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Os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19 custaram quase 337 milhões de anos de vida, provocando a morte prematura de milhões de pessoas, destacou nesta sexta-feira (19) a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Só em 2020 e 2021, a Covid-19 causou a perda de 336,8 milhões de anos de vida em todo o mundo, segundo a agência das Nações Unidas, com sede em Genebra.

"É como perder 22 anos de vida para cada morte a mais", disse Samira Asma, chefe adjunta de dados e análises da OMS.

O cálculo é baseado em dados disponíveis em 2022.

Desde então, o número de mortos por Covid-19 continuou subindo, embora em um ritmo mais lento. A OMS decidiu, portanto, suspender recentemente o nível máximo de alerta sanitário, embora tenha alertado que a doença não desapareceu depois de mais de três anos de pandemia.

O balanço oficial de mortes atribuídas à doença é atualmente de 6,9 milhões de pessoas.

Mas inúmeros países não forneceram dados confiáveis à OMS, que estima que a pandemia causou quase o triplo de vítimas nesses três anos, ou seja, ao menos 20 milhões de mortos.

Para isso, baseia-se no cálculo da sobremortalidade, que é a diferença entre o número real de mortes e o número estimado de óbitos em tempos normais.

As 20 milhões de vítimas mencionadas pela OMS incluem as mortes diretas por coronavírus e também as mortes devido ao impacto da pandemia nos sistemas de saúde.

O movimento #MeToo levou muitas mulheres no mundo a reagir à violência sexista e às agressões sexuais. Seguem alguns depoimentos ouvidos pela AFP.

"Revelar meu segredo"

"Nunca imaginei que um dia explicaria minha história e revelaria meu segredo, mas depois de ter lido tantos depoimentos de mulheres vítimas de agressões sexuais, me motivei a dar este passo" explicou à AFP "L", tunisiana de 26 anos, agredida na infância.

"É como se tivesse desbloqueado algo em meu interior. Me motivou a mudar de vida, a ser feliz. Me tornei mais forte, já não quero ser a pessoa passiva que tem medo de tudo", afirmou.

Seus pais se opuseram fortemente à apresentação da denúncia por temer que sua filha fosse rejeitada "em uma sociedade infelizmente muito conservadora".

"L." decidiu falar em alto bom som o que aconteceu com ela. "Comecei com meus pais, minhas irmãs, minhas tias, minhas primas. Tentei fazê-los compreender que ter uma vítima de estupro (na família) não é nenhuma vergonha".

"Reavaliar meus anos de juventude"

"Fiz um estágio com um congressista nos anos 2000", explica à AFP Louise (seu nome foi alterado a seu pedido), uma americana de 36 anos.

Rapidamente um membro da equipe a convidou para jantar, ela recusou. Por anos, mantiveram uma relação de amizade, mas o homem costumava "fazer comentários inoportunos".

"Não dava importância, sempre encontrava desculpas", explicou.

Esse funcionário acabou sendo denunciado publicamente com a eclosão do movimento #MeToo. "Não me surpreendeu realmente", afirma esta americana, acrescentando que o episódio lhe deu a oportunidade de "reavaliar meus anos de juventude".

"Esta experiência me abriu os olhos. Eu estava tão acostumada aos comentários inapropriados dos homens que os dele pareciam normais".

"Atualmente trabalho em Washington, é difícil para mim entender a maneira como a mulheres são tratadas", explica. "Tenho a impressão que muitos pensam que podem fazer o que querem porque têm poder".

"Me deu forças para denunciá-lo"

Gabriela Ortiz, de 26 anos, foi agredida sexualmente no ano passado por um amigo de seu companheiro, com a cumplicidade dele, durante uma tarde no México.

O movimento #MeToo lhe deu forças para denunciá-los. "Começaram a surgir muitas denúncias e então compreendi que, ainda que possa parecer um clichê, não estamos sozinhas", disse à AFP.

Funcionária de uma empresa de serviços financeiros, Gabriela decidiu também denunciar seus agressores nas redes sociais.

"Mostrar que podemos falar sobre isso"

"Antes do #MeToo não era possível falar sobre estupros", explica à AFP Nazreen Ally, de 43 anos, moradora de Durban, na África do Sul.

Chefe de uma empresa de segurança, Ally foi estuprada aos 13 anos e relatou sua experiência no início do movimento.

"Quando comecei a falar, muitas mulheres dividiram suas histórias comigo e percebi que outras mulheres também sofriam em silêncio", descreve.

"Comecei a me abrir progressivamente sobre o tema, para demonstrar às mulheres que também poderiam fazê-lo".

"Aplicar os princípios feministas"

"Dentro de mim, me sentia feminista, mas não me atrevia a aplicar" essa ideologia, explicou à AFP Karine Zerbola, de 49 anos, gerente de um bar em Annecy, França.

Zerbola afirma que já não admite piadas sexistas.

O movimento #MeToo "me confirmou que os comportamentos de alguns homens foi durante muito tempo desrespeitoso e que isso não era normal", explica.

Essa reflexão a levou a "prestar muita atenção" à "paridade", diz.

"Contrato o mesmo número de homens e mulheres e todo mundo faz o mesmo trabalho", explicou.

Acelerar o ritmo da vacinação infantil para 1 milhão de doses aplicadas por dia poderia aumentar o impacto da proteção coletiva e salvar mais vidas até abril, afirma uma nota técnica elaborada pelo Grupo de Modelagem da Dinâmica de Transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil, que reúne pesquisadores de diversas instituições e recebe apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Os pesquisadores desenharam dois cenários a partir de meados de janeiro, quando começou a vacinação infantil contra Covid-19 no Brasil: um com a vacinação de crianças no ritmo atual, considerado lento, com a aplicação de 250 mil doses por dia; e outro, considerado ideal, com 1 milhão de doses aplicadas por dia, patamar que o Programa Nacional de Imunizações já conseguiu atingir em outras campanhas de vacinação desse público.

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No ritmo atual, os pesquisadores estimam que 1.092 vidas de todas as faixas etárias serão salvas pela vacinação infantil até abril, e 5,7 mil pessoas deixarão de ser internadas com Covid-19. Se forem consideradas apenas as crianças de 5 a 11 anos, o estudo estima que cerca de 2,3 mil internações deixarão de acontecer e 182 vidas serão salvas.  

No outro cenário, em que a vacinação teria começado no ritmo ideal em meados de janeiro, com 1 milhão de doses por dia, o número de vidas salvas até abril subiria para 3 mil em todas as faixas etárias, sendo 428 mortes evitadas em crianças de 5 a 11 anos. Neste cenário, os pesquisadores estimaram que 5.419 hospitalizações de crianças deixariam de acontecer e cerca de 14 mil internações se forem consideradas todas as idades.

Coordenadora da pesquisa e integrante do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da Organização Mundial da Saúde (Sage/OMS), Cristiana Toscano explica ainda que, se o cenário atual, de ritmo lento, mudasse para o de ritmo ideal, ainda seria possível chegar a um número de 1,9 mil mortes evitadas em todas as faixas etárias até abril, em vez de 1.092 no cenário atual. Em relação às vítimas infantis, seriam 246 a menos, em vez de 182 na projeção do ritmo atual. Os números de internações que deixariam de acontecer subiriam de cerca de 5,7 mil para 8,4 mil em todas as faixas etárias, e de 2,3 mil para 3 mil entre as crianças.

Desinformação

Apesar de os benefícios da vacinação serem amplamente divulgados pela comunidade científica, ela avalia que há um cenário de muita desinformação circulando principalmente nas redes sociais.

"A gente está com um gargalo de demanda. Em muitos locais, há vacinas disponíveis e parte dos pais ainda tem insegurança e hesitação e não está procurando os postos para vacinar as crianças", afirma a pesquisadora, que também é representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em Goiás.

"Esses resultados têm a capacidade de mostrar de um ponto de vista bem quantitativo o impacto que uma estratégia de vacinação mais intensificada e com uma maior procura por parte das famílias poderia resultar em um número bastante importante de óbitos e hospitalizações evitadas".

Além de informações falsas espalhadas por grupos antivacina, a infectologista aponta que há uma ideia errada de que não há risco de casos graves em crianças. Com a circulação da variante Ômicron, muito mais transmissível, ela destaca que o grande número de casos tornou as internações infantis por Covid-19 mais frequentes. 

"A população ainda está com uma percepção de que doença grave em criança não vai acontecer. E não é bem assim. Só no mês de janeiro, o número de hospitalizações triplicou em crianças e adolescentes. E não é só no Brasil. Nos Estados Unidos, quadruplicou com a circulação da Ômicron", explica, ao acrescentar que, além do maior número de casos, o vírus também tende a circular de forma mais intensa em grupos populacionais com menor cobertura vacinal, o que é o caso das crianças. 

