Tópicos | periferia

Bola da marca 'Canarinha' marcou a infância de muitos amantes do futebol - Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

São quase três da tarde quando um menino franzino arrasta com dificuldades duas barrinhas de ferro encobertas por redes desgastadas. Adiante, um grupo de garotos aguarda inquieto a chegada das traves para mais um dia de futebol raiz entre amigos, em que pés descalços desfilam em um campo de barro batido e com pequenos vestígios de grama maltratada. Um dos garotos se arrisca ao subir em um telhado onde estrategicamente uma bola era guardada; dessa forma, após ser banhada em um recipiente com água, a redonda recebia raios solares durante todo o dia. Era assim que meninos humildes deixavam a bola de vinil mais resistente, evitando furos e fortalecendo um sonho em comum: ser jogadores profissionais.

##RECOMENDA##

Dezenas de garotos partiam animados para o Parque do Caiara – na Zona Oeste -, um dos espaços da periferia do Recife que serviam para o lazer da criançada, que praticamente se resumia ao futebol. Há 15 anos, bola de couro era quase um sonho de consumo impossível para os meninos de subúrbio. Na ausência do cobiçado brinquedo, bolas conhecidas como “dente de leite”, feitas a base de vinil e com textura leve, supriam a alegria dos pequenos que aproveitavam suas tardes em partidas disputadas, tão acirradas quanto jogos profissionais. Afinal, o time perdedor era obrigado a bancar o refrigerante “Simba” para a equipe vencedora; ninguém queria perder, mas independentemente do resultado, todo mundo acabava se refrescando com refrigerante e comendo pães recheados de mortadela.

Nas peladas recifenses, uma marca imperava entre os garotos. As “Bolas Canarinha”, cuja embalagem estampava um sósia do ídolo Ronaldo Fenômeno, eram as preferidas da meninada, tanto pelo preço acessível – na época entre R$ 3 e R$ 5 -, quanto pela facilidade de encontrá-las. Qualquer lojinha de bairro oferecida o brinquedo. Hoje, porém, muitos desses garotos se afastaram diante das obrigações da vida adulta. Mas nas memórias de cada um deles, resistem momentos de uma época em que a infância pobre, porém feliz, reunia meninos em torno do futebol e de uma amizade contemplada pelas brincadeiras populares. Hoje adultos, eles dificilmente cravam a data exata da última vez que quando crianças saíram para se divertir no futebol com bola de vinil. Restam lembranças e muita saudade.

Emanuel França relembra da época em que jogava com os amigos no Parque do Caiara, Zona Oeste do Recife. Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

Rodrigo Barbosa, 29, e Emanuel França, de 28 anos, viveram essa fase quando crianças. Nascidos na comunidade do Caiara, no Recife, os rapazes estampam sorrisos ao recordarem da época em que as Bolas Canarinha eram o principal brinquedo dos garotos. Praticamente, todos eles não realizaram o sonho de se tornarem jogadores profissionais, mas nem por isso a fase de brincadeiras perdeu o brilho. “Era uma época boa demais. Todo mundo se reunia, brincava, era uma alegria só. Hoje você não tem mais isso. Diminuiu o número de crianças jogando bola na rua ou parques”, comenta Rodrigo, que assim como Emanuel trabalha na função de barbeiro. Ao falarem da infância, os jovens são pura nostalgia. Veja no vídeo

[@#video#@]

“Bolas Canarinha, a bola que faz o craque”

Jacó Venancio Filho não temeu mudança. Inicialmente empresário do ramo de panificação, em Caruaru, Agreste de Pernambuco, Jacó resolveu mudar de segmento de maneira radical. Após conhecer um trabalho oriundo de São Paulo, o empreendedor abriu mão de vender pães para implantar uma fábrica de bolas de vinil. Há 50 anos, nascia a fábrica das Bolas Canarinha, na época com 12 funcionários, dois fornos e sete tipos de modelos do produto.

[@#galeria#@]

A primeira sede da empresa foi na Rua Imperial, 1.526, área central do Recife. Posteriormente, mudou-se para a saudosa Rua da Aurora, também no Centro. Hoje, no entanto, o empreendimento está instalado no bairro da Mustardinha, Zona Oeste da cidade, resistindo ao tempo e aos efeitos da tecnologia que trava crianças em frente a celulares, enquanto que as brincadeiras de rua agonizam.

Filho de Jacó e atual dono da fábrica, Edmilson Barbosa recorda com nostalgia da época em que o pai arriscou seus investimentos no negócio de bolas. “A família abraçou a ideia, meu pai sempre foi um grande empreendedor. Saímos do interior e viemos para Recife. Somos pioneiros no Nordeste do Brasil”, diz Barbosa com orgulho. De acordo com o empresário, antes da fábrica pernambucana, as bolas eram trazidas de São Paulo para o mercado local.

Curiosamente, a marca ‘Bolas Canarinha’ surgiu em 1970, dois anos após a inauguração da fábrica. Foi uma estratégia para concorrer com outra bola chamada ‘Pelé’, líder de vendas no período. Inicialmente, a produção era de 5 mil bolas por dia; nos tempos de pico, o ritmo passou para 50 mil redondas diárias. Atualmente, devido à crise econômica que afeta o país e à concorrência do mercado chinês – que passou a produzir bolas para comercializar no Recife -, são fabricadas de 15 mil a 20 mil bolas por dia, dependendo da demanda de clientes.

“Em 70, quando o Brasil foi campeão da Copa do Mundo, surgiu a marca Canarinha. Uma bola que criamos para combater a bola Pelé, produto de vinil que mais se vendia no Brasil. A tecnologia é uma coisa presente em todo o segmento, e desde então a gente faz várias bolas, mais pesadas, mais maneiras, personalizadas, para eventos,  cliente é que diz o que quer. As regiões que mais vendemos são Norte e Nordeste. Temos grandes clientes, podemos citar o Atacado dos Presentes. No Centro do Recife, temos outros vários compradores. Podemos dizer que nossa bola é do povão, mas também estamos sofrendo bastante com a entrada do mercado chinês no Brasil. Para combater isso, investimos em qualidade e ficamos mais próximos dos clientes”, relata Edmilson.

O empresário confessa que a expansão tecnológica entre as crianças ofuscou em certa medida o gosto por bolas. “Prejudica muito. Lá atrás, todo sonho de uma criança era ter uma Bola Canarinha. Hoje, infelizmente, as crianças querem celulares. A bola é importante para o desenvolvimento de uma pessoa, principalmente na parte física. Além disso, com o aumento da população e a construção de prédios, muitos campos de futebol sumiram”, opina o empreendedor.

Hoje, a dúzia de Bolas Canarinha custa em torno de R$ 70 para revenda. No varejo, a unidade sai em média por R$ 8. 

A fábrica possui hoje 45 funcionários, passando para 100 no período de pico que vai de julho a novembro. Para uma bola ficar pronta para venda, o processo de fabricação gira em torno de 40 minutos. O percentual de unidades que se perdem por erros de fabricação vai de 2% a 3% do total.

Questionado sobre qual é o seu maior sonho como empresário, o dono das Bolas Canarinha vislumbra um país mais forte economicamente. “Meu maior sonho é que o Brasil venha a ter boa educação, segurança e trabalho para todo mundo. Antes de tudo, sou um empresário e gosto de trabalhar. O plano das Bolas Canarinha é continuar crescendo e atingindo outros nichos de mercado”, diz Edmilson.

Neste domingo (24), às 18h, o Teatro Beberibe, no Centro de Convenções de Pernambuco, localizado em Olinda, recebe o espetáculo de balé “Clara e o Quebra Nozes”, formado por crianças e adolescentes carentes de Olinda.

