Desde o início do mês, o Governo de Pernambuco havia sido informado do risco iminente de rebelião na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) de Caruaru, no Agreste. Na noite do domingo (30), um motim na unidade resultou em sete mortos.
As informações sobre o risco de um grande tumulto constam no relatório construído pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), no início do mês de outubro. Na ocasião, representantes do Gajop estiveram na Funase de Caruaru justamente para apurar denúncias de uma possível rebelião violenta e uma ocorrência envolvendo adolescentes feridos após um procedimento de revista.
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A visita ocorreu no último dia 7 de outubro. No dia 10, o relatório foi entregue ao Conselho Estadual de Direitos da Criança e Adolescente (CEDCA), do qual fazem parte representantes da sociedade civil e do governo. A última folha do relatório apresenta recomendações, todas aprovadas na reunião do CEDCA.
Os internos relataram ao Gajop que havia uma tendência à rebelião porque o tratamento estava desumano. O clima na unidade já se encontrava tenso no início do mês, quando eles estavam há três semanas sem sequer tomar banho de sol, nem realizar qualquer atividade socioeducativa.
Diferentes versões
A ocorrência com adolescentes feridos aconteceu no dia 5 de outubro. Na versão do diretor da unidade, identificado como Paulo Pinto, e do chefe de segurança, identificado como Florêncio, é contado que três adolescentes de 17 anos estavam de posse de um celular. Eles teriam se negado a entregar o aparelho ao agente socioeducativo que, ao tentar buscar o objeto, foi atingido por um aparelho de TV e um DVD.
O agente teria revidado a agressão, o que causou um tumulto, com adolescentes de outras casas da unidade batendo nas grades; a polícia precisou ir ao local para intervir. Os três adolescentes permaneceram na unidade enquanto o agente conseguiu licença médica. Na versão dos três adolescentes, o relato do ocorrido é um pouco diferente. Eles confessaram ao Gajop que de fato existia um celular que eles se negaram e entregar. Os agentes, então, usando toucas ninjas, teriam apagado as luzes da casa 01 e, com os três adolescentes sem roupa, teriam realizado agressões com barrotes de madeira.
Um dos adolescentes contou ter levado uma furada de punhal na perna direita e choque elétrico. Contaram ainda ter havido uso indiscriminado de spray de pimenta contra todos os adolescentes da casa 01, que teriam ficado assustados e aí começado a bater nas grades. Consta no relatório que os adolescentes disseram ter a polícia ido ao local, mas sem chegar a intervir na situação.
Além disso, o relato dos adolescentes também menciona que os agentes acusaram um dos adolescentes de ser tarado. O objetivo seria provocar um dano maior ao menor, visto que essas práticas não são aceitas pelos internos. Os adolescentes, mesmo com escoriações e hematomas visíveis, não haviam sido levados ao atendimento médico. Eles revelaram o nome dos agentes agressores diante do chefe de segurança.
Pressão de movimentos sociais
Após a visita, o Gajop recomendou uma denúncia ao Ministério Público de Caruaru com o objetivo de interditar a Funase de Caruaru. O relatório foi entregue, nesta segunda-feira (31), ao Ministério Público da Vara Regional de Infância e Juventude de Caruaru.
O LeiaJá questionou à Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude como a rebelião com sete mortes veio a acontecer, mesmo a pasta estando ciente da possibilidade. De maneira simplória, a secretaria respondeu apenas que está ciente das questões levantadas e que a Funase trabalha para enfrentar o problema de lotação em suas unidades.
A nota da secretaria aponta que o governo está construindo mais uma unidade no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife (RMR), e outra em Jaboatão, também na RMR. Ainda, estão sendo finalizadas a unidade de Arcoverde e a reforma no Centro de Informação Provisória (Cenip), no Recife. Por fim, a nota alega que os agentes socioeducativos são treinados dentro da política de respeito aos direitos humanos.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos de Pernambuco (MNDH-PE) enviou uma nota de repúdio ao que chamaram de “caos no sistema socioeducativo em Pernambuco”. A carta lembra que no intervalo de cinco dias 11 internos morreram, contando com o motim da Funase de Timbaúba.
O texto ainda pedia que o governador Paulo Câmara se pronunciasse firmemente com relação à efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com recursos e investimentos. O movimento ainda solicitou que o secretário de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Isaltino Nascimento, e o presidente da Funase, Moacir Carneiro Leão, sejam afastados do cargo.
Resposta imedita: Funase terá novo presidente a partir de amanhã
Após as mortes e denúncias contra a Funase, o governador Paulo Câmara designou a mudança na presidência da Fundação. Sai Moacir Carneiro Leão e entra o advogado Roberto França. A nomeação será publicada no Diário Oficial do Estado, nesta terça-feira (1°).
"Franca tem uma larga experiência no serviço público, na área de Direitos Humanos e Justiça, e acredito que é a pessoa certa para realizar uma reformulação imprescindível na Funase", declarou Câmara. O novo gestor terá um prazo de 60 dias para apresentar um plano de reestruturação.