Depois de organizar a cerimônia de casamento por dois anos, Daniela e Luciano foram obrigados a mudar de planos. (Cortesia)
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A servidora pública Daniela Vieira ainda estava dentro do vestido de noiva com o qual sonhou por 13 anos quando soube que sua cerimônia de casamento precisaria ser adiada. Era 20 de janeiro deste ano e o governo de Pernambuco acabara de anunciar a medida restritiva que suspenderia, por 30 dias, eventos sociais e corporativos no estado, incluindo o casamento de Daniela, até então marcado para 29 de janeiro. “Planejamos o evento por dois anos. Os convites já tinham sido enviados e eu estava de licença do trabalho há um mês, para me dedicar ao casamento. Foi frustrante, entrei em desespero”, relata. Há poucos dias do evento, foi preciso desfazer os convites, negociar a suspensão do buffet e cancelar o aluguel do espaço. Para Daniela, o prejuízo de quem precisou adiar um rito de passagem- conforme são chamadas as celebrações que marcam a mudança de status de uma pessoa diante de sua comunidade- em decorrência do novo coronavírus, vai muito além da questão financeira.
“Imagina o constrangimento de ter que ‘desconvidar’ todo mundo? Quando idealizamos o evento, em 2019, pensamos na base de 350 convidados. Com o início da pandemia, precisamos reduzir esse número para 150 pessoas em geral, contando com todo o staff. Quando surgiu esse decreto estadual, sinceramente, minha vontade era a de não fazer mais nada”, desabafa Daniela. De acordo com ela, a empatia dos profissionais e empresas envolvidos no evento foi fundamental no processo de suspensão do evento. “O buffet foi super compreensivo, já estava preparado para essa possibilidade. Também contamos com a boa vontade do fotógrafo, que estava agendado justamente para o dia em que o decreto foi publicado. Eu não tive condições psicológicas de cumprir com o combinado”, agradece.
"Hora de arregaçar as mangas e convencer o cliente a manter seu sonho", diz a cerimonialista Nathalia Saraiva.
Com o casamento remarcado para 20 de abril, a noiva tenta manter o otimismo, mas conta que já possui planos caso o casamento volte a ser adiado devido à situação de calamidade pública. “Vamos tentar pegar o dinheiro de volta e viajar, porque não sei se teria cabeça para organizar tudo mais uma vez. Foram anos de trabalho para juntar o dinheiro necessário para a festa, então a gente espera que o cidadão pernambucano colabore com a melhora da situação, usando máscara e evitando aglomerações”, apela.
A cerimonialista Nathalia Saraiva, responsável pelo casamento de Daniela, confessa que pediu para que a noiva não desistisse do evento. “Para o setor de cerimonial, o cenário é caótico, não tem outra palavra. Em 2020, ficamos parados seis meses e tivemos que realocar esses clientes para 2021, em que enfrentamos novas paradas. Assim, ao invés de agendar novas datas, temos que cumprir contratos para não penalizar os clientes. É hora de arregaçar as mangas e convencer o cliente a manter seu sonho, porque se ele desistir, acaba com toda uma cadeia, do músico que toca na festa ao cozinheiro que faz o bolo”, explica.
Adiamentos
Batismo dos três filhos da contadora Marcela Rêgo Barros foi adiado duas vezes. (Reprodução)
A contadora Marcela Rêgo Barros se prepara para marcar, pela terceira vez, o adiamento do batismo dos três filhos: Matheus, de 10 dez anos, Beatriz, de 3 anos, e Victor, de 10 meses. Os batismos foram suspensos pela primeira vez quando a mãe e o filho mais velho apresentaram sintomas de Covid-19 às vésperas da cerimônia, que contaria com a presença de cerca de 20 pessoas. “Não houve prejuízo financeiro, porque os fornecedores entenderam que isso poderia acontecer. A gente não chegou a perder dinheiro, mas o desgaste emocional sempre tem, afinal planejar o evento cria toda uma expectativa”, comenta Marcela.