O evento contará com apresentações de construções e performances de 92 crianças e adolescentes das turmas de balé, teatro e canto, que compõem as atividades fornecidas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, executado pela Associação Nossa Voz e Ação.

##RECOMENDA##

Em parceria com a Prefeitura Municipal de Olinda, a instituição atende cerca de 400 crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, residentes em bairros do município.

Serviço

Espetáculo Clara e o Quebra Nozes

24 de março | 18h

Teatro Beberibe (Av. Prof. Andrade Bezerra, s/n - Salgadinho, Olinda)

Gratuito

[@#galeria#@]

Em comemoração aos 482 anos do Recife, uma festa foi realizada pela prefeitura da cidade no Compaz Governador Eduardo Campos, localizado na comunidade do Alto Santa Terezinha, Zona Norte da capital pernambucana, nesta terça-feira (12). Essa foi a primeira vez no governo Geraldo Julio que o tradicional corte do bolo e entrega das 3.500 mil fatias ocorreu fora do Recife Antigo.

##RECOMENDA##

Segundo o prefeito, a escolha do Alto Santa Terezinha se deu porque o Compaz é muito importante para a comunidade. "Isso se reflete em todos os indicadores sociais do local e nós queremos que isso se espalhe", afirma.

Dezenas de políticos, lideranças locais e, principalmente, a comunidade marcaram presença para garantir o bolo que já estava separado para a população. "Eu amei o bolo, estava muito gostoso. Pena que não pude pegar mais porque eu queria levar pra toda a minha família", revela Suelen Cardoso, 12 anos.

Para receber o prefeito e fortalecer a comemoração do aniversário do Recife, uma orquestra de frevo com vários passistas e até um grupo de cavalo marinho marcaram presença animando do pequeno ao mais velho que foi prestigiar a festa de aniversário.

Protesto

Engana-se quem pensa que no aniversário da cidade a população não ia aproveitar a presença do prefeito para protestar contra os problemas. O Coletivo Fala Alto, que atua nas comunidades do Alto Santa Terezinha e Alto do Pascoal, aproveitou a oportunidade para perguntar a Geraldo Julio porque a creche Zacarias do Rego Maciel, única unidade da comunidade, não havia iniciado as suas atividades.

Segundo o Coletivo, desde fevereiro que a creche deveria ter aberto as portas, mas nada tinha acontecido até então. A equipe de reportagem do LeiaJá foi até o local e verificou que as crianças começaram a serem recebidas na unidade hoje. Sem querer se identificar por medo de possíveis represálias, um dos funcionários informou que o problema ocorre porque uma máquina que a unidade usa para lavar as roupas das crianças está quebrada. Segundo ele, desde o ano passado que o problema existe e até agora não foi resolvido.

Perguntado sobre o que havia acontecido para a creche Zacarias do Rego Maciel não ter iniciado as atividades no mês de fevereiro, o prefeito Geraldo Julio desconversou sobre o problema específico e afirmou que "é natural o pedido por creches, já que no Brasil inteiro existe uma carência muito grande de creches".

Para comemorar o aniversário de 482 anos do Recife, a Prefeitura da cidade começará as festividades a partir das 8h da próxima terça-feira (12), no Compaz Governador Eduardo Campos, que fica no Alto Santa Terezinha - Zona Norte do Recife. Com orquestra de frevo, será neste Compaz que o bolo de 400 quilos será distribuído ao público em 3.500 mil fatias individuais.

Essa será a primeira vez, na gestão do prefeito Geraldo Julio, que a tradicional entrega das fatias do bolo de aniversário não será feita no Recife Antigo, como de costume. Segundo confirmado pela assessoria da prefeitura, essa foi uma estratégia encontrada para dar oportunidade a outros bairros.

##RECOMENDA##

Mas a festa de aniversário começará mesmo neste sábado (9), no evento Capital do Brega Show, uma parceria da Prefeitura do Recife com a Rede Globo Nordeste. No evento, artistas como a cantora Joelma, Eduarda Alves, Michele Melo, MC Elvis, Sheldon e outros subirão ao palco que está montado na Avenida Cais do Apolo, Recife Antigo.

A prefeitura promete uma programação extensa, por isso, na quarta-feira (13) o Olha! Recife a pé vai explorar locais e temas relacionados a diversas épocas da história da cidade, incluindo o Brasil Holandês.

Na quinta (14) será a vez do Compaz Escritor Ariano Suassuna, no Cordeiro, Zona Oeste do Recife, receber aulões esportivos com atletas que se destacaram nas Olimpíadas; o público terá acesso às atividades das 8h às 12h. Yane Marques, Joanna Maranhão, Cisiane Dutra e Adrianinha participarão do evento, cada uma em sua especialidade.

Por volta das 18h do domingo (17), último dia de programação, o Recife Antigo receberá a peça O Boi Voador, que fala da época em que Maurício de Nassau fez um boi voar. Vários atores estarão espalhados pelas ruas usando figurino de época, interagindo com os pedestres e os convidando para a festa.

Confira a programação

Sábado (9)

Capital do Brega

Local: Cais da Alfândega

Horário: a partir das 18h

Terça-feira (12)

Pauta: Corte do bolo

Local: Compaz Governador Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha

Horário: 8h às 12h

Quarta-feira (13)

Pauta: Olha! Recife a pé - Recife Holandês

Onde: Saída da Praça do Arsenal

Horário: 14h

Quinta-feira (14)

Pauta: Parabéns Olímpico

Local: Compaz Escritor Ariano Suassuna, no Cordeiro

Horário: 8h às 12h

Sábado (16)

Pauta: Olha! Recife - CurioCidades

Onde: Saída da Praça do Arsenal

Horário: 18h

Domingo (17)

Pauta: O Boi Voador

Onde: Praça do Marco Zero

Horário: 18h

Pauta: Inauguração do parklet do Espaço R.U.A.

Onde: Avenida Barbosa Lima

Horário: 16h

No final do mês de janeiro deste ano, a TV Brasil estreou mais uma animação infantil e, desta vez, uma produção pernambucana ganhou espaço e está sendo exibida para todo o Brasil. ‘Bia Desenha’ conta com 13 episódios de 7 minutos e tem roteiro de Karol Pacheco e Neco Tabosa. O desenho se passa na periferia da capital pernambucana e conta a história de uma família não convencional que vive em um quintal, onde Bia, de 6 anos e, Raul, de 5 anos, são criados por pais solos.

Com o mote ‘desobediência poética’, a dupla de roteiristas conseguiu levar representatividade à TV brasileira, através de protagonistas negros e periféricos. Segundo Karol, que assina alguns de seus trabalhos como 'Kalor', ainda houve a preocupação de saber quais profissionais, dos que trabalhariam na produção, se encaixavam nesse perfil.

##RECOMENDA##

“Não adianta estar na cara aquilo tudo lá (representatividade), quando na realidade os recursos estão indo para os mesmos bolsos. Isso é muito importante de se pensar, porque ter política que não é pública, é muito preocupante”, enfatizou.

Foto: Divulgação

Com arte de Raul Souza e direção de Neco Tabosa, o projeto foi financiado pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual (Prodav), do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), promovido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e conta com a produção da Carnaval Filmes e REC Produtores Associados.

Questionada sobre novas temporadas da animação, Pacheco revelou que não sabe qual será os próximos passos da série. “Apesar de ‘Bia Desenha’ trazer à tona essa realidade tão próxima de tantos brasileiros e brasileiras, não sabemos como o mercado receberá, e se de fato será incentivada a continuar. Bia Desenha combina um modo quilombo de se viver, em comunidade, em face a um Estado que deixa seus cidadãos muitas vezes na mão", aponta.

