A interrupção do futebol devido à pandemia do novo coronavírus não atrapalhou apenas os profissionais que têm na modalidade a principal fonte de renda. As disputas na várzea, como é conhecido o futebol amador nas periferias brasileiras, estão repletas de jogadores talentosos e até mesmo de ex-atletas que encontram um complemento nos ganhos financeiros com as partidas de fim de semana.
Na região metropolitana de São Paulo, essa é a realidade de muitos adeptos do futebol. O ex-atleta profissional e hoje operador de telemarketing Daniel Diego Teles, 33 anos, é um dos que recorrem ao talento no esporte para superar as dificuldades financeiras. Sem jogar há cerca de três meses, o ponteiro confessa que sente pela distância da bola e pelo valor que soma à renda mensal. "O dinheiro que estava ganhando na várzea me ajudava muito e com a pandemia deu uma apertada", comenta. De acordo com o atacante, que já atuou em clubes como Red Bull Brasil (SP) e Portuguesa de Desportos (SP), os jogos com o Esportinho de São Bernardo do Campo e o Renovação de Guarulhos resultam em cerca de R$ 300 semanais.
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O operador de telemarketing Daniel Diego Teles | Foto: Arquivo Pessoal
Longe do campo, o boleiro tem mantido a forma por conta própria enquanto espera pelo retorno. "Estou fazendo treinamentos em casa, mas sinto falta de jogar. Devemos tomar o maior cuidado possível, mas tenho fé que logo essa pandemia passa para poder voltar ao gramado", declara.
O vendedor de autopeças Luiz Paulo Vieira, 32 anos, é outro que se aventura no futebol varzeano desde 2013 para levantar um valor extra. "Desisti do profissional após ficar um ano só treinando na Portuguesa e, como não deu em nada, fui para a várzea ganhar alguma coisa", recorda o zagueiro, que iniciou sua trajetória no amador defendendo o Flamengo da Vila Maria.
Desempregado devido à pandemia, o jogador que atua em times de campo e society, afirma que não é de todos os times que exige cachê para jogar. "Em São Bernardo, eu pego R$ 150, e em Guarulhos, cidade em que resido, tem time que não cobro, mas em outros peço R$ 100", conta. Além de não poder assegurar o dinheiro para manter as contas em dia, Vieira alega estar saudoso do clima das disputas e da tensão pré-jogo. "Gosto de jogar as copas pelo ânimo do local da partida, de rever os amigos que correm junto no campo quando o árbitro apita. Continuo me exercitando e fazendo meus treinos porque quero estar 100% e ajudar as equipes que vou fazer parte. O futebol está no sangue", completa.
O vendedor Luiz Paulo Vieira | Foto: Arquivo Pessoal
Com esperança de retornar aos campos como atleta profissional, o meio-campista Bruno Silva, 30 anos, é mais um dos milhares de futebolistas a apelar para a várzea em tempo de vacas magras. Revelado pelo São Paulo, o volante rodou pelo Brasil em clubes de menor expressão, como Desportivo Brasil (SP), Sinop (MT), Colo-Colo (BA), Grêmio Osasco (SP) e Portuguesa de Desportos (SP). "Quando a gente não tem empresário bom, aparecem propostas de clubes que não pagam. Tenho esposa e filha que dependem de mim e estou sem jogar futebol profissional desde 2015", retrata o futebolista que aterrissou em times amadores das regiões Sul e Oeste paulistanas para ajudar no sustento da família.
Atual funcionário da Secretaria Municipal de Esportes da capital paulista, Silva não sentiu tanto os impactos financeiros da pandemia. Segundo ele, o que conseguia angariar no amador, era uma reserva. "Estava recebendo de R$ 150 a R$ 300, depende do time e do nível do campeonato, mas não dependia da várzea para viver porque o salário que ganho no meu trabalho é suficiente", realça. O médio-volante, que já foi campeão mundial na categoria sub-20 pelo Tricolor do Morumbi ao lado de craques como Casemiro (Real Madrid-ESP) e Lucas Moura (Tottenham-ING), segue os treinos físicos no período noturno para estar pronto quando as chances aparecerem. "Se surgir uma oportunidade profissional, tenho fé e esperança nisso, vou estar pronto e, se não for a vontade de Deus, sigo na várzea em alto nível", finaliza.