Dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), através do Censo de Educação Superior, mostram que a maioria dos estudantes universitários, cerca de 56%, não se forma no curso em que ingressaram originalmente, seja por mudança de instituição de ensino, dificuldades financeiras, falta de identificação com a área de estudos e mercado de trabalho ou desistência da graduação. São números que refletem uma dificuldade de definir o futuro profissional.
No meio do caminho entre o início dos estudos e o surgimento dos primeiros indícios de que talvez a primeira escolha não tenha sido correta ou que a universidade é diferente do que o estudante imaginava a princípio, muitos sentimentos como frustração de expectativas, pressão e medo podem aparecer. Com eles, a sensação de infelicidade, vazio e problemas como ansiedade e a depressão podem piorar ainda mais o cenário de desestímulo aos estudos e trabalho dos universitários. O surgimento de problemas ligados à vida universitária e profissional é um problema muito recorrente, atingindo vários estudantes em diferentes universidades, regiões, países, cursos e áreas do conhecimento.
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De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em 2016, 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuraram atendimento psicológico e mais de 10% fizeram uso de algum medicamento psiquiátrico. Já o Health Science Center da Universidade do Texas, em San Antônio (EUA), fez uma pesquisa abrangendo mais de 2 mil pessoas e constatou que acadêmicos têm seis vezes mais chance de desenvolver ansiedade e depressão.
Na tentativa de reduzir esses índices e inspirado em experiências de sucesso realizadas em universidades estrangeiras renomadas como Harvard e Yale, o professor Wander Cleber Maria Pereira, da Universidade de Brasília (UnB), decidiu criar e ofertar a partir deste semestre (2018.2) uma disciplina eletiva chama “Felicidade”. Wander é professor de engenharia no campus Gama da instituição de ensino, que concentra cursos da área das ciências exatas. Lá se observava um número ainda mais elevado de evasão, abandono, ansiedade e depressão grave, a ponto de chegarem cartas de pais de alunos solicitando que a instituição tomasse uma atitude para melhorar a experiência acadêmica dos estudantes.
“Não será um curso teórico sobre felicidade, não vai ter provas, trabalhos, palestras de auto-ajuda. Vão haver algumas leituras, diálogos, compartilhamento de vivências. No primeiro momento, vamos na fundamentação da psicologia positiva sobre o que é a felicidade e características de pessoas felizes e autoconhecimento e depois vamos trabalhar estratégias de enfrentamento aos problemas, aumento de resiliência, como se expressar, conter e prevenir ansiedade, diferença de tristeza e depressão, tudo coletivamente. Ao final da disciplina, os grupos produzirão uma ação que traga mais felicidade ao campus e, fazendo isso, já estão aprovados”, explicou o professor.
Leonardo Barbosa é estudante de engenharia civil e explica que escolheu esse curso pois sentia desde criança o desejo de trabalhar com áreas ligadas à construção. “Eu não sabia nem o que era um engenheiro civil. Depois que descobri, fiquei encantado”, contou. Ele decidiu investir a graduação em uma universidade que, em sua visão, tinha professores bem capacitados, bons laboratórios e apresentava inovações no método de ensino.
Ele começou o curso no ano de 2015 e apesar de saber que seria um curso difícil e com “muita correria”, o estudante estava disposto a seguir carreira na área com a qual havia sonhado desde a infância. Tudo ia bem, tanto a nível acadêmico quanto profissiona,l com os estágios e perspectivas de mercado de trabalho para empregos efetivos. Os problemas começaram quando a área de estudos escolhida por Leonardo entrou em crise.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, a construção civil está entre os setores que mais eliminaram postos de trabalho no ano passado e continua apresentando a mesma tendência em 2018.
Ao todo, 2.110 vagas formais para engenheiros civis foram fechadas no Brasil nos 12 meses encerrados em junho, o que significa uma queda de 3,2% de ocupação na profissão em relação aos 12 meses anteriores, até junho de 2017. A retração do mercado não foi sentida apenas entre os profissionais formados, atingindo também Leonardo, que já estagiava e passou por um longo período de dificuldades.
“Procurei pesquisar bastante a respeito do curso para saber como era, e sim, o mercado de trabalho era promissor na época, não sabia que o baque ia ser gigante como foi. Sofri na pele por isso. Passei por três estágios até a crise afetar uma empresa que trabalhava no final de 2015”, contou o estudante.
Entre medos, frustrações, dificuldades financeiras e sofrimento emocional, era preciso encontrar algo para permanecer firme no propósito de se formar e seguir a carreira que havia sido escolhida. Ter em mente o tamanho da sua vontade de dedicar a vida profissional à engenharia civil foi o que manteve (e ainda mantém) Leonardo focado e otimista quanto ao trabalho. “O que me faz continuar é amor pelo que faço. Sempre enfrentar desafios diferentes. A busca por conhecimento diverso para solucionar os problemas que sempre aparecem”, afirmou o estudante.
Ele também destaca a importância da especialização em um cenário profissional muito competitivo. “Procure conversar com pessoas de outras áreas. Se tem desestímulo do mercado, se especialize. O mercado exige muito e a internet nos dispõe de um acervo absurdo de conhecimento”, aconselhou Leonardo.