O cenário da animação foi inspirado no quintal da casa de Kalor, localizada em Camaragibe, a 16 km do Recife. Cercado por ruas íngremes e descalçadas, o quintal da casa da comunicadora é um prato cheio para crianças brincarem. Com um espaço amplo, tem pé de manga, acerola e canela e foi com base em suas vivências nesse lugar que a história de Bia ganhou vida. Assim como a protagonista da animação, ela também foi criada por mãe solo, pois seu pai foi assassinado quando ela tinha 3 anos.

Kalor, que é autora e membro de projetos destinados a desopressão artística das classes periféricas e abraça iniciativas que põem a mulher negra no centro das discussões, faz parte de uma estatística que abrange muitos brasileiros. De acordo com últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE), em 2015 o Brasil tinha mais de 11,6 milhões de famílias comandadas sem a existência de uma figura masculina. Desse percentual, 59,9 % vivem abaixo da linha da pobreza e o número se intensifica para 66,4 % quando se fala de mulheres negras.

Mesmo com os obstáculos impostos pelas condições financeiras e raciais, a artista conseguiu furar bloqueios e ingressou no ensino de nível superior. Cursando jornalismo na UNINASSAU, com uma bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni), estagiou em alguns veículos de comunicação, incluindo o LeiaJá, e teve uma importante participação em diferentes edições da revista Outros Críticos, sobre arte e cultura.

[@#galeria#@]

#tecnologiaserviçodaorgia

Escolhida em 2016 para integrar um grupo de 10 artistas participantes de uma iniciativa realizada pelo Museu do Sexo da Putas, interversão artística concebida na capital mineira com foco em desnudar o dia a dia de prostitutas, Kalor apostou na performance e criou o projeto #tecnologiaserviçodaorgia.

Foto: Mayara Menezes/Divulgação

A ação proposta pela Associação das Prostitutas de Minas Gerais, e contemplada pelo Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais, hospedou os artistas, durante um mês, em um hotel na rua Guaicurus, considerado um dos maiores centros de prostituição do Brasil, onde eles conviveram com as profissionais do sexo e puderam, através de diferentes linguagens, dar voz a essas mulheres que vivem à margem da sociedade.

Apresentando um trabalho com quatro partes, Kalor concluiu duas durante a residência: ‘Eu Tive que Engolir or Engolir Porra Nem1a’ e ‘Modos de fazer sabão’. O primeiro fala sobre os assédios machistas que as mulheres são ‘obrigadas’ a engolir diariamente e usou o leite como metáfora       Foto: Mayara Menezes/Divulgação 



para esses ataques, já o segundo foca na higienização exacerbada imposta pela sociedade ao órgão sexual feminino.

Outra parte do projeto foi concluída em Pernambuco. Intitulada ‘Certidão de aborto’, a performance foi baseada numa experiência vivenciada pela artista na Maternidade Barros Lima, localizada em Casa Amarela, Zona Norte do Recife. “Eu fui vítima de um aborto espontâneo. Na verdade eu estava num processo de sangramento em outras maternidades, onde o atendimento demorou. Eu já fui pra o Barros Lima para fazer a curetagem e era um ambiente muito hostil: violência obstétrica, pessoas que estão dando à luz junto com pessoas que estão perdendo no mesmo ambiente, ausência de forrar a cama, ausência de luz no banheiro”, relata.

As performances feitas por Kalor no #tecnologiaaserviçodaorgia foram apresentadas no II FINCAR – Festival Internacional de Cinema de Realizadoras, exibido no Cinema São Luiz, no 27º Festival de Inverno de Garanhuns e na Performances negras e caboclas pela DesCÚlonização Social na Udesc, entre outros.

Diante de um contraste gritante entre performances sexuais e animação infantil, Kalor diz que após um pouco mais de dois anos da criação de #tecnologiaaserviçodaorgia, ela vê o projeto com um novo olhar.

Políticas públicas

Em 2017, Pacheco era diretora de Comunicação e Igualdade Racial na Fundação de Cultura de Camaragibe e foi eleita presidente do Conselho de Cultura. Ela foi uma das responsáveis pelo restabelecimento e fortalecimento da Fundação de Cultura do município. Enxergando o órgão como ferramenta aliada da população, Kalor diz que encontrou um gerenciamento da esfera cultural desigual, em que determinados grupos e festas eram mais beneficiados do que outros. “Em vez de me preocupar de colocar na capa determinado político, eu me preocupava em deixar o cidadão informado, em saber sobre  Sistema de Cultura, o que é Fundo, o que é Plano e assim a gente encontrou uma Camaragibe que na cultura estava muito vinculada as festas, aos ciclos”, ressaltou.

No período em que integrou a gestão da instituição, esforços foram investidos, tanto pela administração da organização como pela classe artística de Camaragibe, rica em teatro, música e audiovisual, para que a 'Cultura’ se reerguesse. Foram abertos espaços para que linguagens e grupos excluídos fossem contemplados pelas políticas públicas do município. “A gente sabe que a música está em detrimento de outras linguagens, muito dinheiro, muita visibilidade pra música. Por exemplo no edital de Carnaval, de São João, mas não tem edital de audiovisual. Então, a gente percebeu que tinha muita gente de audiovisual e grafite aqui em Camaragibe e começamos a dar espaço pra esse pessoal’, contou.

Para Kalor, suas realizações são resultados de um contato mínimo de conhecimento adquirido através da faculdade, onde ela pode se entender como cidadã e teve possibilidade de acessar os serviços públicos destinados à Cultura. “Existe um grupo muito restrito de pessoas que acessam esses recursos, que são de impostos pagos por toda população e ano após ano, vemos a aprovação no Funcultura dos mesmos nomes,” revela.

Reconhecendo a cultura como espaço de luta social, a comunicadora e performista ainda falou sobre privilégios dados a pessoas de classes sociais elevadas, que não enfrentam os mesmos obstáculos vivenciados por periféricos e negros. Pacheco também defende a inclusão de cotas nos editais de projetos culturais, em que mulheres, índios e negros têm espaço garantido. “Assim nós vamos tendo uma reparação”, ressalta. O sistema de cotas em editais de Cultura foram aderidos após estudo realizado pela Comissão de Gênero e Diversidade da Agência Nacional do Cinema, que apontou que 75,4% dos filmes produzidos em 2016 pelo órgão foram dirigidos por homens brancos.

A 13º edição do ‘Baile de Favela’ acontece no sábado (16) e traz ao Recife, mais uma vez, o som de artistas periféricos da região Nordeste. A festa acontece na Galeria Avoredo, área central da cidade.

Apresentam-se no evento os rappers baianos Vandal de Verdade e Aurea Semiséria, a também baiana DJ Bruxa Braba, o rapper potiguar O Nobre, o coletivo paraibano LA6 CREW e o grupo de rap pernambucano Femigang, entre outros. A organização do ‘Baile de Favela’ ainda promete uma atração surpresa que animará ainda mais o público.

##RECOMENDA##

Os ingressos custam R$ 20 e já está à venda nas lojas Myllys, Banca Roots, Nua Clothing, Galeria Arvoredo, Zona Oeste tabacaria, Onze tattoo e com comissários autorizados.

Serviço

Baile de Favela

16 de fevereiro | 22h

Galeria Arvoredo (R. Gervásio Pires, 436 - Boa Vista, Recife)

R$ 20

É rotineiro falar de quantas pessoas pretas são mortas no Brasil por conta da cor de sua pele. O que não é muito comum neste País é a conquista da justiça para esse mesmo povo que é exterminado, ainda mais quando o culpado por essa morte é o Estado.

