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O rap tem se evidenciado como parte da identidade cultural do Estado do Pará, principalmente das periferias. O Coletivo Articulado do Tapanã – CARTA, da periferia de Belém, recorre à música para falar de cultura, ciência e história por meio das batalhas de rap que acontecem no bairro.
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Mailson Nogueira Alves, estudante do curso de Psicologia e membro do CARTA, conta que o histórico do rap no Pará remonta à cultura dos povos escravizados. “Com a popularização do rap no Brasil, isso acabou impactando também o Estado, fazendo nascerem diversas batalhas de rap pelos bairros que se mantém firmes até hoje”, explica.
O estudante cita as “guitarradas” e o carimbó como ritmos paraenses que influenciam na maneira de fazer rap, além do samba e do funk. Mailson também afirma que o rap é a voz da periferia e a poesia transformada em denúncia. “É o momento em que o MC bota no papel toda a angústia e a dificuldade que passa sendo preto e morador de periferia”, diz.
Mailson ressalta que para o rap ser ainda conhecido e reconhecido culturalmente no Pará é necessário mais investimento na própria cultura. Segundo ele, as batalhas de rima continuam sendo muito discriminadas. “Muitas vezes até a polícia chega do nada, mandando todo mundo ir embora por causa do estigma de que rap é coisa de bandido. O rap paraense precisa ganhar espaço para que seja valorizado socialmente”, salienta.
O estudante conta que o CARTA contribui para que isso aconteça através da divulgação cultural e dos artistas, da exposição da história do rap e como ele influencia a periferia. Segundo Mailson, o rap dá condições de mudança de vida para as pessoas. “O rap, assim como qualquer outro tipo de arte, tem um mercado que compra. Isso é muito importante porque o dinheiro investido permite que os MCs consigam dar condições melhores de vida para as suas famílias. Muitas vezes investem em ações nos bairros para tirar crianças das ruas quando eles têm o devido reconhecimento pela sua arte”, explica.
Mailson reforça o rap como uma ferramenta importante para a luta social. “É sobre o sofrimento que nós temos quando a polícia chega aqui e mata inocentes. Também é sobre a luta de vários pais que saem todo dia de casa buscando alguma alimentação para a família. Tudo isso você encontra no rap e ele denuncia toda essa opressão do Estado”, complementa.
Crescimento no interior
Conhecido como Pelé do Manifesto, Allan Roosevelt Miranda Conceição começou a trajetória no meio musical quando montou o grupo de rap Manifesto Negro com dois amigos, em 2008. “Minha história no rap se desenrola em 2008 quando eu resolvi montar um grupo de rap com dois amigos da minha rua e um amigo da minha escola, que foi o Manifesto Negro. A partir daí, eu senti aquela emoção de estar cantando pra alguém e nunca mais parei”, relata.
Hoje, aos 29 anos, o rapper tem um negócio, junto com a esposa, fruto do dinheiro ganho na música. Mas essa continua sendo a principal fonte de renda.
Allan percebe que o rap vem se desenvolvendo no Estado, com movimentos não só na capital, mas também no interior. “Parauapebas, Paragominas, Dom Eliseu, Barcarena, Ananindeua, Castanhal, Benevides – são alguns locais a que eu já fui e pude observar de perto o movimento e ver como ele se desenvolve com as batalhas de MCs”, conta.
Ele ainda aponta a importância de mostrar que o rap é versátil ao oferecer cultura e divertimento para o público. “É muito bom porque mostra que o rap é polivalente. A gente consegue estar em cima do palco, mostrando o nosso talento, e ao mesmo tempo a gente consegue estar na rua levando ao público um pouco de cultura com a batalha dos MCs e divertimento”, destaca.
Compositor e intérprete das músicas que canta, Allan acredita na filosofia presente no rap de que cada um deve cantar a própria música, falar da própria vivência. “O rap, mais que um estilo musical, é uma forma de o jovem periférico ser o protagonista da própria história. Já que tu és o protagonista da tua história, tu tens que cantar o que tu vives, o que tu pensaste, o que tu compôs”, explica.
Os temas das músicas são livres. Alguns tratam sobre amor, mas a maioria dos rappers fala sobre a realidade vivenciada, sobre como a sociedade brasileira é. “A maioria dos rappers é negra; então a gente fala muito sobre racismo, violência policial, o que um periférico preto passa, como é a realidade da nossa rua, como é a violência na nossa capital. São temas corriqueiros nas letras de rap e alguns também falam de amor”, conta Pelé do Manifesto.