O estudo lembra que, após a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos, em meados de dezembro, a vacinação dessa população no Brasil começou "em meio a intenso debate e circulação de fakenews".

"Esta introdução ocorreu em meio a muitas dificuldades operacionais e acompanhada de poucas estratégias de mobilização e comunicação sobre a importância da vacinação neste grupo de idade. Em combinação, todos esses fatores podem estar contribuindo para a baixa cobertura vacinal observada até o momento, correspondendo, até 7 de fevereiro de 2022, a menos de 20% das crianças na faixa entre 5 a 11 anos com a primeira dose da vacina. Ressalta-se que há variação importante de cobertura vacinal entre os estados brasileiros, com alguns estados apresentando coberturas extremamente baixas, em torno de 4% apenas". 

Benefícios subestimados

Ainda que o estudo aponte que um ritmo mais intenso de vacinação poderia salvar até o triplo de vidas no curto prazo, o benefício desse cenário de imunização acelerada ainda pode estar subestimado.

Cristiana Toscano explica que o estudo não considerou os casos que poderiam ser evitados de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, complicação da Covid-19 mais comum em crianças, nem os riscos de sequelas e casos de Covid-19 longa, que também têm sido registrados na população infantil.

"Inicialmente, a gente tinha documentado a ocorrência de covid longa em pessoas com doença grave e internadas, e fomos vendo que não bem assim, não é só nesses casos. Tem covid longa acometendo órgãos do sistema cardiovascular, do sistema neurológico e cognitivo, causando déficit de aprendizado, alteração de condições metabólicas", cita a pesquisadora. "Muitas dessas condições também estão sendo observadas em crianças".

Com a vacinação de crianças em curso em dezenas de países, a infectologista reforça que a segurança das vacinas têm sido confirmada ao redor do mundo com a observação de mais de 40 milhões de doses aplicadas, e que casos de eventos adversos mais graves, como a miocardite ou a trombose, têm se mostrado extremamente raros. Além disso, ela compara que a própria Covid-19 causa essas complicações com muito mais frequência.  

Economia

Com a redução de mortes e internações por Covid-19, o estudo também calcula que uma vacinação mais acelerada poderia reduzir os custos com o tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus. 

Segundo a pesquisa, no ritmo lento, a vacinação de crianças pode evitar um custo de quase R$ 60 milhões com internações de doentes de todas as faixas etárias, economia que poderia chegar a R$ 87 milhões até abril se o ritmo subisse para 1 milhão de doses por dia.

Caso o cenário ideal tivesse ocorrido desde meados de janeiro, poderiam ser evitados R$ 146 milhões em custos de internação.

O ex-governador do Ceará e presidenciável Ciro Gomes (PDT) afirmou, nesta quarta-feira (30), que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) trocou a vida de centenas de brasileiros por um "punhado de dólares". 

O posicionamento de Ciro é exposto após vir à tona a denúncia de que o governo Bolsonaro teria cobrado propina de US$ 1 por vacina a Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, em troca de contrato com o Ministério da Saúde. A revelação foi feita pelo jornal Folha de São Paulo.

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Em publicação no Twitter, Ciro escreveu: "Não era só incompetência e negacionismo. Era propina e corrupção! Um punhado de dólares trocados por centenas de milhares de vidas. Esse é o valor que o povo brasileiro tem para o governo Bolsonaro."

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Pouco depois, Ciro Gomes também usou a mesma rede social para provocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ciro tem travado um embate contra Lula em busca de êxito na disputa pela Presidência da República em 2022. 

O ex-governador do Ceará disse que Lula não pode falar sobre corrupção e lembrou que o atual líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros, foi vice-líder do governo do petista. 

"Aliás, cadê a opinião do Lula sobre esses escândalos todos? Olha a encalacrada que nós caímos: o principal líder da oposição até o presente momento não deu uma palavra sobre esta absurda corrupção na roubalheira em vacinas", afirmou. "Não fala nada porque na hora que ele falar em corrupção a turma manda ver Palocci, Sérgio Machado, Eunício Oliveira... Manda ver Ricardo Barros, que era vice-líder do governo Lula", emendou Ciro.

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Nesta sexta-feira (15), o cientista político Adriano Oliveira comenta em seu podcast sobre o que há por trás das opiniões e raciocínios de políticos, veículos de imprensa e autoridades sanitárias no que diz respeito à necessidade de continuar mantendo a população em quarentena para combater o Covid-19. Oliveira trata em sua fala do esforço em transformar pensamentos subjetivos em algo objetivo, considerando o isolamento social como uma vacina contra o coronavírus. Adriano apresenta sua visão sobre o tema e mostra que há, segundo ele, equívocos na formulação dessas premissas. O comentarista demonstra que o ponto fundamental é a de que o afastamento das pessoas é relevante para que haja uma diminuição do número de pessoas infectadas durante um espaço de tempo, o que salva vidas e reduz a procura pelos serviços de saúde. Porém, o outro lado da moeda é justamente a diminuição da produção e geração de renda, o que afeta de forma contundente a área econômica do país.        

Oliveira detalha o problema que está posto no Brasil, e em diversos países, e que precisa de solução urgente: salvar vidas X salvar a economia, e segundo o cientista político a variável Tempo precisa ser levada em consideração nesta equação. Adriano fala que com o endurecimento do isolamento, com medidas restritivas mais pesadas, a tendência é que haja uma inevitável quebra da economia. Ele questiona até que ponto o discurso de salvar vidas irá suportar a pressão dos problemas sociais e econômicos ligados ao isolamento mais rígido e prolongado. 

Adriano Oliveira conclui que é papel do analista decifrar os cenários e hipóteses que podem ocorrer no Brasil em um futuro próximo. Segundo ele aponta, a defesa da quarentena estendida pode começar a surtir efeito negativo na popularidade dos governadores, visto que o governo federal segue com a narrativa de que é preciso salvar os empregos e a economia, enquanto os estados precisam procurar formas de manter as pessoas em casa por tempo ainda indeterminado.         

O podcast de Adriano Oliveira tem duas edições, nas segundas e nas sextas-feiras. Além disso, também é apresentado em formato de vídeo, toda terça-feira, a partir das 15h, na fanpage do LeiaJá.

Confira esta análise a seguir:

Com o carro estacionado na saída das ambulâncias da garagem da Sede do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), localizado no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, a reportagem foi avisada do primeiro chamado por volta das 11h. Um homem de cerca de 60 anos de idade, após um mal estar, entrou às pressas no Hospital de Boa Viagem (CMUB) e ligou para a central. Ao ser atendido, via telefone, por um médico, ele teve seu quadro avaliado como suspeito para a Covid-19.

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A partir de então, o procedimento padrão adotado pela Prefeitura do Recife é posto em prática. Quatro socorristas são deslocados em ambulância até local do chamado, trajando, por cima do tradicional fardamento, botas, luvas, máscaras, viseiras e óculos de proteção, além dos macacões impermeáveis (e descartáveis, já que não podem ser reutilizados), adquiridos pela administração municipal ainda em janeiro. No Recife, a vestimenta recomendada pelo Ministério da Saúde- avental, gorro, luvas e máscara- só é utilizada para ocorrências categorizadas como leves pelo médico responsável pelo contato inicial com a central. Por um dia, o LeiaJá acompanhou os trabalhos de resgate do Samu, que viu sua demanda crescer em até dez vezes em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

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O quarteto de socorristas só precisa de cerca de quinze minutos para retirar o paciente do interior do CMUB e acomodá-lo em uma maca no interior da ambulância. Assim como qualquer outro ambiente fechado, o veículo oferece mais riscos de contaminação do que ambientes abertos. Por isso, é possível observar que a viatura segue por todo o itinerário com as janelas abertas e com o ar condicionado desligado, para possibilitar a troca de ar com o ambiente  obedecendo aos protocolos de segurança da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O trajeto é concluído na Policlínica Amaury Coutinho, em Campina do Barreto, na Zona Norte do Recife. Após o procedimento e retorno à central, a equipe retira e descarta todos os equipamentos de proteção utilizados no resgate.

De acordo com o coordenador geral do Samu Metropolitano do Recife, Leonardo Gomes, a aquisição antecipada dos equipamentos foi fundamental para o aperfeiçoamento do serviço em  tempo hábil. “O treinamento também começou em janeiro, muito antes da pandemia, para que as equipes aprendessem a vestir e tirar a roupa. Os profissionais também receberam orientação sobre a avaliação de um possível caso de síndrome respiratória aguda grave”, comenta o coordenador geral do Samu Metropolitano do Recife, Leonardo Gomes.