Pernambuco, segundo o último levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrou um salto das mortes causadas por policiais. Em 2015, foram 45 pessoas mortas pelos agentes. Em 2016, último ano da pesquisa, esse número subiu para 75 pessoas assassinadas pelos policiais.

##RECOMENDA##

Entre elas está Mário Andrade de Lima, de 14 anos, morto pelo ex-sargento reformado da Polícia Militar Luiz Fernando Borges, no dia 25 de julho de 2016. Mario estava brincando de bicicleta com o seu amigo, um adolescente de 13 anos, quando ambos colidiram com a moto do policial, um motivo aparentemente fútil, mas que custou a vida do garoto.

Joelma Andrade de Lima, 36, é a mãe de Mario. Como toda mãe, ela recebeu a notícia da morte do seu filho e ficou em choque, sem acreditar no que ouvia. Sua família foi devastada e a sua filha mais velha quase entra em depressão. “Ela pedia para Deus levar ela porque queria se juntar com o irmão no céu (sic)”, relata Joelma.

Diante de todos esses problemas, mesmo sabendo que não é fácil conseguir justiça no Brasil, ainda mais quando se é preta e favelada, sem condições financeiras para contratar o melhor advogado, Joelma não esmoreceu e perseverou até ver o culpado pela morte de seu filho atrás das grades.

Foram dois anos e quatro meses realizando protestos no Recife, indo de encontro à Justiça e até ao Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado. Numa dessas idas, Joelma lembra como trataram o assassinato de seu filho. “Quando cheguei no Palácio mostrei 3 mil assinaturas colhidas para confirmar que meu filho não era bandido, porque o policial tinha dito que meu filho estava armado e iria assaltá-lo. Neste momento o secretário disse pra mim: ‘mãe, se a gente fosse dar conserto à todos os canos estourados na rua?’

Foi nesta comparação do assassinato de Mario com um cano estourado que Joelma, sem acreditar no que tinha ouvido, retrucou: “É, mas esse cano tem dona, e a dona dele sou eu. E já que vocês não podem dar o conserto, eu vou lutar para fazer”. E fez.

Depois de quatro audiências e várias manifestações, com a ajuda da população civil organizada, Joelma viu a Justiça condenar Luiz Fernando Borges a 28 anos e 4 meses de prisão pelo homicídio de Mario e pela tentativa de homicídio contra o outro adolescente de 13 anos, que foi baleado, mas conseguiu sobreviver.

Joelma Andrade furou o sistema e em dois anos conseguiu “solucionar” a morte de seu filho. E isso, infelizmente, também é exceção no Brasil, onde de todos os homicídios dolosos (com intenção de matar), apenas 6% são solucionados, segundo levantamento feito pela organização Sou da Paz.

“Nem eu sei de onde tirei força porque eu lutei contra o Estado. Sou um peixinho diante de um tubarão. Só que aí eu tinha um cardume ao meu redor”, exclama Joelma.

Depois da última audiência que condenou o ex-sargento, agora as advogadas de Joelma - que se propuseram a ajudar sem a mãe de Mario desembolsar um centavo, irão processar o Estado pela morte do adolescente.

A partir de sua história e de sua garra para “honrar” o nome de seu filho, como faz questão de falar, para que assim “ele descansasse em paz”, Joelma acabou se tornando um símbolo de resistência para a periferia que diariamente sofre com as barbáries social e, consequentemente, policial. Mas ela é humilde e não acredita ser a personificação da resistência.

[@#video#@]

“Eu me vejo como uma mãe que lutou e que mostrou para as outras mães que a gente tem voz. Não é porque somos pretas, moradores da periferia que a gente deve ficar calado”, ressalta a mãe de Mario.

Tudo o que passou despertou o desejo para que Joelma ajudasse outras mães a partir da sua história. Agora, após o caso solucionado, além de querer se juntar à outros - retribuindo a força que se somou a ela, Joelma também tenta combater o mal que recebeu, devolvendo o bem para a sua comunidade e para quem ela conseguir estender a mão.

A Consciência no Alto, que é Preto

Contra as comunidades mais periféricas permeiam as dificuldades de raça - principalmente por ser habitada em maioria por pessoas pretas - acesso ao básico, violência, ação policial, tráfico de drogas. É lá onde pesa a desigualdade social.

Entendendo as consequências sociais por serem negros e favelados, o Coletivo Fala Alto, atuante nas comunidades do Alto do Pascoal e Alto Santa Terezinha, “coirmãs” da Zona Norte do Recife, se organizou na vontade de conscientizar essas comunidades, visando o entendimento de uma vida mais digna e reconhecimento do “eu” que representa cada morador das vielas que cortam a região que vive à margem da sociedade.

São 6 jovens. Tem MC, artesã, percussionistas, fotógrafo e estudante de direito compartilhando conhecimento na favela. É assim que eles conseguem conscientizar os seus.

São vários trabalhos que o Fala Alto elabora, mas as discussões sobre o que diz respeito à miséria, machismo, encarceramento e extermínio do povo preto é o que permeia esses encontros, sejam eles em cine debates, rodas de diálogos ou uma simples intervenção comunitária por meio da arte.

[@#podcast#@]

“Diferente do que acontece em vários movimentos sociais, nossa discussão dentro da comunidade não se limita a discussão política (partidária), nem muito menos nos vendemos em épocas eleitorais para conseguir votos para determinado candidato. Esse não é o nosso papel aqui”, aponta Kayo.

“É a partir do que acontece na comunidade e o conhecimento de mundo dos adolescentes (maioria participante dos debates) que a gente tenta elaborar as discussões. A gente debate coisas que a galera saiba do que se trata, como por exemplo a violência policial que os jovens sabem que acontece (tendo muitos deles já sofrido tal repressão)”, relata a estudante de direito Carol Barros, de 22 anos.

O Coletivo Fala Alto, na sua bolha, tenta lutar contra as estatísticas do Brasil. Já que no país, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras. Na faixa etária de 15 a 29 anos, são cinco vidas perdidas para a violência a cada duas horas, segundo aponta a Organização das Nações Unidas (ONU). Estando este extermínio totalmente voltado para as periferias.

O coletivo tenta burlar essas estatísticas, tudo por meio do diálogo e da conscientização de seu povo. São jovens que não entraram nas estatísticas de morte, unidos pela mudança social.

“O mínimo que a gente teve de espaço para conseguir sair, mesmo se arranhando pela brechinha, conseguimos pegar (conhecimento) lá fora e estamos trazendo pra dentro da comunidade”, salienta Kayo.   “Nossa discussão central refere-se a nossa própria vida, nossa própria existência”, complementa Carol.

O Fala Alto acredita que tanto a comunidade do Alto Santa Terezinha, quanto o Alto do Pascoal, são muito grande e passaram muito tempo sem esses debates que estão diretamente ligados com a sua existência. Por isso, confiam na força e consolidação desse movimento, que ainda é novo no bairro - tendo sido criado em abril deste ano.

“A gente quer defender o nosso povo negro que sofre, que é atendido numa casa que foi feita em posto de saúde porque a Upinha está sendo construída há 10 anos. O que queremos é que nossa população busque espaços de forma que ela se sinta representado, não só ter um Compaz (Centro Comunitário da Paz) pra dizer que tem, esse espaço tem que dialogar com a comunidade”, fala Kayo.

