Apesar dos problemas que atingiram a economia brasileira nos últimos anos, o País ainda é um dos maiores produtores de carne bovina do mundo. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontam que o rebanho nacional soma mais de 217 milhões de animais. O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) calculou que as exportações de carnes em 2017 somaram 1,21 bilhão de toneladas, montante 12% superior ao de 2016. Entre as raças, a Nelore ainda lidera o rebanho, mas, há quase 18 anos, outra raça se firma no Brasil no que diz respeito ao melhoramento das nossas criações: a Senepol.
Desenvolvida no Caribe, a Senepol se destaca como uma raça que chegou às terras brasileiras para complementar as qualidades do Nelore e de outros animais de origem indiana. O primeiro rebanho foi trazido ao País em novembro de 2000, a partir de um projeto promissor do pecuarista João Arantes Júnior, em uma fazenda localizada em Porto Velho, Rondônia. Toda a história começa com a necessidade de oferecer à pecuária brasileira um animal de respeitável qualidade genética e de fácil adaptação às condições climáticas nacional.
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Filho do pecuarista, o fazendeiro Neto Arantes, gestor da Fazenda Nova Vida, que possui terras em Rondônia, Mato Grosso e no interior de São Paulo, revela que antes de concretizar a importação de animais da raça Senepol para o Brasil, seu pai realizou pesquisas sobre o mercado pecuário internacional. Nos anos 90, com a abertura das fronteiras brasileiras para propostas do setor agropecuário, começaram a circular no País informações sobre o cruzamento industrial, que se resume à iniciativa de cruzar um animal de origem taurina com um de origem zebuína.
Ricardo e Neto Arantes, filhos de João Arantes Júnior - responsável por trazer ao Brasil o primeiro rebanho Senepol / Foto: Fabio Fatori / Fazenda Nova Vida/Divulgação
De acordo com Neto Arantes, esse trabalho já vinha sendo realizado nos Estados Unidos há muito tempo. Quarenta anos atrás, cientistas descobriram que quando é feito o cruzamento de um animal de origem europeia com outro de origem indiana, o fruto é um bezerro que se destaca por apresentar as melhores qualidades de seus ancestrais. “Se percebeu que esse bezerro engordava muito mais rápido do que o Nelore e era mais precoce no quesito sexual. Na metade dos anos 90, as primeiras fazendas começaram a fazer o procedimento por meio de inseminação artificial ou trazendo animais de fora do Brasil”, relembra o fazendeiro Neto Arantes.
Neto ainda recorda que, quando seu pai descobriu os benefícios do cruzamento industrial, começou a procurar animais que pudessem fazer o cruzamento de maneira natural. Na época, era necessário encontrar um touro que resistisse ao calor brasileiro e, para isso, João Arantes tomou conhecimento de uma empresa americana que estava comercializando sêmens de raças que poderiam cruzar da forma proposta.
Entre 1998 e 1999, João comprou algumas cabeças de gado e realizou o cruzamento com o Nelore. “Quando nasceram os primeiros bezerros, meu pai ficou maravilhado”, conta Neto. A partir desse momento, começa a se configurar na pecuária brasileira a necessidade do investimento na raça Senepol. Em 2000, Neto e seu irmão Ricardo Arantes foram a um centro de pesquisa nos Estados Unidos para aprofundar os conhecimentos acerca do gado.
Segundo Neto, os pesquisadores acreditavam que o Senepol seria mais indicado para o Brasil, uma vez que reunia inúmeras características favoráveis: fácil adaptação ao calor, pois foi uma raça desenvolvida no Caribe há mais de 100 anos em temperaturas extremas e em terra de baixa qualidade, onde o gado ficava gordo o ano inteiro sem receber ração e sais minerais; apresentava alta resistência a parasitas; não tinha chifre e dessa forma não machucava os funcionários das fazendas, até porque é um animal bastante dócil; apresentava precocidade sexual no macho e na fêmea; tinha pelo curto, o que facilita a resistência ao calor, e demonstrava rapidez na engorda. Foto: Fabio Fatori/Divulgação/Fazenda Nova Vida
A família de criadores ainda foi ao Paraguai, onde conheceu um rebanho criado em uma fazenda de calor extremo, e mesmo assim os animais estavam em boas condições. Porém, no período, as fronteiras com o país vizinho estavam fechadas para transações comerciais; a família, no entanto, resolveu investir nos Estados Unidos. “Nós fomos obrigados a ir aos Estados Unidos e escolhemos os melhores animais de criatórios diferentes, fretamos um avião em Miami e colocamos 52 vacas e 13 bezerros na aeronave. Trouxemos esse gado para Porto Velho, em Rondônia, em novembro de 2000”, relata Neto Arantes.