Demanda

No início da tarde, outro quarteto de socorristas recebeu a tarefa de transferir um paciente de cerca de 60 anos internado no Hospital Evangélico, no bairro da Torre, na zona norte do Recife, para o Hospital de Campanha dos Coelhos, no centro da cidade, destino previamente decidido pela central antes da saída da viatura. Apesar disso, a Secretaria Municipal de Saúde já admite que, como consequência da maior busca pelos hospitais, também cresceu o tempo em que as ambulâncias circulam com os pacientes até que consigam entregá-los em segurança às unidades de saúde.

“No início, a gente teve uma queda de 20% da demanda, com a menor circulação de pessoas: menos pedestre, menos carros, menos bicicletas, menos acidentes. Só que agora, mesmo com essa baixa, o Samu passou a ser muito mais solicitado, então estamos com mais atendimentos do que antes”, comenta o coordenador geral do Samu Metropolitano do Recife, Leonardo Gomes.

Segundo os dados oficiais, entre os dias 12 de março e 26 de abril, foram registrados 877 atendimentos de casos suspeitos da Covid-19. Enquanto em abril de 2019, por exemplo, a central registrava de três a cinco ocorrências do tipo por dia, no mesmo mês deste ano, o número equivalente é de 50 ocorrências. Para responder às diligências, o Samu Metropolitano conta com um total de 500 profissionais disponíveis para irem às ruas e 30 ambulâncias, das quais 24 são Unidades de Suporte Básico e seis consistem em Unidades de Suporte Avançado (UTIs móveis).

Socorristas contaminados

Apesar dos treinamentos e vestimentas específicas para lidar com os pacientes acometidos pela covid-19, não há garantia total de que os socorristas escaparão da contaminação. No momento, o Samu mantém 97 profissionais afastados por terem apresentado sintomas da doença. “O pior ainda não chegou. A melhor forma de salvar vidas e ajudar esses profissionais a diminuir a sobrecarga é ficar em casa”, enfatizou o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo.

Leonardo Gomes lamenta o descompasso entre a orientação dada pelo governo federal, resistente ao isolamento social, e aquela adotada em conjunto por Prefeitura do Recife e Governo de Pernambuco. “O isolamento social é fundamental para que a doença não chegue ao mesmo tempo para um maior número de pessoas. Imagine o Samu recebendo 50 notificações ao mesmo tempo? Não conseguirei de atender a 20. Nenhum ser humano vivo passou por um momento como esse e nós profissionais de saúde enfrentamos o maior desafio de nossas vidas. Fique em casa para nos ajudar e ajudarem a si próprios”, apela Leonardo Gomes.

Confira o equipamento de proteção para casos de alto risco:

 

Fotos: Júlio Gomes/LeiaJá Imagens

Presidente da República e ministros do Poder Executivo que deixarem de implementar políticas públicas para prevenção ou reação a situações de calamidade pública ou de desastre natural poderão cometer crime de responsabilidade. É o que estabelece o Projeto de Lei (PL) 1.043/2020, apresentado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). A proposta aguarda designação de relator.

O senador observa que, quando o poder público trabalha de maneira eficiente para prevenir ou enfrentar calamidades e desastres, há importante redução nos prejuízos sofridos pela população nesses momentos.

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"Apresento este projeto porque considero que uma punição mais grave aos administradores, quando são omissos na implantação de políticas públicas para prevenção e respostas a calamidades e desastres, visa colocar fim a uma cultura de descaso que, infelizmente, tem nos custado vidas, afetado o meio ambiente e, inclusive, a economia", afirmou Contarato à Agência Senado na sexta-feira (17).

Em sua opinião, é justo que os governantes sejam cobrados e punidos de forma contundente quando a omissão provoca significativa perda de vidas humanas. O projeto inclui a omissão frente a desastres e calamidades na lista de crimes de responsabilidade contra a segurança interna do país.

“Não é crível que, em um país que busca alcançar o pleno desenvolvimento, não se tenha a adequada atenção de seus governantes na implementação de ações voltadas à prevenção ou resposta de desastres e calamidades, sobretudo quando se tem em vista que o Estado tem o dever de buscar todos os meios para salvaguardar o bem jurídico máximo, que é a vida humana (art. 5º, caput, da CF). É imperioso, portanto, imprimir uma sanção ainda mais grave sobre esse tipo de omissão para que haja uma verdadeira mudança na postura que o Poder Público tem ao enfrentar situações de calamidade e desastres”, afirma Contarato na justificação de seu projeto de lei.

O PL 1.043/2020 altera a Lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por presidente da República, ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, governadores e secretários de Estado. O crime de responsabilidade é a infração cometida por agente público, com abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo, emprego ou função. Os crimes de responsabilidade, diferentemente dos crimes comuns, não têm natureza penal, sendo punidos com sanções como perda do cargo e inabilitação para exercício de cargo ou função pública. 

São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República ou de ministros que atentem contra: a própria Constituição; a existência da União; o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade administrativa; a lei orçamentária; o cumprimento da lei e das decisões judiciais e “a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos”.

Da Agência Senado

*Enviada especial do LeiaJá a Brumadinho (MG)

Na série de reportagens "Brumadinho - O que restou depois da lama", o LeiaJá viajou pela cidade de Brumadinho ouvindo relatos de pessoas afetadas pelo rompimento da barragem.

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Conceição nunca imaginou viver esse momento, o qual ela considera "um filme de terror sem fim". Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

“Isolados aqui para morrer no esquecimento”, resume Conceição Assis, 69, moradora do vilarejo Córrego do Feijão, localizado na área rural de Brumadinho, em Minas Gerais. A tragédia provocada pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, no último dia 25 de janeiro, ainda assombra os pensamentos da aposentada, que nasceu, foi criada no bairro e não pretende se mudar. Ela teme, no entanto, que o ‘Feijão’ nunca mais será o mesmo e deve ir se esvaziando ao longo dos próximos meses.

“A gente tem o nosso quintal e plantamos as nossas coisinhas, era um lugar de sossego. Passei por todas as minhas dificuldades aqui e as superei, tenho uma relação muito forte com o córrego. Agora aqui acabou, não tem mais a nossa calmaria. Sei que meus filhos não vão me deixar ficar aqui sozinha, estou na esperança disso ter logo um fim para eu decidir meu rumo”, relatou Conceição, que segue angustiada desde o dia do rompimento da barragem.

Há anos que os 400 moradores do Córrego do Feijão não viam um enterro de alguém que vivia na pequena comunidade rural. Conceição, que já perdeu as contas de quantos amigos teve de enterrar após a tragédia, ainda espera pelo corpo da nora Angelita Cristiane Freitas De Assis, enfermeira que prestava serviços para a Vale. “Meu filho nem conseguiu falar com ela pelo telefone porque a lama veio de uma vez. Ela estava no refeitório e não teve tempo de nada, não acharam até hoje o corpo dela. Isso para mim está sendo um desastre”, desabafou a moradora do Feijão, que conta com a ajuda dos bombeiros para não perder as esperanças de localizar o corpo de Angelita.

Angelita Cristiane Freitas De Assis ainda não foi localizada. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

As lembranças do mar de lama, que invadiu sem pedir licença ou bater na porta dos moradores desse bairro, não devem se apagar nunca mais. Recomeçar é o que mais querem, porém os caminhos ainda estão escuros e interrompidos pela avalanche marrom que ceifou vidas e a moradia de muitas pessoas.

Conceição não esqueceu nenhum segundo do fatídico dia. Lembra como se fosse ontem que estava se organizando para ir à fisioterapia, quando percebeu que a energia da casa acabou. Não estava chovendo e apesar disso, ela se recorda de ter ouvido uma explosão. "Achei que tinha sido um transformador", falou. Poucos minutos depois, deixou a escova de cabelo de lado quando ouviu a vizinha da frente gritar por socorro. "Ela dizia 'socorro, me ajuda. A barragem da Vale rompeu'. Eu pedi para ela ter calma porque não estava acreditando. Eu tenho pressão alta, fiquei passando mal. Me dei conta de que era verdade quando muita gente se juntou e começou o inferno. Todo mundo correndo para os locais mais altos", disse.

Ela e seus vizinhos precisaram migrar de um canto para o outro até que ela decidiu voltar para sua casa, que fica localizada na região mais alta do bairro. “Estamos vivendo um filme de terror. A gente não se concentra porque fica esse assunto e não sabemos se vamos sobreviver ficando aqui. Eu não esperava viver uma passagem dessa na minha vida, ainda mais morando por aqui”.