Enquanto movimentos sociais se firmam no centro e, juntamente com alguns partidos políticos se esquecem da classe operária que vive massivamente nas periferias, o Coletivo Fala Alto se articula para atender os anseios sociais da favela. É um ponto de resistência e, a cada encontro comunitário promovido para a discussão do que os assola, conscientizam a sua população negra que tanto é marginalizada.

“Não somos nós que moramos numa casa que tem porteiro e interfone para a polícia ligar e perguntar se pode entrar”.

*Fotos de Júlio Gomes e Rafael Bandeira - LeiaJáImagens

[@#galeria#@]

Os moradores do bairro de Águas Lindas, em Belém, receberam a visita do Núcleo de Responsabilidade Social da UNAMA - Universidade da Amazônia, que promoveu cursos e realizou atendimentos em diversas áreas. A ação ocorreu no centro comunitário Bairro Verdejante, na manhã do último sábado.

##RECOMENDA##

No centro comunitário, que existe há mais de 20 anos, são desenvolvidas algumas atividades esportivas e culturais, como balé, caratê e capoeira, realizadas através de parecerias com pessoas e organizações. É assim que a associação mantém os seus projetos. “Essa parceria com a UNAMA é muito importante para a comunidade porque é uma região carente em tudo. Em especial, porque havia o lixão do Aurá, aqui perto, e após o fechamento do lixão muitas famílias ficaram sem sua fonte de renda. Então, a gente sempre busca essas parcerias para cursos e qualificação dessas pessoas que ainda estão de fora no mercado de trabalho. Não só as que trabalhavam no lixão, mas outras pessoas também, especialmente os jovens que não têm oportunidade de emprego”, disse João Batista Ribeiro, presidente da Associação dos Moradores do Verdejante I, II e III.

A ação faz parte do projeto “Universidade na comunidade” e ocorre todos os anos, sempre no segundo semestre. “Oferecemos para a comunidade os nossos serviços de saúde, de educação e orientação jurídica. Primeiro é feita uma visita na comunidade para verificar quais demandas são necessárias. A partir dessa conversa, das demandas estabelecidas, nos organizamos e trazemos o que temos de melhor”, afirmou Rachel Abreu, professora do curso de Ciências Sociais e integrante do Núcleo de Responsabilidade da UNAMA.

Rachel destaca a importância de eventos como esses na comunidade. “Dessa vez foi a comunidade que nos procurou. Se a comunidade nos procurou é porque nosso papel de responsável social está sendo reconhecido. Em outros anos nós abrimos a porta da universidade para receber a comunidade e dessa vez a comunidade solicitou nossos serviços, nossa atenção, nossa educação, nossa orientação, e nós viemos. E isso mostra o quanto estamos comprometidos com a sociedade e como ela está legitimando nosso reconhecimento a partir de nossas ações sociais”, declarou.

Para Emerson Rodrigues, professor de engenharia da UNAMA, ações como essa são uma forma de levar o conhecimento da universidade para a comunidade. “Esta comunidade pertence à área do parque do Utinga e, como estamos estreitando uma relação com o parque, que foi desenvolvido para mostrar a preservação ambiental e as riquezas da nossa cidade, o fato de estarmos aqui hoje também é muito importante para que nós possamos estar dentro do parque promovendo outras ações e serviços para a comunidade”, disse o professor, que também integra o Núcleo de Responsabilidade Social da UNAMA.

Mike Pereira, professor de Engenharia da UNAMA, e também do Núcleo, contou como o curso de Engenharia Civil colaborou para a ação. “Trouxemos capacitação em aplicação de produtos de impermeabilização, reboco e produtos de engenharia, o que a gente chama popularmente de curso de pedreiro, uma forma de tentar capacitar a mão de obra para esse serviço e tentar gerar uma renda para essas pessoas. Convidamos uma empresa de indústria de argamassa, a SuperMassa, para vir oferecer esse curso com aplicação de produtos industrializados. Eles trazem os produtos e assim conseguem trazer essa tecnologia de aplicação de argamassa e de impermeabilização de maneira mais correta”, explicou o professor.

Para o professor, a comunidade é carente e essa capacitação é muito importante. “Uma comunidade como o Verdejante ainda precisa de muitos serviços. Serviços de professores, de técnicos e de alunos. A UNAMA tende a estreitar essa relação com a comunidade, para tentar oferecer para ela um pouco mais de dignidade e de serviços públicos que ainda são muitos carentes nessa comunidade”, disse.

A SuperMassa, fábrica de produtos da construção civil, também apoiou a ação e apresentou soluções para problemas comuns no cotidiano da comunidade, como infiltrações e reparos na parede. “A gente entende que a mão de obra local necessita disso. Temos a intenção de estender essa parceria com a comunidade, entrar em contato com o líder comunitário e nos próximos eventos fazer algo mais amplo. A maioria das casas apresenta umidade, em quase toda a casa, e nós viemos desmitificar e mostrar como se soluciona esse problema da forma correta. Então é muito importante nossa atuação aqui”, disse Carlos Eduardo Ferreira, coordenador de operação da SuperMassa, que ministrou o curso de pedreiro para os moradores.

Leonardo Cabral, morador da comunidade que participou do curso de pedreiro, achou a iniciativa do curso positiva e parabenizou a equipe. “Aprendemos coisas que a gente não sabia, com o curso de pedreiro. Fiquei muito grato. O curso é muito importante porque tem muita gente que não é habilitada como pedreiro, mas faz pequenas reformas e já vamos passando para os nossos filhos”, afirmou.

Nathalie Mendes, professora do curso de Enfermagem, explicou de que forma o curso fez sua colaboração. “Nós trouxemos aparelhos para verificar a pressão, glicemia, peso e altura e trema para verificar a circunferência abdominal. Então dá para fazermos uma avaliação legal das pessoas, além de orientação sobre o que é hipertensão e diabetes”, afirmou.

Quem foi atendido pelo grupo de Enfermagem agradeceu. “Acho muito bom as pessoas estarem aqui para fazer a verificação da pressão. Gostaria que tivesse toda vez para a gente vir, porque para ir ao posto para tirar pressão é uma calamidade”, disse Valdeci Mesquita, pedreiro, morador do bairro.

O curso de Nutrição também esteve presente, conscientizando a comunidade para a alimentação saudável. “Estamos trazendo informações de como devem se alimentar melhor, a fim de melhorar alguns sinais de glicemia ou de pressão arterial que estejam alterados e promover informações sobre diabete e pressão alta, para prevenir esse tipo de doença. E, também, trazendo um aproveitamento melhor dos alimentos de casa, que vai influenciar, de maneira geral, no bolso deles e ainda melhorar a saúde deles”, disse Fernando Rolo, nutricionista responsável pelo estágio de Nutrição no Hospital Universitário João Barros Barreto.

Eric Cavalcante, fisiologista e professor de Educação Física da UNAMA, esteve presente fazendo a avaliação e prescrição de atividades físicas para grupos especiais. “Observamos quem tem algum distúrbio com relação ao peso, em relação a pressão arterial e distúrbio em relação ao açúcar no sangue. Dentro desses distúrbios os alunos prescrevem atividade física, porque a atividade física é remédio, para que essa pessoa possa associar à medicação e melhorar suas condições de saúde”, afirmou.

A dona de casa Adrialva Ferreira disse que deveria haver mais eventos como esse na comunidade. “Acho que se nós da comunidade tivéssemos isso mais vezes, ia ser melhor. Porque no posto de saúde tem, mas é uma burocracia muito grande até para a gente tirar a pressão. Aqui pesei, medi, tirei a pressão e verifiquei o açúcar no sangue”, explicou.

