Na última semana de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu em sua pauta uma votação que avalia a constitucionalidade da revista vexatória. O relator, ministro Luiz Edson Fachin, argumentou pelo fim da prática, mas a votação acabou sendo suspensa após um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Em Pernambuco, a proibição acontece pela Portaria SJDH Nº 89 de 17 de agosto de 2015, mas banir o procedimento de forma plena pode ser uma realidade ainda distante.
Entende-se como vexatória toda a verificação de segurança que exija o contato manual com partes íntimas de pessoas, desnudamento total ou parcial, bem como o uso de cães farejadores e a introdução de objetos. A prática muitas vezes consiste em despir a mulher e fazê-la agachar e fazer movimentos diversas vezes, abrindo as pernas de maneira que seja visível o seu canal vaginal. De acordo com a norma, no estado de Pernambuco, no âmbito dos presídios, penitenciárias, cadeias públicas e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, esse tipo de revista está banida.
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O documento ainda exige que a revista pessoal seja feita, preferencialmente, por meio de aparelhagem eletrônica, como detectores de metal e raio x. O agente público que descumprir essa decisão e agir intencionalmente contra a dignidade da pessoa, deve passar por Procedimento Administrativo Disciplinar.
Apesar da clareza do texto, a revista vexatória ainda pode ocorrer em excepcionalidades, com um teor característico de regra. Especialistas, entidades e sobretudo familiares enxergam ilegitimidade no ato, que apresenta conflitos com a legislação e revela sintomas crônicos do sistema carcerário. A trajetória de Angela (nome fictício) enquanto “mulher de preso” expressa bem essa experiência.
“Nós somos vistas como criminosas também”
Nessa rotina há cerca de seis anos, Angela conhece o sistema pelas suas manhas, e entende que não há princípio prático diferenciador entre ela e o seu companheiro encarcerado. Pouco tempo atrás, a sua semana se encerrava com as visitas ao Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), unidade prisional no Complexo do Curado.
Relembrando a visita a um amigo, em uma unidade socioeducativa para menores no estado, compartilhou brevemente uma situação que viu se repetir por diversas vezes. “Quando eu entrei lá, tive que agachar e tinha um espelho embaixo de mim. Eu tive que tirar a minha roupa e agachar com a agente me olhando. Nessa sala só tinha eu e ela. É totalmente desconfortável ficar pelada na frente dela, ainda mais naquela posição. É uma situação que muitas mães dos menores passam durante as visitas, porque lá não tem aparelho eletrônico (para a revista pessoal). As mães reclamam que essa situação é muito ruim; ter que tirar a roupa, agachar. É constrangedor”, explica a mulher.
Sobre a experiência no Curado, Angela diz: "Passei por muita humilhação ali dentro”. Já chegou a cumprir serviço comunitário por suspeitas, segundo ela, infundadas. A mulher também reforça a existência de um sistema de favoritismo dentro do cárcere, e que as regras não são exercidas para todos da mesma forma. Não há diálogo e a desconfiança é regra.
“Infelizmente, somos vistas como criminosas também. Já passei, e tantas pessoas que vão às unidades prisionais – esposa, mãe, irmão, pai – visitar os seus parentes, viram situações constrangedoras. Qualquer coisa é motivo para que eles mandem a gente voltar. Alimento, bolsa, roupa; até o que pode a gente na verdade não sabe se pode ou não, porque as visitas dependem dos guardas. Tem visitante que entra, tem visitante que não. Daí a gente consegue enxergar que, dependendo de quem você é, eles te tratam diferente.”
Em 22 de maio de 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) concedeu, através de uma resolução, medidas provisórias de cumprimento imediato, visando proteger a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de liberdade no, à época, Complexo Penitenciário Professor Aníbal Bruno (atual Complexo do Curado), seus familiares e agentes penitenciários, incluindo a redução da superlotação, a garantia de atenção médica e a eliminação da revista vexatória.