O lamaçal, com até 30 metros de profundidade, borrou de marrom, para sempre, a história do vilarejo. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Em abril de 2018, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou o estudo “Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana”. O levantamento avaliou 271 pessoas, das quais quase um terço foi diagnosticado com depressão. A taxa é próxima à encontrada imediatamente após o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.

As consequências psicológicas para a população de Brumadinho também devem ser sérias, já o Corpo de Bombeiros contabiliza mais de 180 mortos identificados e 130 pessoas desaparecidas. O cemitério do vilarejo ficou pequeno. Os coveiros precisaram abrir covas às pressas porque todos os dias estavam sendo localizados corpos. Atualmente, após mais de um mês do ocorrido, o trabalho do Corpo de Bombeiros continua, mas encontrar os corpos ficou mais difícil diante da lama endurecida.

Dona Cota, o filho Rangel Henrique e o seu esposo Noé Henrique. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

As circunstâncias de tristeza e desespero que a onda marrom causou fez com que Maria das Dores, 52, se sentisse abençoada por localizarem o corpo de seu filho Rodrigo Henrique de Oliveira, 30, operador de máquinas na Vale. Após 16 dias do rompimento, Dona Cota, como é conhecida no bairro, recebeu a notícia num misto de alívio e agonia. Ela se sentiu feliz porque diante da situação em que muitas pessoas continuam embaixo da lama, realizar o velório formal de seu filho foi uma vitória.

“Eu pedia que Deus cuidasse dele seja lá onde estivesse. Na lama, no hospital ou no IML. Eu pedia demais para que quando o encontrassem, ele estivesse inteiro e não aos pedaços. Eu tenho quatro filhos e o Rodrigo era um filho da promessa. Fui abençoada, me entregaram o corpo dele inteiro, não do jeito que a gente queria porque com 16 dias a gente não ia encontrar o corpo normal. A decomposição estava avançada, mas ele estava completo”, explicou a mãe.

Dentre tantas consequências, a avalanche de lama ainda deixou cerca de 80 pessoas desabrigadas. O Rio Paraopeba foi contaminado e produtores rurais da região perderam tudo. "Eu não sei o que vai ser do Córrego do Feijão, na hora que todos forem embora, que acabarem as buscas. Eu acredito que será um vazio muito grande", afirmou Dona Cota. Ela é mais uma moradora que não pretende sair da sua casa pelas relações que construiu ao longo da vida no Feijão.

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Rangel Henrique de Oliveira, 24, descreve o dia antes do rompimento da barragem. “O meu irmão era o melhor profissional que já conheci. Todas empresas o queriam pelo seu potencial. No dia 24, ele veio na casa dos meus pais, sempre fomos muitos unidos como família. Ele jantou, conversamos e foi embora. Nunca mais o vi”.

Após descobrir que o mar de lama tinha cedido, Rangel correu junto com outros moradores para a região da mineradora no intuito de encontrar sobreviventes. A lama é formada pelos restos deixados pela atividade de extração e beneficiamento do minério de ferro, principal metal explorado na mina Córrego do Feijão. “As famílias iam chegando desesperadas na frente da lama e parecia que não existia mais nada, destruiu tudo. Parecia outro local. Na hora eu me dei conta, cadê o meu irmão? Desabei em seguida”, relembra.

Meses antes, em 2018, Rangel, que é um dos membros da associação dos moradores do bairro, acompanhou visitas estratégicas dentro da comunidade para a apresentação de uma projeto emergencial, caso tocasse a sirene. “Eles vieram aqui, a Defesa Civil, e informaram que em caso de vazamento, deveríamos ir para um local seguro. A gente suspeitava de um certo risco, mas eu penso que eles sabendo disso, deixar essas construções embaixo da área da barragem seria muita insensatez. E foi o que aconteceu. Não deu tempo de correr. Nós que estamos a três quilômetros dela sentimos um grande impacto, imagina  quem estava a poucos metros. Hoje a lágrima pode até ter secado, mas não é algo que se esquece”, frisa.

O neto de Vicentina é Wesley Eduardo de Assis, 37 anos. Ele trabalhava como operador de máquinas e estava na barragem no momento do rompimento. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

O povoado começou a ser habitado na década de 1940 e Vicentina Gomes, 83, assistiu a tranquilidade de seu bairro perder espaço para o motor das aeronaves. Ela mora com o seu marido, também idoso, o aposentado José Maria das Candeias, 72. Ele em dificuldades de se locomover e conta com a ajuda da esposa para viver. “Imagina eu ter que correr caso essa sirena toque um outro dia, eu não vou conseguir com ele”, lamenta.

Vicentina sente saudades do neto Wesley Eduardo, 37, que também faleceu após o rompimento da barragem. Em tom saudoso, ela chora ao lembrar do cuidado que o falecido tinha com ela. “Ele vinha sempre me ver, cuidava de mim. Eu o criei, sabe? Fui como uma mãe e de repente, a pessoa partir assim por falta de organização da Vale, é uma sensação horrível, minha filha”.

Ela teme ficar sozinha no bairro com medo de adoecer e não ter a quem pedir socorro. “Peço a Vale que resolva essa situação, se ela quiser comprar a minha casa, eu me mudo para Brumadinho para ficar perto de outros filhos. Meu marido não anda e os nossos vizinhos estão partindo. Com quem vamos ficar?”, questiona.

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Neiva Ferreira, 60, sentada na escadaria que dá acesso à Estação do Conhecimento de Brumadinho, que se tornou provisoriamente um centro de acolhimento para as demandas dos moradores da região que foram afetados com o rompimento da barragem, observa a movimentação. Ela tinha ido à localidade para resolver demandas burocráticas e pedir ajuda após perder a filha Jussara Ferreira dos Passos, 35, camareira da Pousada Nova Estância, coberta pela lama.

Ela admite estar parada no tempo desde o último dia 25 de janeiro. "Não apagou nada. Eu tinha um filho trabalhando na barragem e uma filha na pousada. Só um escapou", relembra. Ela destaca ainda que apesar da Vale divulgar que está apoiando os moradores, muitos estão passando necessidades. Neiva precisava da água proveniente do Rio Paraopeba para sobreviver, cuidar das plantas, alimentar seus bichos. "Quero que eles coloquem uma caixa d'água potável na minha casa porque estou numa situação desumana".

O corpo de Jussara foi localizado poucos dias depois do ocorrido. "Já enterrei a minha filha e sei que ela não vai voltar. Agora quero os meus direitos, não é questão de ganância, mas é pensar com a razão. Espero que aqui não fique no esquecimento como foi em Mariana. As pessoas seguem desorientadas, esperando marmita. Quase todo dia tem um enterro. A gente ficava cinco, seis anos sem ir a um velório e agora só esperamos o corpo chegar".

Neiva aguarda por respostas da Vale. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Ao lado de Neiva, está o seu genro. Ele já conseguiu se despedir oficialmente de sua esposa Jussara, mas ainda não enterrou a mãe Giomar Custódio, que também trabalhava na pousada. "O ser humano hoje em dia prefere filmar a desgraça dos outros do que ajudar o próximo. Já pensou se as pessoas que estavam com o celular na mão tivessem gritado para todo mundo correr. A história poderia ser um pouco diferente", criticou o morador do Córrego do Feijão.

Gelson entrou dentro dos matos, correu, burlou os guardas e não conseguiu localizar a mãe e a esposa. A pousada já estava coberta de lama. Ele lamenta ter perdido as duas mulheres de sua vida e ainda não sabe por onde recomeçar.

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*Enviada especial do LeiaJá a Brumadinho (MG) 

Na série de reportagens "Brumadinho - O que restou depois da lama", o LeiaJá viajou pela cidade de Brumadinho ouvindo relatos de pessoas afetadas pelo rompimento da barragem.

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Terreno transformado após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Vinte e cinco dias de um tormento, angústia e da pior notícia que a família de Luciano de Almeida Rocha, 40, poderia receber. Roberta Cristina Ferreira, 37, sua esposa, nunca imaginou que a ligação recebida às 12h03, a qual não atendeu, poderia ser o último contato do marido com ela. Ele trabalhava com topografia, no ramo da geotecnia, em várias barragens de Minas Gerais e no último dia 25 de janeiro foi uma das vítimas após o rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho (MG). O corpo de Luciano segue debaixo da lama e pela lista oficial que contabiliza os números da tragédia, está desaparecido.

De acordo com boletim da Defesa Civil do estado divulgado no domingo (17), todos os óbitos já foram identificados. A tragédia na mina Córrego do Feijão, nos arredores da capital Belo Horizonte, deixou ainda 141 pessoas desaparecidas – entre funcionários da mineradora, terceirizados que prestavam serviços à Vale e membros da comunidade.