Para Vania Aviz, moradora do bairro, o atendimento veio na hora certa. “O atendimento foi ótimo. Sofro de enxaqueca e fui encaminhada para a UNAMA da Alcindo Cacela, segunda ou terça já vou lá. Nunca faço avaliação física, mas pretendo fazer a partir de agora”, afirmou.

O Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) orientou a comunidade sobre questões judiciais  na área cível. “É fundamental trazer esse atendimento para a comunidade, porque essas pessoas não têm como pagar advogados. O acesso público, que elas têm, é junto à Defensoria, mas a Defensoria tem uma fila muito extensa. Em média, aguarda-se por volta de cinco meses para ser atendido. E o nosso atendimento, aqui, é imediato. Se ele trouxer todos os documentos daremos entrada no processo ainda essa semana”, concluiu Graça Penelva, professora de Direito Tributário da UNAMA e que faz parte do NPJ.

Por Rosiane Rodrigues.

 

A Justiça de Pernambuco condenou o ex-sargento reformado da Polícia Militar (PM) Luiz Fernando Borges a 28 anos e seis meses de reclusão pelo homicídio de Mario Andrade de Lima, de 14 anos, e pela tentativa de homicídio de um adolescente de 13 anos. O julgamento, que já havia sido adiado em outras duas oportunidades, foi realizado nesta terça-feira (6) no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, em Joana Bezerra, área central do Recife. O crime ocorreu no dia 25 de julho de 2016 no Ibura, bairro periférico da Zona Sul do Recife. Desde a data, Joelma Lima, mãe do garoto que faleceu, participou de protestos e atos cobrando justiça para o caso, virando um símbolo no combate ao genocídio negro nas áreas pobres.

“Hoje tenho certeza que meu filho pode descansar em paz, assim como eu e as irmãs dele. É um sinônimo de ‘a gente pode’. O bom é saber que a gente pode, a gente consegue. Não foi fácil, foi muito sofrimento. Mas é um alívio saber que eu consegui fazer a justiça para meu filho”, disse Joelma, ao término do julgamento. Familiares e coletivos populares estiveram presentes para dar apoio à mãe de Mario.

##RECOMENDA##

O júri começou por volta das 9h. A tese do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), responsável pela acusação, era de homicídio duplamente qualificado por motivo fútil, que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima, e tentativa de homicídio qualificado pelos mesmos motivos. “A acusação que foi apresentada em plenário foi totalmente recepcionada pelo conselho de sentença, o acusado foi condenado tanto no homicídio consumado com duas qualificadoras quanto na tentativa de homicídio e duas qualificadoras, ou seja, a sociedade recifense deu uma resposta e a sociedade venceu”, comentou o promotor Guilherme Castro.

O advogado de defesa foi Maurício Gomes da Silva. Especialista em casos envolvendo policiais, o advogado assumiu a defesa de Luiz Fernando a dez dias do julgamento, após o advogado anterior sair do caso. Sua tese consistia em defender o ocorrido como legítima defesa putativa, alegando que a conjuntura fez com que o policial cometesse o crime acreditando estar diante de assaltantes. “O processo é cheio de falhas e defeitos e depoimentos contraditórios. Isso tudo foi relatado, mas o conselho de sentença entendeu de outra forma”, opinou. Durante sua exposição, o advogado chegou a comparar o ex-PM com Jesus Cristo, ao destacar que ambos foram vítimas da opinião pública. O réu utilizou do direito ao silêncio e, assim como em todas as fases do processo, não se pronunciou. O MPPE vai entrar com recurso para pedir aumento de pena, enquanto a defesa vai apelar para que haja ainda absolvição do cliente.

Mesmo com a dor de rever o dia da morte do filho várias vezes através do discurso do promotor, Joelma se mantinha confiante durante todo o dia. “Uma mãe não desiste”, ela comentou ainda antes de entrar na sala do júri. “O vazio vai ficar, a falta dele vai sempre ter, a ferida vai ficar aqui em mim sempre, não vai sair. Mas hoje eu tive motivo para comemorar. Eu não pude comemorar no aniversário do meu filho [primeira data para ocorrer o julgamento, que foi adiado], eu não pude comemorar no aniversário da minha filha [segunda data, quando houve novo adiamento]. Mas hoje, seis de novembro, mês da Consciência Negra, eu tenho o que comemorar”, complementou já após a sentença.

Conforme os autos, Mario e o amigo andavam de bicicleta quando colidiram com o policial que trafegava em uma moto em uma avenida do Ibura. Uma segunda pessoa, que o promotor acredita ser também policial, passava no local na hora e realizou três disparos para o chão para fazer com que os jovens parassem. Esse homem fez uma revista nos menores e comprovou que eles não estavam armados e não ofereciam perigo. Ainda assim, Luiz Fernando teria solicitado que o rapaz deixasse o local pois ele permaneceria resolvendo a situação sozinho. Um morador da área também teria conversado com o ex-PM para convencê-lo a liberar os garotos - esse morador teve o depoimento exibido pela acusação durante o julgamento. Apesar disso, Luiz Fernando, após ligar para a polícia informando ter detido dois ‘suspeitos’, resolveu agir por conta própria. A primeira ação dele foi desferir uma coronhada na cabeça de Mario, que começou a sangrar. O menino foi baleado quando estava deitado. O segundo adolescente correu e foi atingido duas vezes na nádega e uma de raspão no antebraço, tendo se salvado após se esconder em uma área de mangue. O acusado, então, teria voltado e atirado mais uma vez em Mário. Pessoas que estiveram com o réu naquela data disseram que ele estava alcoolizado.

Mario contribuia com a renda da mãe, que vende lanches. Ele estudava, trabalhava de manhã com venda de gás e de noite em uma lanchonete. Gostava também de compor rap. Era considerado promissor no taekwondo, porém acabou se afastando. Foi enterrado com a faixa preta do seu mestre. Durante o processo, três professores do garoto foram ouvidos e, de forma unânime, destacaram o bom comportamento dele. 

Após a morte do filho, Joelma liderou atos como interdição de via e vigílias. Ela precisou enfrentar situações de estresse como conflitos durante os protestos entre participantes e não-participantes e ouvir pessoas querendo criminalizar seu filho pela própria morte. Consciente, ela diz que o resultado do júri popular é uma vitória para todas as pessoas das periferias. “Estou mostrando à sociedade que eu, morando em uma periferia, pobre, negra, estou conseguindo, que a justiça vai ser feita”, sentenciou.

Confira a nota do movimento Justiça para Mário Andrade, que deu apoio suporte à Joelma e promoveu atividades na temática do combate ao genocídio da juventude negra ao longo desses mais de dois anos:

Hoje damos mais um passo numa luta que já durava mais de dois anos. O ex sargento reformado que executou Mário foi condenado há 28 anos e 6 meses de prisão em regime fechado. Essa luta por justiça significa um grito contra o extermínio dos jovens negros e contra o terror que o Estado, atraves de seu braço armado que é a PM impõe a nossas comunidades.

 A justiça é um braço do genocídio e infelizmente trabalha diretamente encarcerando e criminalizando nossos jovens. Por isso hoje é um dia tão importante. É o dia em que uma mãe negra conseguiu honrar a memória de seu filho. Não podemos nos enganar. Se não fosse a luta de Joelma o próprio judiciário incriminaria Mário. O judiciário não está do nosso lado, mas hoje toda uma estrutura racista teve que se curvar a uma mãe preta e a toda uma comunidade de maioria negra.

 Contra o genocídio do povo negro, nenhum passo atrás! 