A chegada do primeiro rebanho de Senepol ao Brasil não significou que todo o trabalho estava finalizado. De acordo com o fazendeiro, era natural que cada vaca só produzisse um bezerro por ano, o que dava em torno de 50 cabeças. Mas a ideia de João Arantes era ter 2 mil animais anualmente. Para resolver a questão, os criadores procuraram uma tecnologia classificada como fertilização in vitro, que proporcionava um aumento expressivo no nascimento de animais.
Segundo Neto, um laboratório que executava a fertilização in vitro foi instalado nas terras da Nova Vida de Rondônia. “De apenas 50 vacas, em 18 meses produzimos 2 mil. Nasceram metade macho e metade fêmea”, comenta o fazendeiro. Ainda de acordo com ele, o investimento em todo o processo, desde trazer o primeiro rebanho Senepol ao Brasil até a instalação do laboratório, custou 1 milhão de dólares. “Foi um projeto que meu pai apostou sozinho e, felizmente, o Senepol se tornou uma grande solução para aumentar a rentabilidade na pecuária brasileira”, acrescenta Neto Arantes.
Hoje, o grupo Nova Vida produz anualmente para venda comercial de 800 a mil touros da raça Senepol. Além disso, são comercializadas de 200 a 300 novilhas todos os anos. “O Senepol ele complementa o Nelore e já contribuiu muito para a pecuária nacional. Considero que é a segunda raça mais importante da bovinocultura do Brasil”, destaca o criador.
No vídeo a seguir, produzido pela TV Senepol, da Fazenda Nova Vida, os criadores Neto Arantes e Ricardo Arantes comentam um trecho da história da chegada do Senepol ao Brasil. Confira o conteúdo do canal da empresa no YouTube:
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Na intenção de ampliar os trabalhos na pecuária nacional com a raça Senepol, a Fazenda Nova Vida lançou, neste ano, um projeto que fomenta o empreendedorismo rural entre pequenos criadores. Em formato de franquia que vale de R$ 15 mil a R$ 30 mil, fazendeiros poderão adquirir sêmens da marca e viabilizar fecundações. Outros custos poderão ser adicionados a cada vaca fecundada - R$ 1.500 - e a Nova Vida promete oferecer assessoria técnica e veterinários que ajudarão nos cuidados com os animais.
“No momento em que nascer o animal, vamos continuar fazendo o acompanhamento. Posteriormente, vamos ajudar os franqueados a colocar os animais nos nossos canais de vendas, comercializando a uma média de R$ 9 mil a R$ 11 mil por animal”, explica Neto Arantes. No áudio a seguir, ele apresenta mais detalhes sobre o projeto:
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A raça no Brasil
“O Senepol não é concorrente de raça nenhuma. Ela veio para complementar o que as outras raças têm de melhor. Ela tem crescido porque, ao se usar um touro Senepol em cima da base de fêmeas zebuínas, há um resultado muito favorável, o que a gente chama de potencialização genética”. O depoimento é do presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Bovino Senepol (ABCB), Pedro Crosara. Em entrevista ao LeiaJa.com, ele reforça que o valor do Senepol na pecuária nacional não é ser uma raça que tomará os postos das demais, mas sim serve para aumentar a qualidade dos animais do rebanho brasileiro.
O presidente destaca que pelas características favoráveis ao território e ao clima brasileiro, o animal propicia ganhos econômicos aos criadores nacionais. “Como é uma raça taurina, quando você faz o choque sanguíneo com as outras raças, os produtos saem com um diferencial genético muito grande, com custo zero para o criador, porque o boi cruza a vaca em campo”, acrescenta o gestor da ABCB. De acordo com levantamento da Associação, o Brasil possui 79 mil gados da raça registrados.
Fabio Fatori/Divulgação/Fazenda Nova Vida/Ilustração/LeiaJáImagens
Pedro Crosara faz um alerta importante para os pecuaristas nacionais. Apesar de não competir com as demais raças, o Senepol possui um “concorrente”. “Nosso grande concorrente, na verdade, é o boi ponta de boiada, aquele sem qualificação genética, sem avaliação, comprovação e sem registro. E alguns produtores colocam esse boi no seu plantel achando que é um boi melhorador, mas ele não repassa qualidades para os bezerros que produz”, esclarece o presidente da ABCB.
Sobre o cenário econômico, a associação de criadores aponta para resultados satisfatórios. Baseado em relatórios da DBO, o presidente destaca que foram realizados no Brasil, em 2017, 48 leilões da raça Senepol, que resultaram na venda de 1.199 machos a um preço médio de R$ 10.500 cada cabeça, além de 1.034 fêmeas ao valor médio de R$ 23.856 por animal. “Há uma valorização e reconhecimento da raça como ferramenta da expansão do mercado. É uma raça que veio para ficar, por causa da eficiência e benefícios dentro da porteira. Tem o seu espaço, principalmente para os criatórios que buscam eficiência econômica como um todo”, pontua Crosara.
