O projeto da terceirização, que permite o trabalho de terceirizados até mesmo nas atividades fins das empresas, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e sancionado pelo Presidente da República, Michel Temer. Além do surgimento de muitas críticas ao projeto, existem dúvidas relativas à lei no que diz respeito à terceirização na administração pública, bem como há diversas visões entre especialistas em Direito do Trabalho sobre o que diz a Constituição Federal. Há inclusive uma hipótese de redução do número de editais de concursos públicos diante da possibilidade de contratações indiretas no serviço público.
Para o procurador do Ministério Público do Trabalho, Cláudio Gadelha, a lei sancionada por Michel Temer não pode afetar a administração devido a garantias legais que proibiriam a extensão do projeto à administração pública direta ou indireta. “Não é possível fazer o entendimento de que esse projeto poderia alterar a norma constitucional posta sobre concursos no artigo 37 inciso II, que é explícito ao estabelecer que só é possível ascender a cargo público por concurso. Reconhecemos que há níveis de terceirização nas empresas públicas, mas não há nenhum tipo de afirmação no projeto que faça alusão a isso”.
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Sobre empresas públicas e Sociedades de Economia Mista, o procurador afirma que apesar de elas se inserirem no contexto do artigo 170 da Constituição, quando busca-se paridade com a iniciativa privada, “esse artigo não pode conflitar com o que diz à Constituição sobre o assunto, então princípios como publicidade, equidade e impessoalidade estão assegurados e não restam dúvidas de que nenhuma lei ou emenda que viesse a autorizar a terceirização mexeria nisso”. Quando perguntado a respeito do posicionamento do Ministério Público do Trabalho sobre a questão, Cláudio Gadelha afirma que qualquer tentativa de estender a terceirização à administração pública direta ou indireta, além de esbarrar no Supremo Tribunal Federal, enfrentaria resistência do MPT.
“O Ministério Público do Trabalho tem ações sobre terceirização no serviço público, mas qualquer interpretação extensiva sobre o tema será sôfrega, devido ao texto que em nada aborda e nem poderia abordar a administração pública. Essas empresas de capital misto não fogem aos preceitos constitucionais do serviço público e o Ministério vai combater qualquer iniciativa extensiva", afirmou o procurador.
"Mudei meu foco"
Brenda Vanessa Gomes é concurseira com foco em certames de polícias e acredita que o projeto aprovado não a afetará. “Na área policial não tem como mexer, não pode privatizar a parte de segurança”, declarou. No entanto, antes de pensar na carreira policial, Brenda queria lutar pela aprovação em concursos de bancos públicos, mas desistiu devido a acontecimentos recentes como a aprovação da terceirização, planos de demissão, Reforma da Previdência e ameaças de privatização.
O temor em relação à redução do número de editais também foi um fator que levou Brenda a desistir de prestar concurso para bancos públicos. “Acho que vai demorar muito para ter concurso para bancos públicos, que deveriam abrir a cada dois anos e o edital do concurso da Caixa Econômica Federal atrasou. Em empresas que têm parte privada eu acho que pode atrasar ainda mais, por causa do baixo custo do empregado terceirizado, que recebe um salário menor que o concursado", analisou Brenda.
Perguntada sobre os impactos dessa medida na vida dos concurseiros que passam muito tempo estudando, Brenda destaca, além do atraso dos editais e diminuição de vagas, um cenário de mudanças na concorrência para certos certames. “Acredito que vai haver uma mudança na concorrência de concursos de outras áreas, pois as carreiras em órgãos que tenham muitos terceirizados se tornarão menos interessantes”.
"Visão Pragmática do Direito"
Isabele Moraes D'angelo é professora universitária, mestre e doutora em Direito Trabalhista, além de coordenar grupos de pesquisa. Na sua visão, as garantias do artigo 32 da Constituição Federal não impediram que a terceirização e o abuso de contratos temporários acontecessem antes da aprovação da nova. Segundo ela, a situação deve piorar. “Eu tenho uma visão pragmática do direito, de fato a Constituição já não permitiria algumas coisas, inclusive a sanção dessa lei, ela é inconstitucional, mas foi sancionada. Para fazer valer o que diz o artigo 32 é preciso uma demanda judicial que, em última instância, passa pelo Supremo Tribunal Federal, e a gente já percebeu que o direcionamento político do Supremo Tribunal Federal está todo voltado a blindar as atitudes do presidente”, declarou a doutora. Para Isabele, o projeto de lei vem para “tentar legalizar uma situação que ao meu ver não é legal e também não é constitucional”.
Isabele vê a permissão à terceirização na atividade fim como um fator que tornará economicamente interessante para a administração pública contratar terceirizados. “Por que a administração pública vai seguir fazendo concurso público, gastando com certame e aumentando a folha de gastos com pessoal, inclusive com aposentadoria de servidor no futuro, se pode terceirizar e deixar essa responsabilidade a encargo da empresa prestadora de serviços?”, indagou. Além disso, a não obrigatoriedade de arcar com a responsabilidade pelo funcionário em caso de fraude trabalhista também fragiliza o trabalhador. “A confirmação de que a administração pública só tem responsabilidade nos casos de terceirização quando o trabalhador conseguir provar que não houve a devida fiscalização é um encargo muito grande para o trabalhador", comentou.
Outra preocupação da doutora é com o princípio impessoalidade na seleção para o serviço público, que determina que a escolha deve ocorrer por concurso, para que entrem as pessoas mais preparadas para o cargo e não funcionários indicados por conhecimento pessoal ou questões políticas, por exemplo. “Como eu vou aplicar o princípio da impessoalidade se não tem o concurso e a iniciativa privada é quem vai indicar as pessoas que vão trabalhar? Me faz pensar que de repente os donos das empresas prestadoras de serviços serão amigos dos gestores públicos e só o pessoal protegido desses gestores vai trabalhar nesses órgãos”.
Sobre empresas que funcionam como Sociedades de Economia Mista, Isabele afirma que a situação funciona da mesma maneira, mas afirma que o cenário também já era de terceirização antes da aprovação e sanção do projeto de lei e vê a possibilidade da criação de planos de demissão voluntária para servidores que seriam substituídos por terceirizados. “Pela minha ótica, vão criar programas de demissão para os servidores e contratar terceirizados, que é algo que você nota na Caixa e no Banco do Brasil, então acho que essa legislação vem pra aprofundar uma realidade que já era muito negativa, inclusive na administração pública indireta, como sociedades de economia mista e empresas públicas”.
"Susto para o candidato"
Tiago Erhardt é diretor do curso preparatório de candidatos para concursos públicos ‘Espaço Jurídico’ e afirma não se preocupar com nenhuma redução na frequência de abertura de editais. “Acredito que é mais um alarde, um susto para o candidato, do que uma redução do número de vagas e editais, porque cargos que precisam de concurso público não podem ser terceirizados”.
Na visão de Tiago, além das proteções previstas na Constituição Federal, há, também, outros fatores que farão com que a oferta de vagas em concursos se mantenha intacta ou até aumente. “Também acredito que com a iminência da Reforma da Previdência, haverá muito pedido de aposentadoria e vai surgir muita vaga de cargo efetivo”.