LeiaJá também

--> Júri de ex-PM é adiado, mas mãe de vítima segue forte

--> Três histórias de quem clama por justiça

--> Sargento que matou adolescente é excluído da corporação

A comunidade é o centro de poder e luta do povo na nova música do grupo pernambucano de rap Chave Mestra, intitulada O Corre. E é na comunidade do Totó, na Zona Oeste do Recife, que o grupo realiza o evento de pré-lançamento do vídeoclipe da nova faixa, nesta terça (6). Além da exibição do vídeo, a festa contará com batalha de Mcs e discotecagem do DJ Stanley.

O clipe é uma produção coletiva entre a Chave Mestra, a produtora Safira Green e a Subverso Lab. Com roteiro e direção de Júlio Fonseca - tendo o rapper Zaca de Chagas como co-roteirista -, a produção tem formato de curta-metragem; ambientado no bairro do Totó, retratando os 'corres' e lutas do cotidiano de seus trabalhadores e moradores para mostrar que a resistência das comunidades se dá com muita solidariedade e parceria. A produção musical ficou sob responsabilidade de Carl Morais.

##RECOMENDA##

Na festa de pré-lançamento, nesta terça (6), o público poderá assistir ao vídeo em primeira mão durante o Cine na Comunidade, que também exibirá outras produções. Além disso, haverá batalha de MCs, com premiação para os dois primeiros colocados, e DJ Stanley mandando muito rap, funk e brega. Na quarta (7), será a vez das plataformas digitais receberem o clipe de O Corre.

[@#video#@]

Serviço

Pré-lançamento do clipe 'O Corre', da Chave Mestra

Terça (6) | 18h

ONG Cores do Amanhã (Rua Garota de Ipanema, Box 2 - Totó Planalto)

Gratuito

[@#relacionadas#@]

Um dia depois de ter ouvido críticas do rapper Mano Brown sobre a dificuldade de o PT dialogar com bases populares, o candidato do partido à Presidência da República, Fernando Haddad, admitiu nesta quarta-feira (24) que o partido precisa se reconectar com a população da periferia. "O que ele falou é a pura verdade. A gente tem de se reconectar com a periferia, com a dor que as pessoas estão sofrendo", disse Haddad.

Em ato político realizado na noite de terça-feira (23), no Rio, o rapper rompeu o clima festivo ao afirmar que, se o PT "não conseguiu falar a língua do povo, tem de perder mesmo" a eleição. "Não gosto do clima de festa. A cegueira que atinge lá (referência à campanha de Jair Bolsonaro), atinge aqui também. Isso é perigoso. Não está tendo clima para comemorar", completou Mano Brown, que chegou a ser vaiado por parte da plateia.

##RECOMENDA##

Haddad tem sido alvo de críticas dentro do próprio PT por ter supostamente dado pouca atenção a periferia, base histórica do partido, em sua passagem pela Prefeitura de São Paulo.

Em entrevista antes de evento organizado nesta quarta-feira à noite no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, o presidenciável petista comemorou o resultado da mais recente pesquisa Ibope/Estado/Globo, que mostrou queda de quatro pontos porcentuais em relação a Bolsonaro - a quem chamou de "frouxo" por ter se recusado a participar de debates no segundo turno das eleições.

Goldman

O ex-presidente da sigla Alberto Goldman anunciou nesta quarta-feira, 24, em um vídeo postado em seu perfil no Facebook, que votará em Haddad no segundo turno das eleições. Segundo o tucano, a decisão se dá porque o presidenciável do PSL "passou dos limites aceitáveis no último domingo, com um discurso que nos traz de volta os momentos mais dramáticos da nossa história".

"Acho que ninguém duvida da minha história política. Minhas posições foram muito fortemente antipetistas", disse ele, que acrescentou: "Nunca pensei que um dia poderia votar neles. Agora, me sinto diante dessa dificuldade, porque, do outro lado, está esta direita raivosa. Cheguei à conclusão que não estou disposto a pagar para ver e vou, contra a minha vontade, acabar votando em Haddad."

Goldman fez referência a declarações dadas por Bolsonaro no último domingo, prometendo fazer uma "faxina" e banir os "vermelhos" do Brasil . As declarações foram feitas via transmissão de vídeo e exibida a apoiadores do candidato concentrados na Avenida Paulista.

Após o primeiro turno, o diretório municipal do partido, presidido pelo vereador João Jorge, decidiu expulsar Goldman por supostamente ter feito campanha a favor de Paulo Skaf (MDB) ao governo do Estado e contra João Doria, seu desafeto. A executiva nacional, no entanto, divulgou nota declarando que a decisão era inócua porque o ex-governador ocupa o cargo de secretário de Relações Internacionais do PSDB nacional.

Agenda

Haddad terá agenda nesta quinta (25) e sexta (26), no Nordeste, única região em que teve votação superior à do concorrente no primeiro turno. Ele visita na quinta Recife (PE) e vai na sexta a Salvador (BA). O PT ainda avalia o local do encerramento da campanha - se na favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, ou em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Presente no ato pró-Haddad, realizado neste sábado (20) no Recife, o presidente do Diretório Estadual do PT, Bruno Ribeiro, diz que muitas pessoas assumem a figura de Jair Bolsonaro (PSL) como algo novo na política, o que seria um equívoco. Nos últimos dias antes da eleição, a militância deve chegar até as periferias do Grande Recife para fazer campanha pelo candidato petista, diz Ribeiro.

“A gente tem feito, a esquerda e os partidos de esquerda, esse contato com a periferia. Mas eu reconheço que precisa ser retomado como permanente e orgânico o diálogo com a periferia. Até o dia 29 vamos chegar nas regiões pobres para conversar com o jovem que está se confundindo. O novo é Haddad”, explica Bruno.

##RECOMENDA##

Ele continua: “Há um descrédito enraizado na sociedade em relação ao político. Isso sempre se deu, mas nos últimos anos, com tudo que a gente vem acompanhando, inclusive manipulações, há uma reação muito grande a políticos. As regiões mais pobres, sob o impacto da baixa oportunidade e do alto desemprego, estão se iludindo que Bolsonaro é novo. Ele é um veterano com o pior que a política tem, elege filhos, tem ideias grotescas”.

O presidente do PT-PE também lembrou as denúncias de caixa 2 contra Bolsonaro. Ele acredita que a situação tende a elevar Haddad. “A campanha de 2014 foi um pouco assim, Dilma foi virar nos últimos dias”, finaliza.

LeiaJá também

--> Manifestantes pró-Haddad têm medo de um governo Bolsonaro

 

[@#galeria#@]

Ocorreu na sexta-feira (12) uma ação em comemoração ao Dia das Crianças organizada pelo projeto “Adote um Sorriso”, que reúne estudantes universitários. O projeto atende crianças em comunidades periféricas na Região Metropolitana de Belém.

##RECOMENDA##

Desde 2014, a iniciativa se tornou um projeto de extensão que abrange alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Psicologia, Nutrição, Farmácia, Marketing e Direito de várias instituições de ensino superior de Belém. A diretora do projeto, Michelly Cunha, explicou que a seleção das comunidades beneficiadas é feita exclusivamente em áreas periféricas.

Todo o início de semestre, os estudantes procuram locais que necessitam de ajuda. “Algumas vezes as pessoas, já sabendo da existência do ‘Adote um Sorriso’, procuram a gente e nós vamos nessas comunidades. Os diretores se dividem para ir ver a estrutura e a necessidade do local e calculamos: de que maneira o local é necessitado? Ele precisa dessa mudança?”, disse Michelly Cunha, professora de Odontologia.

