a família. “É uma doença que afeta toda a família. São tratamentos longos, muitas vezes dolorosos e tem um risco da perda de um ente muito querido”, relata Alayde Wanderley.
Há também a questão financeira. Geralmente, devido ao longo período de tratamento, várias consultas e internações prolongadas, o responsável abandona o emprego para dedicar-se ao acompanhamento do jovem, assim dependendo de beneficio para sustentar a família. “E isso tem um impacto financeiro, porque não é um tratamento barato. O SUS oferece tratamento 100% de graça, mas muito do suporte –alimentação e medicação de uso contínuo – não é ofertado pelo hospital”, aponta Alayde.
Os fatores socioeconômicos, educacionais, bem como medo do próprio tratamento, fazem com que o país tenha uma baixa adesão e uma alta taxa de abandono no tratamento oncológico, conforme declara a oncologista Alayde Wanderley.
Por Carolina Albuquerque e Isabella Cordeiro.