Apesar do termo oficial, Roberta já cansou de esperar e não nutre esperanças de que achem o corpo de seu marido para que a família possa enterrá-lo com dignidade. A viúva aceitou nos receber em sua casa, no Residencial Bela Vista, em Brumadinho, para a entrevista. Apesar de permanecer na residência com os três filhos após a tragédia, o desejo de Roberta é sair da cidade e tentar amenizar a dor que sente a cada notícia de que ainda não encontraram o que restou de seu marido.

“Agora estou sem chão e não tenho visão de futuro, fizemos planos, pouco depois do dia 25 de janeiro completamos vinte anos de casados, aniversário do meu filho, viagens e tudo mais, acabou. Ele até brincava que não queria ser enterrado, queria ser cremado porque era medroso. Foi enterrado vivo”, lamenta.

Luciano ao lado da família em um passeio por Minas Gerais. Foto: Arquivo Pessoal

Luciano Almeida, nas palavras de Roberta, era um homem trabalhador, vaidoso, carinhoso com a família e adorava bagunça. Ele não gostava de falar sobre seus sentimentos, mas no domingo antes da tragédia em uma conversa informal falou que não saberia o que fazer caso perdesse Roberta e que “ela era a mulher da sua vida”. Ele a conhecia desde a infância, eram amigos e costumavam brincar em um sítio de familiares em Brumadinho.

Há 21 anos, Roberta saiu de Belo Horizonte para casar com Luciano, seu primeiro namorado e amor. Tiveram cinco filhos, dos quais dois faleceram por problemas na gestação. “Fiquei com minhas três jóias. João, Maria e Miguel. Hoje são tudo que tenho para tocar a vida”, conta.

O caso de Brumadinho não é o primeiro desastre com barragens no Brasil. Há mais de três anos, no dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, deixou 19 mortos e causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais.

Com população de aproximadamente 40 mil pessoas, Brumadinho é uma cidade em que todos se conhecem, praticamente. Caminhar pelo centro do município, mais afastado da barragem que rompeu, não te distancia de sentir os danos que a tragédia causou aos habitantes. Todo mundo perdeu alguém. Seja da família ou um amigo. Se antes para localizar um endereço era preciso a ajuda do google maps, hoje as pessoas conseguem se guiar pela casa de “fulano que está desaparecido ou morto”.

Faixa pendurada no frente da Rodoviária de Brumadinho. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

Roberta relembra que seu marido não deveria estar na barragem da Mina Córrego do Feijão naquela sexta-feira. Era o dia dele ir para Congonhas, região central de Minas, onde também existem várias barragens. “Ele estava no local errado e na hora errada. Nem deveria estar ali, mas a caminhonete quebrou e ele ficou preso no escritório adiantando serviço”, relembra. Após perceber que tinha perdido uma ligação de Luciano, ela enviou mensagem pelo aplicativo WhatsApp, que ele nunca recebeu.

A dificuldade em acreditar que todo o pesadelo é real se mistura com as memórias recentes de como Luciano estava feliz no dia. Ele comprou salgados, fez pipoca e levou bolo para o trabalho porque era um dia em que eles confraternizavam. Pouco tempo depois, no horário de almoço, Roberta lembra do filho mais velho falar sobre a barragem ter rompido. “Achei que fosse mentira, mas aí minha sogra também comentou desesperada comigo. Eu telefonei para todo mundo de lá e nem chamava. Foi quando começou a passar na televisão e vimos tudo”.

No dia seguinte, o sábado, as buscas já tinham iniciado e vários trechos da região rural de Brumadinho tinham sido bloqueados em decorrência da passagem da lama. “Fui lá no Parque das Cachoeiras no sábado e tinha muita esperança de encontrá-lo com vida. Eles não nos deixavam passar e entrei pelos matos na casa dos outros. Os bombeiros estavam marcando os locais onde estavam os corpos. Sei que é triste, mas eu precisava chegar perto para acreditar. A última lembrança que tenho dele é dele indo trabalhar feliz”, relembra.

Roberta e os três filhos. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

O escritório onde Luciano estava foi completamente destruído pela lama. Nenhum pertence do topógrafo foi localizado. Roberta confessa que não gosta dessa espera e a cada minuto a sensação de impotência aumenta. Segue tomando algumas medicações para se acalmar e consegue passar o dia relativamente bem cuidando de seus filhos e dos sobrinhos. Mas quando o relógio se aproxima das 17h15, a saudade aumenta e as lembranças todas voltam. Esse era o horário que seu marido chegava do trabalho.

“Eu nunca fui de sentar e esperar as coisas e isso de ficar tendo que aguardar é o que está me matando. Eu não consigo agir de outra forma porque não tem o que eu fazer. Até um padre teve aqui e disse que corpo não vale nada, temos que ver a alma. Mas para a gente, é essencial. Minha filha me perguntou quando vamos enterrar o pai e eu não sei a resposta. Eu tenho muito medo de encerrarem as buscas sem que os outros sejam achados”, destaca Roberta.

A família do marido perdeu quatro pessoas. “Meu concunhado André Luiz, a Letícia Mara, prima do meu marido e o Gustavo, também primo dele. Os quatro trabalhavam para a Vale e foram embora de uma vez só, a família está muito abalada. Todos os três já foram localizados. A avó do Luciano disse para mim que ele seria o último a ser encontrado porque como ele era o mais velho ele iria guiar os primos mais novos. Mas até agora nada”.

"A avó do Luciano disse para mim que ele seria o último a ser encontrado porque como ele era o mais velho ele iria guiar os primos mais novos. Mas até agora nada”. Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, destacou em entrevista à imprensa que o incidente é uma "tragédia humana". Ele afirma que a maioria dos mortos pelo desastre são funcionários e terceirizados da empresa, já que, no momento em que a área administrativa foi atingida, havia centenas de pessoas trabalhando no local.

A dona de casa considera que o avalanche de lama que soterrou parte da cidade de Brumadinho não foi um “acidente” ou um “incidente”. Foi uma chacina. “Mataram todos eles, é a mesma coisa de atirar em um por um”, frisa. Mortes, destruição de casas, vegetação e vidas que foram manchadas pela lama e os efeitos de uma rotina calma destruída pela tragédia.

Os passos para superar ou amenizar a dor estão lentos. Roberta detalha que o único serviço prestado pela Vale foi um atendimento psicológico de uma profissional que foi até sua casa, mas não recebeu nenhum telefonema da empresa e não consegue encaminhar as questões burocráticas porque ainda não tem a certidão de óbito, já que Luciano segue desaparecido.

“Eu nunca fui de sentar e esperar as coisas e isso de ficar tendo que aguardar é o que está me matando". Foto: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

“Eles não me procuraram. Parece que estão fazendo favor e a gente tem de suplicar. Fiz o cadastro, mas não recebi nenhum dinheiro de doação, nem de pensão. Fui em uma assistente social na Estação do Conhecimento para saber se poderiam me ajudar com o material escolar dos meus filhos e ainda nada”, denunciou.

Segundo a Vale, até o dia 5 de janeiro, 107 pessoas já haviam recebido a doação de R$ 100 mil. No cadastro da empresa constavam 248 representantes de 229 vítimas registrados. Essa doação não é uma indenização, que será discutida depois com as famílias e representantes do poder público. De acordo com a mineradora, estão aptos a receber a doação representantes de empregados da Vale, de trabalhadores terceirizados e de pessoas da comunidade mortos ou desaparecidos, de acordo com a lista oficial validada pela Defesa Civil.

Roberta destaca ainda que não trabalha e a única renda dentro de casa era a do marido. Ele tinha feito uma promessa para a filha de que no dia 1º de fevereiro iriam comprar o material escolar completo com o tema “unicórnio”, mas não deu tempo. “Ela ficava abalada porque ele tinha prometido, são crianças e ainda não entendem. Arrumei dinheiro e comprei a mochila e os cadernos porque nessas horas a gente precisa pensar mais a frente, mas não fiz isso com a ajuda da Vale. Tenho os dados de sua conta, mas não tenho o cartão e fico nessa de esperar, esperar”.

Na casa de Roberta, os pertences de Luciano ainda estão todos no lugar porque ela não teve coragem de mexer em nada. A única exceção são suas fardas da Vale. Ela fez questão de retirar tudo de seu armário, empacotar e colocar na garagem. “Não quero nada dessa empresa criminosa. Um parente disse que viria buscar, espero que venha logo, quero isso longe da minha casa”, concluiu.