Fabio Fatori/Divulgação/Fazenda Nova Vida/Ilustração/LeiaJáImagens
Por fim, o presidente da ABCB explica que existem vários projetos nas fazendas brasileiras que buscam práticas e tecnologias que possam proporcionar mais melhorias aos animais. No entanto, a Associação divulga seu próprio projeto, com o objetivo de oferecer um serviço unificado aos criadores associados.
“Existem vários bons projetos, quem faz a raça, na verdade, é a ação conjunta de seus criadores. Como forma de manter uma união em torno da raça, a gente evita destacar criatórios ou programas. Como Associação, preservamos a independência de cada criatório. A Associação divulga o programa de melhoramento do Senepol, que contempla pilares e tem o objetivo de gerar diretrizes e boas práticas de melhoramento e seleção animal. Nosso programa também é uma ferramenta genética que precisa gerar carne de boa qualidade para o consumidor. Entre as diretrizes, temos o Serviço de Registro Genealógico – função de caraterização morfológica, funcional e genealógica dos animais -, provas zootécnicas – nas próprias fazendas ou provas comunitárias -, melhoramento genético – cálculos dos desvios esperados de progênies –, entre outras”, finaliza o presidente.
Pesquisas auxiliam desenvolvimento da raça
A pesquisadora científica e diretora técnica do Instituto de Zootecnia de São Paulo, Joslaine Cyrillo, participou de vários estudos sobre animais da raça Senepol. As pesquisas tiveram início em 2013 e resultaram, até então, na avaliação de cerca de mil gados.
Entre as avaliações, existe o teste de desempenho e eficiência alimentar. Seu objetivo é identificar animais geneticamente superiores para características de crescimento e, ao mesmo tempo, mais eficientes em relação ao aproveitamento dos nutrientes do alimento utilizando a característica consumo alimentar residual (CAR), que trata-se de uma medida de eficiência alimentar baseada na diferença entre o consumo de matéria seca observado e o consumo de matéria seca predito com base no peso corporal metabólico e no ganho médio diário durante o teste.
“No Instituto de Zootecnia são utilizados dois sistemas de mensuração do consumo individual, o GrowSafe®, de tecnologia canadense, e o sistema nacional, denominado Intergado®. Os testes de eficiência da raça Senepol seguem o protocolo oficial do Instituto, e são conduzidos por, no mínimo, 100 dias. A dieta é fornecida, diariamente, em duas etapas, às 9h e às 15h, e é composta por 60% de silagem de milho e 40% de concentrado (milho, farelo de soja, núcleo mineral)”, detalha a pesquisadora.
Consumo individual de alimentos, ganho médio diário, medidas corporais (altura na garupa, perímetro torácico, comprimento do corpo e perímetro escrotal), características de carcaça por ultrassonografia (área de olho de lombo, espessura de gordura na costela e espessura de gordura da garupa) são alguns aspectos analisados. “Ainda há análise de características de fertilidade e precocidade nos machos, já nas fêmeas, há opção de avaliações de ultrassonografia com o objetivo de quantificar a população folicular e verificar a ciclicidade das novilhas” acrescenta a pesquisadora.
De acordo com Joslaine, os testes realizados constaram ganhos médios diários de 1,40 e 1,50 kg/dia, para fêmeas e machos, respectivamente. “Resultado maior que o esperado de acordo com a formulação da dieta, mostrando que a raça Senepol tem um grande potencial para ganho de peso. As fêmeas consumiram em média 10,7 kg de matéria seca para cada quilo de peso corporal, já os machos consumiram em média 8,4 kg de matéria seca para ganhar um quilo de peso corporal. Os testes desenvolvidos pelo Instituto de Zootecnia permitem a identificação de animais mais eficientes que serão os futuros reprodutores e matrizes, além de expandir o conhecimento sobre as particularidades da raça Senepol, bem como na contribuição para a bovinocultura de corte nacional”, esclarece a pesquisadora.
Segundo a diretora técnica do Instituto de Zootecnia, um novo projeto de pesquisa está sendo realizado para avaliar a qualidade da carne de animais da raça Senepol, além de animais cruzados Nelore x Senepol. Até o momento, o projeto não foi finalizado.
Saiba mais: Como se calcula o CAR? - Para realização dos testes de CAR, os animais são avaliados por no mínimo 100 dias (28 dias de adaptação+72 de teste) ou mais. Os pesquisadores registram nesse período o consumo alimentar diário observado e o ganho de peso dos animais. Obtém-se, então, o chamado consumo predito, que é o consumo alimentar diário observado ajustado para seu ganho de peso e seu peso corporal no período. A equação matemática usada para descobrir o Consumo Alimentar Residual é o consumo alimentar diário observado menos o consumo predito.
Consumo Alimentar Residual negativo (CAR-) é sinal de maior eficiência alimentar e o contrário é verdadeiro, ou seja, Consumo Alimentar Residual positivo (CAR+) é sinal de menor eficiência alimentar.