Questionado se teria feito algo diferente em sua trajetória pelo ensino superior visando uma melhor preparação para o mercado de trabalho que o espera, Leonardo afirma que certamente mudaria a maneira como ele encarou a universidade e o futuro profissional assim que começou os estudos no nível superior. “Teria me dedicado mais no começo do curso, visto que entrei na faculdade aos 17 anos e ainda não pensava muito profissionalmente”, contou ele.
Às vezes é preciso recomeçar
A solução encontrada pela jovem Kalu Gouveia seguiu uma linha diferente: o recomeço. Em 2012, logo que saiu do ensino médio, a estudante, que também é surfista e sempre adorou a praia, o mar e os animais marinhos, decidiu estudar oceanografia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Eu era muito nova, não tinha ainda muita noção ainda do que eu queria e no começo eu estava curtindo o momento, mas o curso é muito Exatas e a gente paga o básico das cadeiras de engenharia e isso me desestimulou muito porque era matemática e física pura, não era voltado para o nosso curso”’, contou Kalu, que ao descobrir que o mercado de oceanografia é voltado à pesquisa e ao ensino, também não se agradou.
Perto do sexto período, veio a desistência da graduação. Kalu passou a fazer cursinhos pré-vestibular para tentar entrar em medicina, porém, após dois anos de estudos sem obter a nota necessária no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para ser aprovada no curso, pressionada pelos pais, ela permanecia “sem rumo”.
Por gostar muito tanto dos animais que estudou durante o período em que cursou oceanografia, quanto dos cães de sua família, Kalu decidiu que prestaria vestibular para o curso de medicina veterinária e foi aprovada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde está estudando no momento.
“É uma coisa bem prática, estou gostando muito, aprendendo muita coisa interessante e se tiver um animal precisando eu vou lá e posso ajudar. No final do curso de oceanografia eu fiquei bem depressiva, pensando que não tinha mais nada para mim e tinha perdido muito tempo da minha vida em um curso que não terminei, que estava velha vendo todas as minhas amigas quase se formando e eu saindo de uma faculdade e tendo que estudar para outra, começando tudo de novo”, contou a estudante.
As soluções para o problema
De acordo com a psicóloga especializada em Gestão de Pessoas, professora e analista de RH do Grupo Ser Educacional, Juliana Paiva, quando um jovem entra na universidade, há muita ansiedade, pressão e expectativas em relação ao futuro profissional, além de se deparar com uma realidade diferente do colégio com o qual estava acostumado e, muitas vezes, com uma imagem de que na faculdade tudo será festivo. Tudo isso somado a um jovem que é diferente de uma pessoa mais velha e madura e à falta de autoconhecimento, segundo Juliana, pode levar a frustração, sentimentos ruins como o medo e a incerteza, estresse e, em casos mais graves, o adoecimento por sofrimento psicológico.
Ela também coloca a alta competitividade do mercado de trabalho e a falta de identificação com a área de estudos e atuação profissional como fatores frustrantes que podem, a longo prazo, prejudicar a saúde mental dos estudantes universitários. “O aluno mais jovem não se conhece tanto, está envolvido de muita ansiedade de descoberta pelo novo, por uma nova rotina, novo círculo social, é muita emoção e isso pode ser frustrado”, conta a psicóloga.
“Tudo começa com uma ansiedade porque se está em um mundo novo, com novas cobranças, e pode se intensificar, gerar adoecimento, estresse ou até a depressão”, explicou Juliana. A psicóloga lembra que é importante saber diferenciar momentos de tensão, tristeza e nervosismo passageiros de um problema persistente ou uma doença psicológica. De acordo com ela, quando o estudante percebe que está, de forma recorrente, sofrendo com altos níveis de estresse, irritabilidade, distúrbios alimentares e problemas do sono a ponto de afetar a vida social, os relacionamentos sociais e familiares, é hora de procurar apoio terapêutico e, caso necessário, psiquiátrico também.
“É preciso que o estudante se situe, se imagine na área escolhida e pense se esse é o futuro que está esperando para si. Pensar no curso, na sua identificação, no mercado e nas áreas de atuação para definir se a atividade vai gerar prazer, se conhecer e avaliar o que a instituição de ensino lhe oferece”, explicou Juliana.
Ela também afirma que, diante da constatação de que a escolha da graduação não foi acertada, o melhor a fazer é refletir para decidir, desta vez de forma mais consciente e cuidadosa, um novo caminho que seja mais satisfatório, além de recomeçar, seja retomando o mesmo curso em outro momento ou mudando a área de estudos e atuação profissional.
Juliana destaca também a importância de buscar informações e autoconhecimento antes de escolher a que curso se dedicar, se possível com aconselhamento junto a um profissional de psicologia, buscando identificar quais são as áreas de maior identificação. Também é importante prestar atenção às ferramentas de aprendizado prático e empregabilidade oferecidas pela instituição de ensino.
“A universidade tem que se preocupar com esse problema e buscar diminuir a frustração do estudante, através de núcleos de carreiras onde a instituição faz a ponte entre o estudante e o mercado. Também é preciso ter uma estrutura que proporcione experiências práticas e um setor que apoie o estudante, psicológica e pedagogicamente”, pontuou a especialista.
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