Em abril do ano passado, Pelé do Manifesto lançou o disco “Gueto Flow, Preto Show”, porém o show de lançamento não ocorreu por causa da pandemia. Durante esse período, O rapper precisou migrar para a internet e trabalhar com lives, devido às proibições de shows e fechamento das casas de festa. Mesmo com todas as dificuldades, não pretende desistir. “A gente não pode desistir, tem que arranjar outros meios de conseguir dinheiro com a música e tocar o barco”, afirma.
Pelé do Manifesto conta que já utilizava as redes sociais, mas a frequência aumentou no último ano. “Eu e outros artistas ficamos condicionados somente às lives, às apresentações nas redes sociais. Então a gente acabou aprendendo a utilizar todas as ferramentas nas redes e isso foi muito bom para o nosso trabalho nas mídias sociais”, comenta.
O rapper voltou a produzir após bloqueio criativo, em 2020. “Eu tive certo bloqueio criativo em relação à pandemia. Não consegui criar nada durante o ano passado, o que eu lancei era um que tinha sido gravado em 2019. Já vim fazer as coisas esse ano, em 2021 já estou lançando e produzindo umas paradas, fluindo meu trampo”, diz Allan.
No ano passado, além do disco, Pelé do Manifesto lançou a música “Só te digo, vai”, em parceria com Everton MC. Para esse ano traz novidades. “Gravei mais um clipe que ainda não saiu, de uma música com o Afonso Capello, que produzimos e ainda vamos lançar, que é “Uma nova escravidão”, anuncia.
“Fiz esse som com o Afonso Capello, e fechei uma parceria com o MC Ricardinho que é o projeto 'Camisa 10', que vai ter uma pegada totalmente diferente do que eu faço”, revela Pelé do Manifesto em relação a parcerias.
Salvador de vidas
“O rap chegou para mim como um salvador de vidas”, descreve Maycon Pinheiro, também conhecido como Calangu. Nortista e afro-amazônico, Maycon conta que o rap veio como uma forma de expressar o que estava sentindo. “Eu conheci o rap há uns dez anos, com um álbum da ConeCrew. Esse álbum me tocou com verdades que eu já vivia mas não sabia como expressar. O rap veio como uma forma de expressão para mim. E através disso eu consigo me expressar, botar tudo o que eu sinto e as verdades que eu vejo e tudo que eu passo no dia a dia numa letra”, narra.
MCs como Marechal, Criolo, Emicida, ConeCrew, Don l são influências para Calangu, pois falam de fatos e vivências que acontecem no dia a dia dele. Além do rap, ele também encontra fontes de inspiração no graffiti, jazz, rock, R&B, pop e indie.
Maycon acredita que, assim como o salvou, o rap também muda a vida de muitas pessoas. “O rap fala sobre o que nós vivemos e passamos. Uma poesia marginal com verdades que acontecem no bairro. Assim como me salvou, ele ainda salva muita gente com verdades que vivemos e muitas vezes não queremos ver”, afirma.
Preocupado com as questões sociais, o coletivo de rap “Rua ao Norte”, do qual Maycon faz parte, é responsável pela batalha de rima da t2, no bairro Tapanã 2, e mobiliza a população a arrecadar alimentos para pessoas carente do bairro.
Evolução
O rapper Bruno B.O. revela que sua trajetória no mundo do rap começou cedo, aos 14 anos, com a formação da banda “Carmina Burana”, com o rap que costumava ser feito nos anos 90 por bandas como Biohazard, Rage Against The Machine e Helmet.
“Eu conheci o M.B.G.C (Manos da Baixada de Grosso Calibre) e depois de um tempo comecei a ir atrás dos caras e colar neles. Comecei a aprender sobre o hip-hop puro e diretamente com essa galera, DJ Morcegão, P-Jó, Marcelo Muslim e vários caras que fizeram parte do M.B.G.C e de todo o início do hip-hop. Foi assim a minha entrada no rap, como integrante do M.B.G.C e depois com os meus projetos solos”, conta.
Bruno mora em Conceição do Araguaia há seis anos e por causa disso já não participa diretamente do processo de evolução do rap no Pará, mas acompanha o movimento no Estado pela internet e por meio das redes sociais. “O que eu tenho visto é que o rap paraense está bem em evidência, nomes sendo bastante visualizados e disseminados como Anna Suav e Bruna BG, Pelé do Manifesto, Daniel ADR, enfim, muita gente nova que eu tenho acompanhado. Eu vejo que há uma evolução no rap, no grafitti, em todas as áreas, até no break”, diz.
O rapper revela que suas letras trabalham as espiritualidades africanas e afrobrasileiras e que fala de coisas sem contextos específicos e mostra como encara alguns problemas e situações da vida. “Há muito tempo a minha letra não tem mais relação com temas da periferia, coisas dessa natureza, e que eu realmente não vivo mais”, explica.
Por Carolina Albuquerque e Isabella Cordeiro.
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