O caminhoneiro Erik Fransuer passa meses percorrendo, ida e volta, as rodovias que cortam a floresta amazônica, entregando soja e milho em portos fluviais.
Fransuer é um dos milhares de caminhoneiros que transitam pelas BR-230 e BR-163, grandes rotas de transporte que desempenharam um papel no desenvolvimento e na destruição da maior floresta tropical do mundo, atualmente devastada por incêndios em vários pontos.
"Gosto da liberdade da estrada", conta Fransuer, de 26 anos, enquanto ele e outros motoristas descansam em redes penduradas entre os caminhões estacionados lado a lado em um posto de gasolina na cidade empoeirada de Rurópolis.
Fransuer passa pelo menos 12 horas por dia dirigindo, ouvindo músicas em ritmo acelerado, enquanto sacoleja pelas rodovias construídas cerca de 50 anos atrás, e que ainda não foram concluídas.
Buracos com um metro de diâmetro, pistas com irregularidades de sacudir os ossos, instáveis pontes de madeira e nuvens de poeira avermelhada que impedem a visibilidade em trechos sem asfalto das rodovias, a maior parte de mão dupla, transformam as estradas um risco, na melhor das hipóteses.
"Pra cá não tem estrada", diz Fransuer, vestindo camiseta, shorts e chinelos, enquanto gesticula na direção da BR163, que liga as paraenses Rurópolis e Santarém, que até recentemente era uma via de terra batida.
Mas isso está mudando.
No anseio de desenvolver a Amazônia para impulsionar a combalida economia nacional, o governo do presidente Jair Bolsonaro planeja terminar este ano o asfaltamento da BR163, uma rodovia de 1.770 km que liga o norte de Cuiabá, capital do Mato Grosso, a Santarém.
Operários também estão pavimentando trechos da BR230, com mais de 4.000 km, conhecida como a rodovia Transamazônica, que atravessa a floresta da costeira João Pessoa, capital da Paraíba, até Lábrea, a oeste, no Amazonas.
Pontes de madeira de mão única, que mal sustentam o peso dos caminhões com carga de 30 toneladas de grãos, também estão sendo substituídas por outras de concreto.
"Tem muitos acidentes, muitos mortos aqui neste lugar", conta Darlei da Silva, enquanto trabalha sob forte calor na instalação de uma nova ponte na BR230. É uma das 18 em construção ao longo da estrada, comenta.
"Vai melhorar bem", afirma sobre as novas pontes.
- Desmatamento -
As rodovias começaram a ser construídas durante a ditadura militar, no começo dos anos 1970, para povoar esta região remota, que era vista como um deserto - apesar das tribos indígenas e das comunidades tradicionais que viviam lá - e vulnerável à invasão estrangeira.
O desmatamento se seguiu a uma onda de pioneiros - pobres trabalhadores rurais, atraídos para a floresta tropical com a promessa de terras e um futuro melhor - que começaram a derrubar árvores como jatobá, itaúba, marupá e cedro para instalar suas plantações.
O processo se acelerou nas décadas seguintes, quando criadores de gado, plantadores de soja e madeireiros ilegais abriram caminho avançando mais profundamente na bacia Amazônica, onde hoje vivem mais de 20 milhões de pessoas.
Durante uma visita recente ao Pará, onde fica Rurópolis, uma equipe da AFP passou de carro por trechos de terra desmatados e fazendas com nomes como "Sonho meu" e "Boa vista".
Onde antes havia mata virgem, cabeças de gado Brahman pastam e enormes máquinas colhem grãos.
Áreas recém-desmatadas foram chamuscadas pelas queimadas recentes que carbonizaram a floresta primária, apesar da proibição aos incêndios na Amazônia que se seguiu aos protestos internacionais. O cheiro de fumaça pairava no ar até a chegada da temporada de chuvas.
As rodovias e as estradas de terra contíguas alimentaram as atividades ilícitas na região, como a mineração ilegal e a grilagem.
"Nas nossas pesquisas, nos trabalhos que a gente fez de campo aqui na região da Transamazônica e da BR163, vimos que no momento em que você abre uma estrada, já proporciona um desmatamento em torno de 100 km nas laterais - 50 km de um lado e 50 km de outro", explica à AFP Socorro Pena, pesquisadora que trabalhou no Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM).
"Grandes estradas e grandes projetos de infraestrutura estão promovendo um alto índice de desmatamento e problemas ambientais, e tem prejudicado bastante a população local", complementa.
- Ritmo lento -
Os caminhoneiros levam três dias para percorrer os mais de 2.000 km de viagem de ida e volta entre a cidade mato-grossense de Sinop (centro-oeste) - o celeiro do país - e os portos de Miritituba e Santarém, no vizinho Pará (norte).
Mas eles costumam acabar perdendo vários dias em filas nos terminais do rio Tapajós, aguardando para descarregar, com os operadores portuários sobrecarregados pela demanda insaciável da China pela soja brasileira.
Os tempos de viagem podem piorar durante a temporada de chuvas, entre novembro e junho, quando os trechos sem asfalto das rodovias viram um lamaçal.
Ou quando centenas de mineradores ilegais bloqueiam uma estrada por dias para exigir a legalização de sua atividade, como aconteceu recentemente em Moraes Almeida (PA), que cruza a BR163.
Fransuer, que dirige caminhão há seis anos, afirma ter visto quase 10 acidentes de caminhão diariamente devido a condições precárias.
O número de caminhões nas estradas deve explodir nos próximos anos enquanto os operadores de grãos constroem novos portos.
Espera-se que cerca de seis mil caminhões parem diariamente nos portos de Miritituba nos próximos cinco anos, quando o número de terminais triplicar, chegando a 15, afirma o prefeito local, Valmir Climaco de Aguiar.
Hoje, são 1.500 caminhões por dia, compara Aguiar.
- Sujeira e poeira -
A modernização portuária e rodoviária reduzirá os custos com transporte dos produtores de grãos no Mato Grosso, que serão capazes de exportar mais sua produção através de terminais no norte no lugar do sul, que são mais distantes de suas fazendas.
Mas nem todos no Pará sentem que estão sendo beneficiados.
Os moradores temem que o aumento do tráfego de caminhões vá deixar as rodovias mais perigosas e produzir mais poeira do que a mancha vermelha que já se deposita sobre tudo atualmente.
Para evitar a sujeira, "eu lavo roupa à noite, tem menos movimento de carro", conta Dayana Rodrigues Melo, mãe de quatro filhos, em Rurópolis, onde as ruas não têm pavimentação.
Ainda de acordo com os moradores, as temperaturas subiram na região como resultado do desmatamento.
A expansão das fazendas também fez aumentar os preços da terra e dos imóveis, e substituiu o cultivo de alimentos que antes abasteciam o mercado local, comenta Sandro Leão, professor de economia da Universidade Federal do Oeste do Pará.
Salários e emprego, no entanto, não acompanharam este avanço. E o sinal do celular é inexistente fora das grandes cidades.
"O modelo de economia de exportação, que utiliza a logística do norte para escoamento, é um modelo que favorece principalmente quem está envolvido na atividade de exportação", afirma Leão.
"São os fazendeiros, principalmente as empresas exportadoras, os grandes 'traders' e exportadores de grãos", acrescenta.
Uma infraestrutura melhor também é boa notícia para caminhoneiros como Fransuer. Eles recebem cerca de R$ 1.000 para cada carga entregue no porto.
Isto permitirá mais viagens por mês e dar um suporte maior a sua jovem família, que vive na Paraíba.
"É difícil", resume.