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A tragédia causada pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, a 57 quilômetros de Belo Horizonte, completa nesta segunda-feira (4) 11 dias de buscas. Lentamente, as pessoas tentam retomar o cotidiano. Voluntários buscam ajudar nessa tarefa, como um grupo de cabeleireiras e manicures, que abriram mão do lucro, para dar conforto a quem perdeu um parente ou busca notícias de um familiar desaparecido.

Com o semblante entristecido, a auxiliar de cozinha Leidiane Paula Araújo, de 24 anos, disse que estava ali para tentar melhorar a angústia de ter enterrado a mãe. Camareira de uma pousada, a mãe de Leidiane é um dos 121 mortos do desastre do último dia 25.

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“A gente tentando ficar feliz e fazendo a vida caminhar”, afirmou a auxiliar de cozinha, que fez o cabelo e as unhas. Ela levou a avó, que sofre com a perda da filha.

Ajuda

A manicure Rosemary Santos trabalha em um salão no centro de Brumadinho. Segundo ela, desde a tragédia só tem um pensamento: “tenho de ajudar”. A manicure contou que, apesar de não ter perdido parentes na tragédia, sente-se responsável por ajudar as famílias.

“Não tenho familiares, mas tenho conhecidos em Brumadinho”, disse a manicure. “É muito bom [estar aqui], acho que a gente ganha mais energia.”

A ideia de levar cabeleireiras e manicures como voluntárias foi do empresário Gabriel Augusto de Barreiras, de 26 anos. Segundo ele, cerca de 150 pessoas estão envolvidas na ação, além de outras iniciativas, como distribuição de água e alimentos.

“A gente vai diagnosticando as demandas”, afirmou o empresário. “A gente vai percebendo outras demandas, pensando em cuidar da saúde mental dessa galera”, acrescentou. “Nada vai pagar as vidas que se foram, a dor é imensurável.”

Dezenas de pessoas saíram em passeata pela área central do Recife, neste sábado (26), pedindo por mais tolerância, inclusão e menos mortes de pessoas LGBTQ+. Nessa ação, os participantes ostentam a bandeira “Vidas trans importam”, já levantando a discussão que deve se fortalecer na semana da visibilidade trans, programa para ocorrer a partir da próxima terça-feira (29). Com um pequeno trio elétrico, várias bandeiras coloridas se misturavam em um só ideal: o direito à vida.

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"Geralmente, a população LGBTQ+ sofre um processo de angústia muito grande e, quando eles estão assim, a primeira coisa que passa pela cabeça deles é que estão sozinhos. Estar do lado deles, trazer eles para junto e gritar pela vida deles fortalece essa população para enfrentar os desafios da sociedade", aponta Gi Carvalho, coordenadora do Mães Pela Diversidade.

A organização acentua que os seus filhos trans não têm que se transformar para serem aceitos pelo social, "mas a sociedade precisa se transformar para aceitar o meu filho", reforça.

Como primeira mulher trans advogada do Estado de Pernambuco, Robeyoncé Lima, codeputada estadual eleita pelas Juntas, também esteve presente na caminhada. "A gente quando vem pra rua trazer essa discussão, terminamos reavivando o debate sobre a discussão de gênero e sexualidade que a sociedade tenta o tempo todo 'abafar', e isso não é saudável para o convívio social", pontua.

Enquanto parlamentar, Robeyoncé assegura que após assumir o mandato coletivo com as outras quatro codeputadas, no dia 1º de fevereiro, trará mais fortemente a discussão sobre as vidas da comunidade LGBTQ+. "Quando se diz 'cidade insegura para essa população', estamos falando propriamente da morte das pessoas LGBTQ+, o que é uma perda fundamental dessa comunidade, que é o direito à vida. Por isso, será incidente a discussão de cidade segura para a população LGBTQ+".

Reforçando o discurso, a codeputada diz: "A política voltada para essa população será colocada em destaque para conseguir a educação inclusiva e o acesso à saúde para as pessoas LGBTQ+, inclusive no interior do Estado".

Em estado de transição, como faz questão de reforçar Jenifer, coordenadora trans do Ser Coletivo, aponta que as vidas trans importam porque, além de ser um dever da sociedade e do Estado preservarem essa população, “a comunidade trans é resistência. Não podemos 'deitar' para esse governo que está aí e vou ser feliz do jeito que sou”, conclui.

O estouro da barragem de rejeitos controlada pela Vale do Rio Doce, em Brumadinho, em Minas Gerais, está sendo considerado por muitos uma tragédia anunciada: três anos antes, em Mariana, no mesmo Estado, foi o maior desastre ambiental do país deixando 19 mortes e muita devastação. Por meio do Instagram, a apresentadora Fátima Bernardes questionou quantas mais vidas serão sacrificadas. 

“De novo, uma tragédia. De novo, pessoas inocentes perdem as vidas. O que foi feito depois do desastre ambiental de Mariana, MG, há três anos? Quantas mais vidas serão sacrificadas? Não há explicação que conforte a dor de tantas famílias”, lamentou acrescetando a hashtag #investigacaorigorosa e #tristeza. 

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Alguns internautas comentaram a publicação da apresentadora afirmando que não foi uma tragédia e, sim, um crime ambiental. “Não foi tragédia. Tragédia é um tsunami, um vulcão em erupção, foi crime ambiental mesmo. Um risco que toda barragem corre e que a empresa sabe. Aconteceu mais uma vez”, comentou a apresentadora Astrid Fontenelle. Fátima rebateu as opiniões. “Amigos, o fato de ser um crime ambiental não descarta a tragédia que se abateu sobre essas famílias”. 

Na madrugada deste sábado (26), o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais divulgou que o rompimento da barragem em Brumadinho já causou nove mortes. De acordo com a corporação, o número de desaparecidos pode chegar até 355 pessoas. 

A próxima terça-feira (29), Dia da Visibilidade Trans, é uma data muito simbólica para a classe LGBT, que continua em busca de mais tolerância, respeito e igualdade. Em alusão à data, no Recife, neste sábado (26), vai acontecer a Caminha Pela Vida Trans. A concentração será às 15h, no Derby, área central da capital pernambucana. Os militantes da causa irão sair em passeata até chegar na Rua da Aurora. 

Organizado pelo coletivo Mães pela Diversidade, a proposta também visa protestar contra a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, pela sua polêmica declaração: “Menino veste azul e menina veste rosa”. 

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No texto do convite, é destacado que cada um pode usar o que quiser. “Nossos filhos são livres para usar o que quiserem e amar quem bem entenderem. Mães e filhos trans sairão juntos para sensibilizar a sociedade e protestar contra o discurso da ministra sobre cor e gênero no último vídeo compartilhado nas redes.  Tudo que nossos filhos não precisam é ter sua existência atrelada a uma cor".  

Ainda é ressaltado que a família precisa resistir unidos. “Não queremos mais perder pro preconceito. Todos, LGBTs unidos, batucadas, filhos, mães, sociedade civil e tudo que for necessário pra mostrar pra essa ministra que LGBT não é piada e que a população trans resiste”. 

 

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A equipe de projetos em tecnologia assistiva do curso de engenharia mecânica do IFPE. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

A mágica precisa de apenas sete minutos para acontecer. Dos primeiros desenhos cuidadosos dos estudantes do curso de engenharia mecânica do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), uma impressora 3D é capaz de transformar vidas. Desde o ano de 2014, o professor Ângelo Costa e seus alunos trabalham na concepção e impressão de dispositivos que já auxiliaram 29 pacientes do Hospital das Clínicas (HC), localizado no Recife, acometidos por doenças como artrite, artrose e Parkison, todas responsáveis por causar de rigidez muscular, que dificulta a realização das Atividades da Vida Diária (AVD), isto é, tarefas básicas de autocuidado, como vestir-se, escovar os dentes e até alimentar-se. Viabilizado a partir de um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto é uma parceria com o Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“Começamos trabalhando apenas com Parkinson, depois fomos expandindo para outras doenças. Percebemos que o terapeuta faz o diagnóstico, mas precisa de certas ferramentas, que chamamos de adaptações, dispositivos que, muitas vezes, nem existem no mercado nacional”, coloca o professor Ângelo. A falta de equipamento faz com que os terapeutas mais habilidosos construam os dispositivos manualmente, com materiais adaptáveis ao corpo, como o espuma vinílica acetinada (EVA). “Nossa ideia foi entrar com a engenharia, para desenvolver produtos melhores e comercializáveis a um preço melhor”, completa.