Para ela, o batismo funcionaria como uma espécie de escape de uma rotina pesada e completamente alterada pela pandemia, devido à qual ela se mantém trancada em casa com filhos, há mais de um ano. Beatriz, por exemplo, já está em idade escolar, mas ainda não foi matriculada, na tentativa de evitar a exposição ao novo coronavírus. “Já Matheus é uma criança com hiperatividade que ficou sem a vivência na escola, sem o contato com professores e colegas. Ele também precisou abandonar a antiga rotina na região onde moramos, onde andava de bicicleta e brincava com as crianças da vizinhança, desenvolvendo uma ansiedade que não tinha. Quando conseguimos a nova data, foi justamente 28 de março”, lamenta.
Ocorre que o dia para o qual foi articulado o agendamento foi justamente o último em que vigorará, em Pernambuco, o decreto nº 50433 de 15/03/2021, que institui quarentena rígida em todo o estado, permitindo apenas o funcionamento de serviços tidos como essenciais. “O batismo é um sonho antigo meu, desde que Matheus era mais novinho. Nessa época, eu estudava e trabalhava, não tinha tempo para organizar o evento. Só agora, até pela questão financeira, estaria tendo a oportunidade de fazer, então o sentimento que fica é de impotência, é algo que não está em nossas mãos”, completa.
A reportagem do LeiaJá entrou em contato com a Arquidiocese de Recife e Olinda, mas a instituição não armazena dados a respeito da quantidade de cerimônias canceladas. Na paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Boa Viagem, uma das mais movimentadas da Região Metropolitana, contudo, 22 batismos, além de dois casamentos, já haviam sido adiados no começo de março. “A maioria das famílias diz que prefere esperar mais um pouco. Os batismos acontecem em dois domingos de cada mês [cada um deles, com 10 crianças] e, em abril, já estamos com a agenda cheia de cerimônias que não sabemos se poderão ser realizados, há muita insegurança e medo de uma nova marcação. Tudo vai acontecer de acordo com os números da pandemia”, explica Leonor Melo, secretária da Igreja e responsável pelo agendamento das atividades.
“Hora de tentar fazer a diferença”
Turma da médica recém-graduada Rafaella Ferraz votou pelo cancelamento da formatura. (Cortesia)
Conhecido pelo tradicionalismo, o curso de medicina tem festas de conclusão tão caras que, para muitos estudantes, a única possibilidade de participar é dividindo os pagamentos desde o início da graduação. Missa, jantar dos pais, colação de grau, aula da saudade e baile constituem um rito de passagem raramente dispensado por quem conquista o diploma na área. Apesar disso, a médica recém-formada pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS) Rafaella Ferraz, de 27 anos, integra uma turma na qual a maioria dos discentes foi favorável ao cancelamento dos eventos. “A colação de grau é obrigatória, porque é quando pegamos nossos diplomas. Já o baile, a priori, não vai existir porque teve a votação da turma e a maior parte foi contra a realização. Eu sou uma exceção, mas para a grande maioria dos colegas esse evento é a realização de um sonho”, afirma.
Rafaella pontua que, embora a maioria dos colegas já esteja vacinada contra o novo coronavírus, a decisão levou em conta a impossibilidade de reunir, diante de um alto investimento financeiro, a quantidade planejada de convidados, bem como o próprio staff que trabalharia no evento, incluindo faxineiros, garçons e seguranças. “Seria muito bom poder reunir todo mundo, mas diante desse contexto quem não for pé no chão vai sofrer consequências psicológicas desastrosas. A sensação de se formar em medicina em uma pandemia é a de ser jogada aos lobos, mas nossa turma está tendo muita garra para encarar a situação e ajudar da melhor maneira possível, isso é reconfortante. É hora de tentar fazer a diferença”, conclui.