Única nação do mundo a possuir um corpo jurídico-administrativo — a Justiça Eleitoral (JE) — voltado ao sistema eleitoral, o Brasil reformulou a sua forma de exercer a democracia com a urna eletrônica, 25 anos atrás. O computador super-elaborado foi uma grande “mão na roda” para ajudar a deixar no passado o longo histórico de fraudes eleitorais que acompanham as eleições no país, antes adepto ao voto impresso. Agora, é o sistema eleitoral brasileiro que ostenta a maior eleição informatizada do mundo e pode afirmar mais de duas décadas sem fraudes.
No entanto, apesar de ser protagonista durante os testes e as eleições, a urna eletrônica é apenas um dispositivo dentro do esforço constante da Justiça Eleitoral brasileira para administrar todo o processo. Além disso, é graças à base de dados adquirida pela JE que é possível garantir o Documento de Identificação Nacional (DNI), que já possui as informações necessárias para documento único nacional, além da biometria, que garante maior segurança na hora de votar. A Justiça Eleitoral é o único órgão da Justiça brasileira com função administrativa que extrapola o seu próprio âmbito.
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Isso significa que ela tem o poder de normatizar, julgar e administrar todo o processo eleitoral, desde o alistamento do eleitor e do candidato até a apuração e diplomação dos eleitos, em modelo único de administração no mundo. Tratando-se das eleições, há um rigoroso procedimento de elaboração dos códigos, sincronização e auditoria para que tudo esteja funcionando durante o dia da eleição.
Quem explica melhor como funcionam as auditorias pré e pós-eleições é George Maciel, o secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), que conversou com o LeiaJá sobre as características do sistema eleitoral informatizado.
Fazem parte dos instrumentos da segurança e transparência do sistema eleitoral “as auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, assinatura digital e publicação do resumo digital (hash), tabela de correspondência, lacre físico, identificação biométrica do eleitor, teste de integridade (votação paralela), oficialização de sistema, registro digital do voto (RDV), log da urna eletrônica”, dentre outras etapas de verificação, explica Maciel. Sobre o “log”, ele se refere ao registro cronológico de todas as operações e eventos verificados na urna.
Entidades fiscalizadoras de acordo com a Resolução TSE 23.603
- Partidos políticos e coligações;
- Ordem dos Advogados do Brasil;
- Ministério Público;
- Congresso Nacional;
- Supremo Tribunal Federal;
- Controladora-Geral da União;
- Polícia Federal;
- Sociedade Brasileira de Computação;
- Conselho Federal de Engenharia e Agronomia;
- Conselho Nacional de Justiça;
- Conselho Nacional do Ministério Público;
- Tribunal de Contas da União (TCU);
- Forças Armadas;
- Entidades privadas brasileiras, sem fins lucrativos, com notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública, credenciadas junto ao TSE;
- Departamentos de tecnologia da informação de universidades credenciadas junto ao TSE.
Algumas das instituições mais antigas e de maior credibilidade no país fazem ou podem fazer parte da auditoria da urna eletrônica. Anualmente, os partidos políticos são convocados para os testes públicos, mas segundo George Maciel, a adesão ainda é baixa.
“Não temos preferência e nem preconceito (entre voto impresso e eletrônico), mas temos responsabilidade e obrigação de contextualizar, de apresentar o histórico do país, benefícios e prejuízos, os riscos. Nenhum sistema de votação é perfeito, mas a urna eletrônica é parte de um processo amplo que só funcionará em sua plenitude com a participação ativa dos atores democráticos, em todas as etapas. Os partidos também devem fiscalizar, todo mundo deve cumprir o seu papel. Nenhum partido político participou da fiscalização dos sistemas nas eleições de 2016, 2018 e 2020”, acrescenta o secretário.
