“Me desculpa, Holiday”, pede Jeane da Silva, ex-moradora do edifício e a penúltima a deixar o prédio no dia 23 de março, quando o imóvel foi totalmente desocupado. Nesta terça-feira (23) completa um mês da data. Jeane está dormindo com três filhos no chão da cozinha de sua lanchonete na comunidade Entra Apulso, na Zona Sul do Recife. “Me desculpa, Holiday, por não ter olhado para você e ter já usufruído tanto de você’, ela continua, ‘porque cada um da gente usufruiu muito, minha gente. Cada um que trabalhou aqui, cada um que teve essa comodidade, de você fazer tudo, cada um teve seu fruto, cada um ganhou dinheiro, teve sossego, teve uma boa moradia, teve o prazer de abrir a janela todos os dias e ver o mar. Cada um teve o seu lucro dado pelo Holiday. Mas cada um de nós esqueceu um pouquinho de olhar pelo Holiday. Então não adianta culpar um. São todos culpados”.
Foi traumática a saída dos moradores do Edifício Holiday, construção modernista erguida no final da década de 50 quando o bairro de Boa Viagem era dominado por imóveis baixos, distante da área nobre a qual se tornou. O Corpo de Bombeiros e a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) identificaram no local um elevado risco de incêndio devido às más condições das instalações elétricas. Em março, houve uma queda de energia no local e a Celpe não promoveu a religação, amparada em uma determinação judicial da 2ª Vara Cível da Capital. “A decisão foi tomada em função das condições precárias das instalações elétricas do prédio, que apresentam risco iminente de incêndio e acidentes envolvendo energia elétrica”, respondeu a companhia na ocasião. Sem eletricidade e também sem água, os residentes receberam um terceiro baque: a Justiça determinou a interdição do Holiday em cinco dias úteis.
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"Imagine que você está com um filho na UTI e o médico fala assim 'eu vou desligar os aparelhos amanhã de cinco horas da tarde'. Eu olhava para aquilo ali e queria tanto mudar isso. 'Meu deus me dá mais um tempo, dá um tempo para eu correr, me dá um tempo para eu tentar corrigir todo o esquecimento que foi feito'”, recorda Jeane. Além de fazer almoço no local onde agora mora, Jeane vende empada na praia, a poucos metros do edifício onde era locatária e com o qual tanto se identificou.
A mulher é otimista e espera comemorar o próximo réveillon já na construção reformada. “Eu creio que agora vai ficar melhor do que nunca. Essa obra para mim é agradecer por todo bem que esse lugar me causou”. A obra que Jeane cita ainda está em planejamento. Engenheiros e técnicos solidários à causa ainda precisam conhecer melhor as condições do imóvel para iniciarem o projeto. No dia 12 de abril, o síndico recebeu de volta a chave do local. O juiz determinou a apresentação de um documento listando todas as pessoas envolvidas na obra para haver a autorização de entrada no terreno. Enquanto a reforma não começa, o síndico aguarda bem próximo dali.
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É início da tarde e um Palio Fire preto está, como de costume, estacionado na Rua Salgueiro, a via do Edifício Holiday. Dentro do veículo, Rufino Neto dorme no banco reclinado do motorista. É no carro que o síndico mora agora.
Na importante posição de síndico do prédio, Rufino foi um dos mais envolvidos nas tentativas de reverter a decisão judicial de desocupação. Distanciou-se do trabalho informal que tinha em um escritório de advocacia e foi demitido - mas não pelo distanciamento, segundo ele. “Ela [chefe] me ajudou no primeiro, segundo, terceiro mês, depois falou 'olha, quando melhorar você retorna porque o escritório está em crise agora', foi isso que aconteceu”, ele resume.
Rufino tem dois filhos, uma menina de 12 anos e um garoto de 11. Separou-se da mãe deles na metade de 2018; deixou o apartamento 1601 e foi para o 12º andar. Atualmente, todo o dinheiro obtido é voltado para os filhos, que dividem um apartamento com a mãe, uma vizinha e duas cachorras. “É muito apertado. Até para uma cachorra passar a outra tem que subir no sofá. Eles não estão morando bem”, resume o síndico.
O homem explica sua nova rotina: “Eu fico me virando no meu carro. O pessoal da feira me ajuda muito. Eu vivo assim: durmo na casa de um amigo, de uma amiga, de pessoas que cedem”, explica. Mesmo recebendo convites, ele prefere não dar trabalho e continua passando os dias em seu automóvel. “Não gosto de extrapolar muito porque um dia a gente acaba sendo um abuso”, completa. O síndico diz estar enfrentando dificuldades para dormir.