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Utilizando o ABS como matéria-prima, a primeira grande demanda do grupo foi a produção do “engrossador”, conforme o professor batizou o dispositivo cilíndrico capaz de se acoplar a objetos como agulhas e canetas, devolvendo a capacidade do usuário de executar atividades importantes. “Outro produto criado por nós foi o abridor de zíper. Uma peça pequena, muito simples, que serve para abrir e fechar roupas ou mochilas sem que o usuário precise pedir ajuda o tempo todo”, explica Ângelo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 1% da população mundial com mais de 65 anos sofre de Parkinson e 200 mil brasileiros estão acometidos pela doença. Além da rigidez muscular e dos famosos “tremores”, em estágios mais avançados da enfermidade, os sintomas depressivos são as manifestações não-motoras mais frequentes entre os pacientes.

“Muita gente começa se enclausurar e ter medo de sair de casa para não passar pelo constrangimento de precisar de auxílio de outras pessoas para realizar ações simples, como ir ao banheiro ou pentear o cabelo. Para nós, é muito gratificante desenvolver algo que mudou a vida de alguém”, vibra o professor.

A escada é longa

Um total de 112 degraus, segundo a filha, ou 92 em sua modesta opinião. Dona Maria Amara da Silva sobe rumo ao culto evangélico. Inspira, perna direita, perna esquerda, perna direita, expira. Com os dedos do pé enrijecidos pelo Parkinson, a aposentada de 65 anos considera que “cada degrau é uma vitória” e batalha com o próprio corpo para continuar frequentando um dos poucos espaços de sociabilidade a que ainda tem acesso. Ela canta no coral da Igreja e louva “Jesus há 20 anos”, mas já sente a rebeldia da voz trêmula, imitando a tendência das mãos e das pernas, sobretudo em momentos de nervosismo. “Esse problema de Parkinson é terrível, deixa a pessoa debilitada”, resume. Diagnosticada como acometida pela doença desde o ano de 2010, Dona Maria foi uma das pacientes do HC que tiveram acesso aos dispositivos dos alunos do professor Ângelo durante as atividades fisioterapêuticas.

Dona Maria foi diagnosticada com doença de Parkinson no ano de 2010. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)

Ex-cabelereira talentosa e desenvolta com o público, Dona Maria se acostuma à timidez. As mãos, antes rápidas e bem entrosadas com todo tipo de cabelo, passaram de motivo de orgulho a causa maior do constrangimento diante dos conhecidos. “Começo a me tremer, o povo olha pra mim e fico com vergonha”, cochicha. Certa vez, ao precisar assinar alguns papéis antes de receber uma determinada quantia em dinheiro, ela precisou explicar o porquê de não conseguir reproduzir a própria assinatura, diante da desconfiança do receptor da documentação. “Ele olhou pra mim e disse: ’você está modificando a assinatura’. Às vezes fica igual, às vezes não. Fiquei toda constrangida”, conta.

A dificuldade de escrever, aliás, é comum entre os doentes de Parkinson. “Os pacientes sempre relatam dificuldades com a escrita. Pelo fato de se tratar de uma doença progressiva, todos acabam adquirindo os tremores e tendo uma piora na movimentação da musculatura”, coloca Andore Asano, neurologista do HC e um dos médicos responsáveis pelo tratamento de Maria Amara.

Dentre os equipamentos usados pelo hospital durante o tratamento de Maria Amara, o “engrossador” foi o responsável pelos exercícios de escrita. A paciente, embora tenha aprovado os procedimentos da fisioterapia, confessa se sentir envergonhada com a possibilidade de utilizar o dispositivo fora do tratamento. “Se eu levasse isso por aí você não acha que o povo ia ficar olhando não? Seria estranho chegar com uma caneta diferente, a não ser que fosse em casa mesmo, para ficar treinando”, comenta.

Formação humanizada

Embora os alunos pioneiros do projeto já tenham se formado, a determinação do professor Ângelo parece contagiar gerações inteiras de seu núcleo de pesquisas em tecnologia assistiva. O estudante Mineu Lins vibra com a oportunidade de, logo no segundo período, participar do desenvolvimento de iniciativas na área. “É muito estimulante. Engenharia não é só tecnologia, desenvolvemos equipamentos que serão utilizados por pessoas, isso é mais importante do que pensar em quanto o produto custará ou no lucro que dará. Isso humaniza nossa formação”, afirma o rapaz.

Um dos primeiros cadeirantes do curso, Mineu trabalha na adaptação do Instituto para pessoas que não podem andar. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

O gosto por montar e desmontar todo tipo de buginganga abriu o apetite do estudante para a engenharia. Um dos primeiros cadeirantes do curso de engenharia mecânica do Instituto, Mineu ganhou atenção especial do professor logo no primeiro período. “Por causa da minha vivência na cadeira de rodas, Ângelo me chamou para compor a equipe. A maioria dos engenheiros se baseia em teoria, eu tenho a prática. Também estamos desenvolvendo um projeto para adaptar a estrutura do curso para cadeirantes”, relata.

De acordo com Mineu, preliminarmente, a equipe acredita que a metodologia ideal é criar um exoesqueleto que permita ao cadeirante acessar toda o equipamento do IFPE. “Tenho muita dificuldade de mexer nas máquinas daqui. No mercado, sabemos que as empresas dificilmente vão trocar tudo para receber os cadeirantes, então acreditamos que o projeto seria mais interessante se adaptasse o estudante às máquinas”, explica Mineu.

 

 

Mineu trabalha ainda em um terceiro projeto em parceria com o professor Ângelo, voltado para a correção de postura de cadeirantes. “Não sinto nada abaixo da lesão, então não tenho como monitorar minha coluna. O projeto visa instalar vários sensores no assento, para que quando alguma parte do corpo estiver fazendo mais pressão do que o outro, o usuário seja notificado por um aplicativo de celular”, conta. Almofadas de ar com a finalidade de dividir o peso do corpo já existem, mas nunca com preço inferior a R$ 1 mil. Ao lançar mão de equipamentos nacionais, como o arduíno, a equipe espera baratear o produto. “Muito cadeirantes não estão saindo de casa com medo do que vão encontrar do lado de fora. Se eles souberem que tudo que tem do lado de fora é fácil, eles não ficarão isolados”, acredita.

Interdisciplinaridade

Lídia comemora a possibilidade de poder trabalhar com profissionais de diversas áreas, estando no segundo período. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Outra integrante do grupo de tecnologia assistiva, a estudante Lídia dos Santos comemora a possibilidade de conviver com profissionais de diversas áreas do conhecimento. “Facilita bastante nosso trabalho, porque cada profissional coloca um olhar diferente no projeto”, afirma ela. De acordo com o professor Ângelo, a oportunidade de atuar em equipes interdisciplinares ainda no segundo período é preciosa. “No mercado, é comum que muitas empresas atuem com esse tipo de dinâmica, que é muito difícil. Além disso, nenhum produto que a gente encontra é desenvolvido por uma única pessoa. Ainda que ele tenha um idealizador, existe uma equipe multidisciplinar envolvida em sua concepção”, conclui.

Reportagem integra a série “Além da técnica: a função social dos Institutos Federais”, que conta história dos dez anos dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, traçando um paralelo entre a contribuição dos projetos de extensão das instituições e o respaldo na sociedade, seja na forma de inclusão de classes mais baixas na educação, como também no benefício direto da população pelas pesquisas realizadas nos institutos. A seguir, confira as demais matérias da série:

Além da técnica: a função social dos Institutos Federais

Do campo ao campus: conheça a trajetória de José

Sons da inclusão: grupo cria óculos 3D para cegos

Dez anos dos IF’s: uma Coreia dentro do ensino brasileiro

O barco de alumínio atraca na beira do Rio Quixito. André Marubo salta para a terra e sobe por uma escada vacilante de madeira, até chegar à guarita improvisada do posto de vigilância que ajudou a erguer 13 anos atrás. Do barranco da Base do Quixito, escondida nos extremos da Amazônia entre o Brasil e o Peru, o marubo mostra o que sobrou do pequeno casebre onde vai passar alguns dias, antes de partir para a sua aldeia. Algumas estruturas do posto de vigilância ainda estão em bom estado, mas parte das vigas apodreceu. A palha da caranã que cobria o teto se esparramou pelo assoalho. André pouco fala. Ao ser questionado como é ver o esfacelamento do lugar que construiu, responde: "É triste. Tudo vai indo embora".

A decadência que aos poucos corrói cada lasca de madeira da Base do Quixito, unidade de fiscalização controlada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), é um exemplo de como tem sido a condução de ações de proteção dos povos do Vale do Javari, terra indígena que concentra o maior número de índios isolados e de recente contato em todo o mundo.

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Equipes formadas por indígenas e agentes da Funai procuram proteger a terra nesses extremos da Amazônia, uma área que abrange 84.570 quilômetros quadrados, o equivalente a dois Estados do Rio.