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Entenda as formas de auditar a urna eletrônica
Auditoria antes da votação
- Teste Público de Segurança (TPS): Regulamentado pela resolução TSE 23.603, é um evento público de resultado público, disponibilizado seis meses antes das eleições. Teve sua primeira edição em 2009 (as demais ocorreram em 2012, 2016, 2017 e 2019). Permite acesso irrestrito ao código fonte de forma sistematizada antes e durante os testes. Apesar de ter maior participação da comunidade acadêmica, as entidades fiscalizadoras são convidadas a participar. O objetivo é tentar, a todo custo, invadir e manipular o código, para testar a resistência do sistema e encontrar possíveis falhas. Segundo o secretário George Maciel, jamais aconteceu algum evento negativo durante os testes;
- Código fonte: inspeção e auditoria dos sistemas eleitorais durante seu desenvolvimento, com abertura dos códigos-fonte;
- Cerimônias: assinatura digital e lacração dos sistemas eleitorais pela conferência das assinaturas digitais e resumos digitais da urna eletrônica;
- Verificação TSE: Verificação dos sistemas eleitorais instalados no TSE;
Transmissão: verificação dos sistemas destinados à transmissão de boletins da urna.
Auditoria durante a votação
- Teste de integridade: auditoria de funcionamento das urnas (votação paralela);
- Auditoria no dia da eleição pela verificação dos sistemas;
- Missões de observação eleitoral internacional e nacionais: em 2020, o TRE-PE recebeu a Organização dos Estados Americanos (OEA);
Auditoria após a votação
- Arquivos de LOG;
- Dados alimentadores da totalização;
- Arquivos de log da transmissão de dados;
- Arquivos de imagens dos boletins de urna
- Arquivos do Registro Digital do Voto (RDV), documento seguro e preserva o sigilo, pois não identifica o eleitor por meio do conjunto dos votos;
- Arquivos de log das urnas;
- Relatórios da totalização (seções que caíram em pendência, dados de abstenção etc);
- Relatório de urnas substituídas;
- Arquivos de dados de votação por seção;
- Comparação entre o boletim de urna (BU) impresso e o boletim de urna na web (é possível comparar os dados divulgados pelos canais do TSE com os boletins registrados e impressos pela urna, verificando assim se há discrepância no número de votos).
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Voto eletrônico VS. impresso
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há três grandes inconvenientes do voto impresso. O primeiro é que ele tem mais chances de ser fraudado do que o voto eletrônico, já que as pessoas manusearão os papéis. O segundo é que, a cada dois anos, será necessário montar um grande esquema logístico para garantir o transporte e o armazenamento seguro dos votos dos 148 milhões de eleitores brasileiros. O terceiro é o risco de judicialização das eleições.
“Se uma impressora travar ou parar de imprimir no meio do processo, o que a gente faz? O voto ainda pode enganchar ou cair, e aí vai ser preciso chamar alguém para solucionar o problema mecanicamente. Além do atraso, a partir desse momento, o voto já foi exposto. O sigilo é um direito garantido pela constituição e nós (TSE) temos a obrigação de cumprir a lei. Então, não é uma tentativa de intervenção nossa, pois cumprimos a lei, mas como especialistas, precisamos deixar esse tipo de coisa clara. Nossos processos e nosso sistema eleitoral consideram todos esses aspectos”, continua o especialista em tecnologia da informação.
E, no âmbito do interesse em levar as eleições à esfera judicial, adiciona: “também há uma preocupação com a judicialização das eleições. Se um voto for adicionado ou subtraído da urna, qual vai valer? Como resolvemos a situação? A discussão sai do campo lógico e vai para o campo abstrato, o caminho mais próximo é judicializar. Em caso de fraude, um político ou pessoa interessada sabe em quais zonas ele possui mais eleitores. Com o voto de papel, ficaria simples de manipular os votos e criar uma narrativa dependendo do interesse naquela zona ou naquela seção eleitoral”.