O caso chegou ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos em 2011, por meio das organizações Justiça Global, Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI), Pastoral Carcerária Nacional e de Pernambuco e Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, após a denúncia de 55 mortes ocorridas no presídio desde 2008 e reiteradas denúncias de tortura.
Em conversa com o LeiaJá, a Pastoral Carcerária Nacional se manifestou sobre a luta contra a revista vexatória no país, bandeira levantada pela entidade há mais de uma década. A presidenta nacional, Irmã Petra Silvia Pfaller, é firme ao condenar a revista íntima. Apesar das pastorais operarem de forma independente à sede nacional, a Pastoral Carcerária em Pernambuco compartilha do mesmo posicionamento.
A presidenta não se mostra confiante na administração da revista nos presídios, mesmo onde há equipamento disponível. Para ela, os agentes públicos não passam por capacitação humana, necessária para conduzir o método de verificação.
“Temos relatos de mulheres que não comem nada 24h antes da visita, porque temem que algo suspeito apareça no scanner e isso leve à revista íntima. Isso também pode privá-las da visita, com uma suspensão de 30 dias ou mais. Se um agente fala que você é perigoso e desconfia de você, isso pode ser feito aleatoriamente. Na base da perseguição e da seletividade. Acontece com muitas mulheres negras, que são alvos mais facilmente”, pontua a representante, que chama a revista vexatória de “estupro institucional.”
Estima-se que 80% das visitas aos presídios são de mulheres, em sua maioria, negras. Essa estimativa vem de dados obtidos por organizações de defesa dos direitos humanos e defensorias públicas do país. Ela tem como modelo a pesquisa conduzida pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE-RS), na Penitenciária Estadual do Jacuí, que registrou aproximadamente 25 mil visitas aos presos homens, apenas no primeiro semestre de 2008.
Pfaller ressalta a agressão psicológica cometida contra a mulher com vínculo prisional. “Ter o corpo violentado causa danos à autoestima, ao convívio social e à autoimagem. Pode fomentar enfermidades mentais como a depressão, o pânico e a ansiedade; produz sentimentos constantes de medo, de inferioridade, de impotência, de nojo, dentre outros. A mulher só não fala, não denuncia, por medo, e nem é pela própria vida, mas pela vida do ente querido que está encarcerado”, diz.
Imagem publicada pela Pastoral Carcerária em suas redes sociais.
Em meio ao repúdio, o conflito entre a legislação e o real traz mais dois relatos: os de Branca e Dandara (nomes fictícios).
“Do primeiro portão até a entrada do pavilhão você é humilhado”. Do companheiro aos filhos de Dandara, todos já sentiram na pele a mão do sistema. Há alguns anos, durante uma visita, deixaram os filhos dela nus. À época, o mais velho tinha três anos e o mais novo, um. “Foi uma humilhação saber que os meus filhos passaram por aquilo, mas é no sistema de ver e ficar calada. Uma menina novinha vai chegar lá e ter que ficar nua quando for visitar. Com as mulheres é assim em algumas unidades. Agacha e senta, se eles não verem o colo do útero, não entra. Fim”, testemunhou.
“Para que servem as leis e essas máquinas? Aonde vai o investimento?”, questiona. Dandara diz que tudo é uma interrogação e se acostumou a ser tratada como parte do cárcere, ainda que não esteja do lado de dentro.
O aspecto relatado fere a intranscendência da pena, presente na Constituição e que prevê, no seu Art. 5º, inciso 45, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”; e garante, em seguimento, ações conjuntas à individualização da pena.
A contrariedade continua no relato de Branca, que também tem mais de um familiar encarcerado. Ela sente que o seu corpo é visto como “um pedaço de carne”, e que pode existir prazer em tratá-la daquela forma. Com experiências em unidades prisionais femininas e masculinas, ela garante já ter visto de tudo um pouco, e volta a mencionar o princípio de desconfiança sob o qual os agentes atuam.