Rufino também denuncia sumiço de pertences de moradores durante as mudanças - inclusive os dele. “O videogame do meu filho sumiu durante a mudança. Eu não estou generalizando toda a turma que veio fazer a mudança, mas ali tinham pessoas de má índole. Levaram notebook de pessoas, minhas lâmpadas foram saqueadas”, cita.
Por fim, o ex-morador do Holiday clama: “Eu peço a sociedade que nos ajude, com doação de materiais elétricos, de construção, o que puder. Alguém que queira patrocinar aqui, colocar sua marca, divulgar seu nome. Eu digo: a gente vai voltar. A gente está na mídia e seu nome aqui vai valer muito tanto para a gente quanto para vocês divulgarem aqui em Boa Viagem. Isso aqui é um outdoor imenso, um painel para vocês. E enquanto der para eu me virar, eu estou me virando. Eu peço ajuda para a minha família, um aluguel mais barato para que meus filhos possam morar bem. Peço isso, um aluguel que eu possa pagar”.
Apesar da sugestão, eles ainda não receberam uma proposta para usar o imóvel como outdoor. De fato, o prédio se destaca e é visível a uma boa distância. Uma idosa que conhece bem aqueles andares agora abandonados teria uma visão privilegiada desses tais anúncios esperados por Rufino.
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Da janela da sua sala abafada, contemplando a fachada do Edifício Holiday logo à frente, Neide Santos, de 74 anos, conclui que precisa voltar a trabalhar. Ela é mãe de Fernando Santos, outro morador que assumiu um papel de liderança no período pré-desocupação e foi o último a se mudar. Ela teve outros sete filhos, dois já morreram. Chegou ao Holiday aos 14 anos.
Na época de sua chegada, os arredores do prédio de 17 andares eram mato e lama, ela lembra. Neide viu de perto Boa Viagem virar uma terra de espigões. Mesmo tendo uma família bem estruturada, formada por uma mãe funcionária pública e pai e avô oficiais do Exército, a mulher sempre fez o que dava na telha. Antes da maioridade, foi toda maquiada e bem vestida em busca de um emprego em uma fábrica de cigarros. Ao chegar lá se deparou com um aviso de que não havia mais vagas - saiu de lá empregada.
Neide confessa nunca ter precisado se preocupar financeiramente. “Eu não sabia o que era responsabilidade, nunca me preocupei com as coisas. Fui mimada”, admite. O marido que morreu em 1998 lhe dava dinheiro o tempo todo, entretanto, não permitia que trabalhasse.
Em determinada época de sua vida, Neide chegou a abrir uma sorveteria em Barreiros, Mata Sul de Pernambuco. Ouvia dos clientes que seu sorvete era melhor que o da própria cidade. Ela nunca contou para eles, porém, que comprava o sorvete de Barreiros e apenas os enfeitava. Uma cheia, certo dia, atingiu a sorveteria dela, destruindo seus freezers.
Na esperança de alguma doação, Neide mais de uma vez em uma conversa curta pede dois freezers para voltar a vender sorvete. No Edifício Holiday, ela era proprietária de apartamentos. Hoje volta a se preocupar com o pagamento de aluguel. Não consegue tirar da cabeça o prédio onde morou por tanto tempo. Até porque ele está logo ali. Virou a paisagem da sua janela, uma estrutura gigante de pedra a mirar suas costas com olhos vazios como em eterna vigilância.
Enquanto o prazo para a desocupação se esgotava, a idosa precisou correr. O residencial onde vive agora pediu adiantamento de três meses de aluguel. Foi preciso implorar para conseguir um empréstimo. Além da sua própria mudança, auxiliou na dos filhos, como Fernando, atualmente desempregado. Ela sustenta um neto criado desde recém-nascido e outro filho que não morava no Holiday. Neide está com pressão alta e não consegue mais fazer a tradicional feira, que repartia com os filhos. Ela pede mais uma vez freezers para voltar a trabalhar.
A aposentada não nega que não voltaria ao Holiday se tivesse condições de se mudar para um lugar melhor. Ela também sabe o lado positivo de viver no histórico prédio. “A gente mora em um ambiente que de pobre só tem a gente mesmo. Holiday é maravilhoso. Perto de Bompreço, tem de tudo que a gente procura, perto de comércio, praia… nós como pobres temos a mordomia que o rico tem”, avalia.
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Em nota, a Defesa Civil informa que, entre os dias 14 e 30 de março, a prefeitura realizou 296 mudanças a pedido dos moradores. No último dia 12, após a Defesa Civil finalizar a remoção de entulhos ordenada pela Justiça, a chave do prédio foi entregue ao síndico. “A Prefeitura do Recife reforça que todas as mudanças foram acompanhadas pelos próprios moradores, pela Secretaria de Defesa Social e pela Justiça de Pernambuco”, informa a nota do órgão.
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