Dessa forma, candidatos derrotados poderiam alegar fraude na votação eletrônica e pedir a contagem dos votos impressos apenas para pôr em dúvida a legitimidade da vitória dos adversários e, assim, fragilizá-los politicamente. Na época do voto em cédulas de papel, isso era comum. Só no Rio Grande do Sul, por exemplo, foram apresentados mais de 8 mil recursos à Justiça Eleitoral nas eleições de 1994.
Em 2014, logo após perder a eleição presidencial para Dilma Rousseff (PT), o candidato Aécio Neves (PSDB) questionou a segurança da votação eletrônica e pediu uma auditoria do resultado. Depois da verificação, concluiu-se que não houve irregularidade.
“Com o voto de papel, o Brasil tinha um dos piores índices de fraude eleitoral do mundo. Tinha gente que engolia o voto, gente que levava caneta, lápis e escondia debaixo da unha para manipular o voto. Sem falar que em termos de agilidade, é imprevisível. Não dá para saber quanto tempo uma eleição com contagem manual levaria, mas seria muita mão de obra e muitos riscos”, conclui.
Fato ou Boato?
Se um hacker utiliza a internet para invadir a NASA, FBI e Pentágono, também pode invadir a urna eletrônica.
BOATO: a urna não possui conexão à internet, seja com ou sem fio (wi-fi), nem conexão bluetooth.
A urna eletrônica possui apenas uma barreira de segurança, podendo facilmente ser violada.
BOATO: a urna possui cadeia de segurança em hardware, TPS, cerimônia de lacração e assinatura digital, criptografia do boletim de urna, etapas de verificação, testes de software, log da urna, entrega do Registro Digital do Voto, dentre outras formas de auditoria.
Outra pessoa pode votar no meu lugar.
BOATO: além da identificação mecânica, por meio de documento físico com foto e título de eleitor, foi implantado o método objetivo de identificação do eleitor na seção eleitoral, por meio do reconhecimento de sua digital pela urna.
Países de primeiro mundo rejeitam a urna eletrônica.
BOATO: o sistema eleitoral informatizado do Brasil é referência no mundo inteiro e consultado por países em diferentes níveis de desenvolvimento*.
- Países aos quais o TSE prestou cooperação técnica em questões eleitorais: República Dominicana, Costa Rica, Argentina, Equador, México, Paraguai, Haiti, Guiné Bissau
- Países que mostraram interesse em aprender mais sobre o processo eleitoral brasileiro: Japão, Coreia do Sul, Portugal, Estados Unidos, Espanha, Áustria, França, Filipinas.
- Sistema eleitoral brasileiro é reconhecido por Harvard, posicionado no nível "alto" de segurança, entre 60 e 65 pontos (Harvard 2012-2018, pub. em 2019).
No sistema atual, o eleitor tem que acreditar em um técnico de TI. Impressão garante ao eleitor em quem ele votou e para o candidato.
BOATO: Esse entendimento assume que uma vez impresso, o voto não pode ser alterado ou desconsiderado, esse não é o histórico do país.
É direito do eleitor auditar o processo sem precisar confiar em um sistema. Software que audite software não é aceitável.
BOATO: o único meio de votação que não exige qualquer nível de confiança em qualquer software é a votação manual em cédula, com contagem manual. Em todos os outros cenários, há que se confiar, em maior ou menor grau, e auditar o software que grava, imprime, verifica ou conta o voto.
Curiosidades sobre o eleitorado no Brasil
Segundo levantamento de agosto de 2020, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o eleitorado brasileiro é composto por 147,9 milhões de eleitores aptos, dos quais 117,5 milhões já possuem biometria cadastrada. Esses eleitores estão distribuídos em 5.570 municípios, 2,6 mil zonas eleitorais, 402 mil seções e em 95 mil locais de votação, que contam com 473 mil urnas eletrônicas instaladas. Além disso, atuam voluntariamente dois milhões de mesários e participam das eleições cerca de 33 partidos políticos.