“Se aparecer na máquina que a pessoa está com algum volume por dentro, algo que pareça droga ou um telefone, não vai para o IML fazer nada, não. Eles mesmos que botam a luva, botam a mão por dentro e tentam tirar aquilo que eles acham que está no corpo da pessoa”, afirma.
Quando estava grávida, também chegou a passar pela revista íntima. Gestantes não podem passar pela radiografia, pois é prejudicial ao feto. “Ela (a agente) achou que eu estava com volume, mesmo depois de passar o detector. Aí ela pega nos seios, apalpa, passa a mão na cintura, porque ela diz que é o procedimento de segurança. Ela também apertou a minha vagina, para conferir se era volume ou não”, compartilhou.
Apesar de indignada, Branca também verbalizou que a revista vexatória pode ganhar a figura de “melhor entre as piores”. Com tantas violações ocorridas na unidade onde o seu companheiro está, por exemplo, por mais revoltante que seja, a revista pode passar para o segundo plano. Também, nesses casos, é comum que mulheres internalizem a violência, por uma questão de repetição e hábito.
“A revista vexatória não é nada quando comparada à fome, à opressão, aos castigos que os presos estão recebendo. Garanto que se fosse de escolha da família do preso ter que tirar a roupa toda vez que fosse entrar lá, mas em troca, poder levar uma comida decente para o preso comer, ou ter a certeza de que o preso não vai mais precisar apanhar e nem levar castigo, a família com certeza ia escolher tirar a roupa”, concluiu.
O LeiaJá buscou os órgãos competentes, a fim de entender se essas denúncias são de conhecimento do poder público e se há alguma espécie de monitoramento. Foi questionado ao Ministério Público se havia denúncias nas promotorias de Execução Penal de cinco cidades pernambucanas com grandes unidades prisionais. Não havia registro de denúncias.
A Secretaria de Ressocialização (Seres-PE) também se diz desprovida de denúncias sobre essa violação, e afirmou que o que está previsto na portaria de proibição deve ser considerado.
O portal também conversou com um policial penal que não quis se identificar, servidor em uma unidade da Região Metropolitana do Recife. Segundo ele, apesar de haver detector no local, a revista íntima é realizada quando um familiar é suspeito, quando a pessoa demonstra muito nervosismo ou a partir de informações recebidas previamente. Ele afirma que são encontrados celulares ou drogas nesses casos.
A legislação em Pernambuco e o “impasse” na tramitação em Brasília
Em Pernambuco, o histórico de proibição da revista íntima começa com a Portaria da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH) Nº 258 de 15 de dezembro de 2014. Primeira versão da medida atual, assinada pelo então secretário Bernardo Juarez D’Almeida, ela garante o banimento do caráter vexatório, e autoriza somente a revista pessoal, de acordo com os aspectos dispostos. Não há tanta diferença entre ambas as versões.
Na impressão mais recente, assinada em 2015 pelo secretário Pedro Eurico, está expressa, no Art. 3º, uma autorização ao agente público para a realização da parte avaliativa, por meio do contato físico, conforme caso de suspeita encontrado pelo agente: “o visitante poderá ser encaminhado a revista através do contato físico pelo inspecionamento táctil com as mãos sobre as vestes do revistado, realizado por agente público do mesmo sexo, não afastada a observância ao caráter invasivo e atentatório da dignidade das pessoas”.
Já no texto pioneiro, o terceiro item indicava que, em caso de suspeita da posse ou porte de objetos cuja entrada seja proibida, o visitante poderá ser encaminhado à Polícia Científica, que conta com suporte médico, criminalístico e forense para a perícia
No STF, o ministro Alexandre de Moraes foi o único a expor voto divergente durante a sessão que discutiu a revista vexatória no Supremo em outubro. Com ressalvas, Moraes votou contra o fim da revista, temendo “efeitos catastróficos” à persecução penal. Ele também citou o caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro na cueca, e lembrou que casos como esse podem ter as provas anuladas caso a revista seja vetada. Defendendo o próprio voto, afirmou que nem toda revista íntima é invasiva e propôs condições à sua realização.