Essa imensidão de floresta contava, até pouco tempo atrás, com quatro bases da Funai em funcionamento para proteger cerca de 5 mil índios isolados e de recente contato. Cabia aos postos do Ituí-Itaquaí, Quixito, Curuçá e Jandiatuba barrarem a ação predatória que avança sobre a terra demarcada. Hoje esse trabalho está perto de ser inviabilizado.

Por nove dias, o Estado percorreu rios, trilhas e matas fechadas, trabalho que envolveu mais de 320 km de viagens de barco. A expedição em terra incluiu 22 km de caminhadas e foi autorizada pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

Isolado

No ano passado, Marco Targino, indigenista da Funai responsável pelo posto Quixito, chegou a ficar 192 dias isolado na base, porque não havia quem pudesse substituí-lo na função. "Foram seis meses e 12 dias no mato. Saí daqui surtado", lembra.

Até o início deste ano, havia apenas 19 servidores da Funai responsáveis por tomar conta de toda terra indígena em ações de fiscalização. Aos constantes cortes de orçamento da estatal, somam-se o encolhimento de seu quadro profissional e a desidratação de seus programas.

O Ministério da Justiça, que comanda a Funai, prefere não comentar. A Funai afirma que tem procurado formas de dar continuidade às atuais políticas de fiscalização. "A Funai seguirá trabalhando para tomar as providências necessárias à proteção desses grupos", afirma.

São palavras de difícil compreensão para André Marubo, que tenta arrumar um canto para dormir na Base do Quixito. Seu povo está entre aqueles de recente contato com não índios e, portanto, depende das ações de proteção. "Não somos nós que saímos daqui", diz. "Vocês é que vieram para cá." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Um drone branco com asas vermelhas parte de uma rampa de lançamento: a bordo, transporta sangue para o hospital de Kabgayi, oeste de Ruanda, a poucos quilômetros de distância.

Esta semana Ruanda apresentou a primeira base de drones que serão utilizados para abastecer de sangue 21 clínicas da região oeste do país. A base fica em Muhanga, a 50 km da capital do país, Kigali, e será inaugurada esta sexta-feira (14) na presença do presidente Paul Kagame.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a África tem a maior taxa de mortalidade materna do mundo por causa das hemorragias pós-parto. O acesso às transfusões de sangue é crucial para as mulheres do continente.

Ruanda não é uma exceção e a topografia íngreme do "país das mil colinas" dificulta o transporte por rodovias, sobretudo durante a temporada de chuvas.

"O sangue é um bem precioso e não é possível armazená-lo em grande quantidadee em cada centro de saúde do país", explica à AFP Keller Rinaudo, diretor geral da empresa americana de robótica Zipline, que projetou a base e seus 15 drones.

"O sistema permitirá ao governo de Ruanda fornecer instantaneamente transfusões de sangue vitais a qualquer cidadão no país em entre 15 e 30 minutos", garante.

O projeto é realizado com a colaboração da aliança internacional Gavi, criada no ano 2000 para facilitar a distribuição de vacinas em todo o mundo, e a Fundação UPS, que desembolsou 1,1 milhão de dólares.

O governo ruandês terceiriza o fornecimento das bolsas de sangue a Zipline por um custo quase equivalente ao do transporte viário, segundo a empresa americana.

Os drones "Zips" têm o formato de um pequeno avião. Funcionam com energia elétrica graças a baterias e dispõem de uma autonomia de 150 quilômetros. Cada drone pesa 13 quilos e pode transportar uma carga de 1,5 kg, o que representa três bolsas de sangue.

Os aparelhos partem com uma propulsão de 80 km/h da rampa de lançamento e alcançam até 70 km/h em pleno voo: podem realizar 150 entregas por dia de forma autônoma.

Sob uma tenda, os técnicos acompanham as operações em laptops e vários funcionários reúnem as pequenas caixas vermelhas de papelão equipadas com um paraquedas que contém as bolsas de sangue. Os aparelhos devem lançá-las quando estiverem a 20 metros do chão.

Em 2017 será construída uma segunda base com o objetivo de que os drones possam percorrer os 26.000 quilômetros quadrados do pequeno país da região dos Grandes Lagos. "São voos que salvarão vidas", comenta entusiasmado Gregg Svingen, diretor de comunicação da UPS.

"Hoje é o sangue, amanhã as vacinas", completa, antes de indicar que o projeto pode ser exportado para outros países.

Saúde e educação são campos de atuação que precisam estar juntos. Nesse contexto, existe uma profissão que aborda muito bem as características dessas duas áreas e ainda tem uma possibilidade de atuação que se expande para outros setores da sociedade. É o caso da Terapia Ocupacional, que também trabalha com os aspectos sociais e o trabalho.

O profissional da área atua para que as pessoas realizem forma independente e autônoma as atividades, que são importantes para o dia a dia delas. O público alvo são indivíduos com deficiência ou em situação de vulnerabilidade social. “Nós temos o objetivo de favorecer a participação das pessoas em suas atividades do cotidiano. Trabalhamos com indivíuos que têm limitações no desempenho de suas ações”, explica a coordenadora do curso de terapia ocupacional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Karina Pessoa (foto à esquerda). 

De acordo com a coordenadora, o profissional da área também atua nos ambientes de trabalho e até nas atividades de lazer das pessoas. “Vamos nas empresas analisar a realização das ações e organizar/adaptar o local para que os integrantes consigam desempenhá-las com conforto ou com o mínimo de riscos”, descreve a coordenadora. 

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Idosos, crianças, adolescentes e adultos são figuras presentes entre aqueles que utilizam os serviços prestados por um terapeuta ocupacional, inclusive pessoas em fase final de vida. Pelo fato de a profissão atender vários casos, esses tratamentos são feitos em parceria com trabalhadores de outras áreas, como a medicina, fisioterapia, psicologia, entre outras.

Formando o profissional

A graduação tem duração de quatro anos, com direcionamento para as áreas de saúde, social e do trabalho. Ciências biológicas é uma das áreas que aparecem com uma forte frequência no curso, além de conhecimentos básicos em ciências sociais. Segundo Ana Karina, a evasão no curso da UFPE é mínima e possui 18 vagas disponíveis em cada período do ano.

A jovem Luise Tszesnioski (foto à esquerda) está no nono período da graduação na UFPE. A universitária não tinha ideia sobre o que fazia um terapeuta ocupacional, e só tomou a decisão de fazer o curso após conversar com uma amiga. “Através dessa amiga eu conheci o que é a terapia ocupacional. Eu fui fazer o curso pensando em ajudar pessoas com deficiência física. Na graduação passei a entender que a agente tem que compreender o que limita os indivíduos a fazer algo”, conta a aluna.

De acordo com Luise, a graduação aborda todas as áreas do ciclo básico de saúde, como genética, bioquímica e embriologia. Porém, ela destaca a parte prática como mais interessante. “O contato com as pessoas é muito bom. Nós identificamos as limitações que vemos nos livros na prática”, explica.

Reabilitando pessoas

O profissionalismo não pode andar sem a dedicação e o carinho para com os pacientes. O terapeuta ocupacional, na grande maioria das vezes, se depara com pessoas limitadas, seja por deficiência física, intelectual, sensorial, ou por vulnerabilidade social. A terapeuta Sarah Gomes (foto abaixo) trabalha com idosos, na perspectiva da Reabilitação Cognitiva, através de atendimentos domiciliares e em consultório. “Nosso trabalho é manter o indivíduo o mais ativo e independente possível, principalmente nas atividades de auto-cuidado, prover, restaurar e melhorar o status ocupacional, além de prevenir futuras perdas funcionais e orientar os familiares e cuidadores”. relata Sarah.

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Outra experiência da profissional foi em um Centro de Desinstitucionalização, em 2010, com pessoas que passaram por longo período de internamento psiquiátrico, e segundo ela, os usuários não conseguiam realizar atividades básicas como alimentação, banho e vestir. Sarah relata que junto à equipe multidisciplinar, através de atendimentos individuais e em grupo, foi possível estimular os usuários a desempenharem essas atividades com maior autonomia e independência, além de favorecer a socialização.

Para promover a independência do usuário nas atividades básicas, o terapeuta ocupacional pode realizar adaptações de utensílios como talheres, escovas de cabelo e aparelhos de barbear; prescrever e/ou confeccionar órteses e próteses, além de intervir no ambiente.
Um outro campo de atuação da Terapia Ocupacional é com pessoas em estado terminal seja em hospitais, clínicas geriátricas ou no próprio domicílio. O terapeuta ocupacional, através de Cuidados Paliativos, dará um suporte emocional, social e espiritual ao doente e à família.

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