“A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico, e dependerá da concordância do visitante. Só poderá ser realizada de acordo com protocolos pré-estabelecidos e pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso na realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico, e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita”, argumentou o divergente.
O ARE 959.620, com repercussão geral, é o recente esforço do STF para averiguar a legitimidade da revista vexatória e as provas obtidas a partir dela. Para o ministro relator, Edson Fachin, que foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, a revista viola a dignidade humana e as regras de proteção constitucional e, por consequência, as provas dela decorrentes são ilícitas.
Diferentemente de Moraes, Fachin aponta que “é inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos". O recurso que questiona essa licitude já é utilizado há alguns anos.
Uma pesquisa de referência nacional, realizada pela Rede de Justiça Criminal em São Paulo, menciona os dados da Secretaria de Administração Penitenciária do estado para a revista vexatória. Dos 3,5 milhões de casos, só 0,02% resultaram na apreensão de alguma quantidade de droga ou componente telefônico. O baixo índice de apreensões foi um dos argumentos do relator.
A assistente social e presidenta do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI), Wilma Melo, que atua com Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais, comenta a disposição de Moraes sobre o envolvimento da polícia científica e condena a alteração feita na portaria pernambucana.
“Para mandar um visitante ao IML é preciso existir uma suspeita concreta, isso evita que se faça revista vexatória. O que acaba acontecendo é uma sucessão de exposições desnecessárias. Constrangida, a pessoa, por estar numa situação de ter parente encarcerado, desiste de tomar atitudes em defesa da própria cidadania e dignidade, temendo consequências do sistema”, explica a especialista.
Atuando no SEMPRI desde 1997, Wilma já pôde ser espectadora de muitas situações onde o caráter vexatório ultrapassa a pena do preso, e comenta: "A questão da revista vexatória não é só sobre se expor. Para um familiar de preso, tudo é vexatório”. Apesar das garantias do Estado relacionadas ao direito do apenado e assistência às famílias, a experiência dos vinculados ao sistema é diferente.
“Ela [a família] sofre. Dá para silenciar, omitir a condição diante da sociedade e do trabalho. O único local onde não dá para omitir que é parente de preso é na prisão. É o único local em que ela tem que se identificar, se registrar, para entrar. É a carteira de familiar de preso”, diz a especialista.
A Lei 7.210 de 11 de julho de 2014, que institui a “Lei de Execução Penal”, garante uma série de princípios assistenciais ao indivíduo encarcerado, que envolvem a saúde, o suporte material, religioso, social, jurídico e educacional. No Art. 16, parágrafo 1º, a LEP também garante assistência jurídica integral e gratuita aos réus, sentenciados em liberdade, egressos e familiares.
A conduta do Estado na perspectiva do Direito
A professora universitária e coordenadora do Núcleo de Estudos Críticos e Interdisciplinares de Direito (NECRID), Larissa Castilho, opinou sobre as revistas íntimas no cárcere. Primeiramente, a especialista comentou a decisão de Fachin e do Supremo de trazer esse problema para a pauta.
Ela chama a argumentação do ministro de “redondinha” e diz que, nesse caso, o objetivo é “evitar que o Estado invada a sua esfera íntima, que em nome da persecução criminal, que em nome da fundada suspeita do Estado, se perpetue o que era feito durante a ditadura militar. A dignidade da pessoa humana, dentro de uma decisão desse porte, é o princípio mais apropriado.”
“Também foi interessante ele argumentar sobre as provas. Como a gente já tem uma alteração na Lei de Execução Penal, proibindo a revista vexatória, mesmo que essa revista seja realizada, ela é realizada fora da legalidade”, complementou. O LeiaJá convidou Castilho para responder algumas perguntas, elucidando questões acerca da revista na perspectiva jurídica.
Você poderia comentar como funciona a condenação do Direito diante dessas provas?
Provas obtidas de forma ilícita são ilícitas. Você pode achar 1 kg de cocaína com alguém, se a prova é obtida de forma ilegal, ela não pode ser adicionada a qualquer processo, porque ela já está viciada no momento da sua obtenção. Se o sistema permitir que se utilize métodos ilícitos para comprovar suspeitas, a gente volta para uma caça às bruxas, ao que se fazia no contexto das torturas. O Estado aí levaria ao extremo a busca por uma confirmação das suas hipóteses.
No momento em que o agente público obtém provas, oriundas da violação das colunas de sustentação do Direito, a prova não pode ser outra coisa senão ilegítima. Tornando aquela prova inútil para o processo penal, se desestimula a realização desse tipo de revista invasiva.
A alteração vista na Portaria em Pernambuco autoriza o agente a concluir o procedimento avaliativo. O que essa mudança pode representar e como funciona a figura do agente nessa equação?
A alteração na portaria representa um retrocesso em termos de estruturar um sistema menos agressivo. O agente penitenciário não tem habilitação legal para concluir um procedimento que envolve o manuseio do corpo. O agente público, representando o Estado, precisa agir sobre alguns princípios: a legalidade, onde ele só pode fazer aquilo que a lei permite ou aquilo que a lei não proíbe; a impessoalidade, que deveria impedi-lo de agir sobre interesse próprio, mas já se perde quando nós lembramos que os agentes podem ter os seus “favoritos” dentro do sistema, e também é preciso ter moralidade administrativa.
O Estado tem falhado nessa questão? E por quê?
O Estado não falha inocentemente, falha por projeto. Ele é violador. A ideia de sucatear aquilo que é público para justificar a privatização está bastante em voga desde a década de 90, que foi, do ponto de vista da retirada do Estado de áreas estratégicas, a década da privatização. O Estado saiu de uma série de serviços públicos essenciais, como a energia elétrica e a telefonia, essa tendência tem retornado. Quando a gente estraga o público, algo justifica a entrega para a iniciativa privada. Nos últimos cinco anos, essa proposta ganhou muita força, mas ela sempre vai e volta.
O senso comum adotou essa ideia de “privatiza que melhora”, e as pessoas acabam pensando, em casos como esse, que uma empresa pode ser capaz de transformar um presídio em um Shopping RioMar. É deixar a coisa não funcionando propositalmente, para que chegue em um desgaste tão elevado, que se justifique a transformação daquilo ali em algo que vise o lucro.
Apesar disso se tratar de uma questão de gestão, no entendimento do Direito, há alternativas à revista vexatória?
O cumprimento da Lei de Execução Penal seria o básico. E com isso, claro, pensar na compra de equipamentos e em soluções viáveis, coerentes diante do orçamento de cada gestão. Mas não adianta só ter o equipamento, é preciso usá-lo e capacitar o pessoal que vai usá-lo, mas para além do manuseio. É preciso fomentar o olhar humano nos agentes penitenciários. Um outro incentivo seria melhorar o efetivo, pois há poucos agentes nos presídios. O estresse daquela dinâmica influencia para que o profissional não tenha a diligência, o carinho, a paciência devida para lidar com o público.
É preciso trabalhar com o agente, pensar com quem lida com o cárcere também. Esse servidor pode estar sendo pressionado pela gestão e por facções ao mesmo tempo, por exemplo. O agente penitenciário precisa de condições dignas de trabalho, ele também é uma figura precarizada. O grande problema é que ele não se identifica como sendo tão precário quanto a família que revista, não entende que os seus direitos também são violados. Por estar dentro da estrutura do Estado, o agente pode pensar que é uma potência.