O evento “Super Adote” foi criado para representar o Dia das Crianças e o aniversário do projeto “Adote um Sorriso”, que teve seu início em setembro do ano passado. Essa é a segunda comemoração. “Os membros começam a procurar pessoas que levem pula-pula, música, teatro, cosplay, brincadeiras, brindes e a gente se mobiliza para conseguir brinquedos. Então nós fazemos campanhas durante o semestre para conseguir esses brinquedos. A importância dele é dar maior visibilidade para a comunidade”, expressou Michelly.

Segundo Michelly, após avaliação, o grupo de estudantes identifica se a comunidade se encaixa no projeto, se no local daquela comunidade existe estrutura para receber o “Adote um Sorriso” e seus colaboradores e o número de crianças que vão ser atendidas. “A seleção do projeto vai do que ao que acreditamos ser melhor, como é a questão socioeconômica das pessoas que vivem ali, se eles realmente precisam da nossa atuação, se ali o saneamento e saúde são precários e se a gente precisa intervir. É assim que é feita a escolha da comunidade, através dessa exploração diária que depois é discutida e debatida entre os demais diretores, presidência e assessoria”, falou.

Além de diretora, Michelly também é idealizadora do “Adote um Sorriso”, que começou como um projeto de extensão da Faculdade Esamaz e se abriu para alunos de outras instituições. “Era importante que nós mudássemos a vida das crianças, mas eu sempre quis que essa mudança contribuísse para a vida das pessoas, e também para a vida dos membros, e como eles viam a profissão, as comunidades e as periferias, para que assim pudessem ter uma experiência real de sua profissão no dia a dia. Acho que essa é a importância para esses alunos e fora que cada um deles têm uma visão multi e interdisciplinar. Como profissional, eu não trabalho mais sozinha, isso causa uma valorização tanto na minha profissão quanto na profissão do colega”, finalizou Michelly.

Por Cleo Tavares (Com apoio de Axel Silva e Rosiane Rodrigues).

 

“O Exército entrou aqui no bar e roubou o X-box do meu filho, comeu nossa mercadoria, levou a bebida, foi mais de 4 mil de prejuízo. A gente trabalha pra ter esse pouco e eles fazem isso”.

“Tive meu portão arrombado diversas vezes. Agora eu coloco só uma correntinha, porque não dá para ficar consertando toda hora”.

##RECOMENDA##

“Entraram na minha casa, ligaram o ar-condicionado, comeram os danones dos meus filhos, levaram mil reais e ainda deixaram tudo revirado”.

Esses são alguns dos 300 relatos anônimos e espontâneos de moradores de 15 comunidades do Rio de Janeiro. Os depoimentos foram coletados pelo projeto Circuitos Favelas por Direitos, com coordenação da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado do Rio (DPRJ). O projeto conta com a participação da Comissão de Direitos Humanos, Defensoria Pública da União (DPU), Secretaria de Direitos Humanos e organizações da sociedade civil.

O monitoramento identificou 30 tipos de violações de direitos cometidos pelas Forças Armadas e pelas polícias em territórios ocupados ou historicamente atingidos pela violência de agentes públicos. "As violações ficam silenciadas, transformando-se em sofrimentos patrimoniais, físicos e emocionais. São relatos que expõem o cotidiano perverso de medo e invisibilidade em que centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro se encontram submetidas e demonstram que há um modus operandi no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de segurança", resume o ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, que esteve à frente de todas as visitas e coletas de relatos.

Com auxílio de uma rede de apoio composta por cerca de 25 instituições e entidades e com o suporte de lideranças anfitriãs em cada localidade, Strozenberg e defensores públicos de diferentes áreas de atuação dedicaram duas a três horas a cada visita, colhendo relatos. "Nosso objetivo é que o relatório sirva de instrumento de mudança e recomposição da agenda pública do Rio de Janeiro. Dezenas de casos individuais relatados demandam apuração e responsabilização, mas neste primeiro momento optamos apenas por apresentar uma visão geral", complementa Strozenberg.

O relatório aponta que há “um conjunto de violações cotidianas que não ganham estatísticas oficiais, mas contribuem imensamente para gerar sentimentos múltiplos de medo, desesperança e revolta em moradores de favelas e periferias”. Os 30 tipos de violações foram divididos em cinco blocos - violação em domicílio, abordagem, letalidade provocada pelo Estado, operação policial e impactos - e foram definidos a partir de relatos de furto e roubo por parte de agentes de segurança, dano ao patrimônio, violência sexual, extorsão, ameaças, agressões físicas, execuções e disparos a esmo, entre outros.

"É bem provável que algumas dessas violações, mesmo sem estarem formalmente orientadas, passem por uma “validação oficial”, como as práticas de fichamento ou revista a mochilas de crianças, contando com a insuficiente malha de controle das instituições internas e externas das atividades policiais", continua o ouvidor-geral. Além das invasões em domicílio, mulheres também citaram desrespeito na abordagem, como o relato a seguir: “Eles vêm revistar a gente já gritando, chamando a gente de piranha, mulher de bandido, drogada. Vem empurrando e mexendo na gente. Eu sei que só mulher que pode revistar mulher, mas se a gente não deixar, leva tapa na cara”.

Agressões físicas e verbais foram relatadas em todas as 15 comunidades percorridas. Entre as agressões físicas, a mais frequente é o 'tapa na cara'. A prática estaria mais presente contra adolescentes, moradores que questionam ou criticam abusos policiais e com pessoas que estejam utilizando ou portando dose individual de droga ilícita.

A invasão de dados de celulares é outra violação recorrente, segundo os relatos colhidos pela Defensoria Pública. Um dos relatos diz: “Eu acho engraçado que eles proíbem a gente de filmar o que eles fazem, mas eles podem ver os nossos vídeos, nossas fotos. Eles pegam o celular, primeiro olham o Whatsapp e depois vão direto para a galeria de fotos. Revistam nossa vida, nossa intimidade”. Outro relato acrescenta: “Eu já tive dois celulares roubados por eles. Eles mandam tirar a senha. Olham as mensagens, os grupos e dependendo até levam mesmo”.

A Defensoria diz que a revista em celulares e em moradores foram duramente criticadas pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos logo nos primeiros dias da Intervenção Federal. A Defensoria já havia recorrido à Justiça contra outra prática comum entre as forças de segurança nos territórios ocupados: uso de helicópteros para disparos de cima para baixo.

Sobre os helicópteros, o relatório do Circuitos Favelas por Direitos registrou relatos como: "Vocês estão vendo essas marcas? Tudo são tiros vindo do céu. Eles atiram de cima pra baixo e sai da frente. Até os policiais da UPP ficaram no meio do fogo vindo do céu e foi muito tiro. Olha esses buracos” e "Quase todos os dias a gente acorda de manhã com o helicóptero em cima da gente, fazendo aquele barulhão. E eles vão e voltam, a gente fica o dia inteiro na angústia de que a qualquer momento vai acontecer o tiroteio. Às vezes tem e o helicóptero atira. A gente morre de medo porque daquela altura o tiro pode pegar em qualquer lugar”.

Pedro Strozenberg analisa que a escalada da letalidade policial decorre de uma política de segurança pública ancorada na lógica da guerra, fomentada por um significativo investimento de recursos em aparatos bélicos. "A ausência ou inobservância de protocolos e a reduzida oferta de canais de acolhimento emocional e apuração das violações relega a população, já castigada pela precariedade dos serviços públicos, à esdrúxula condição de subcidadania", complementa.

Números

Dados do Instituto de Segurança Pública indicam que 736 pessoas foram mortas pela polícia no Estado do Rio de Janeiro entre fevereiro e julho deste ano. Alguns dos relatos colhidos sugerem que os números podem ser ainda maiores.

“Na última operação que teve aqui, eles mataram quase 20 pessoas. Disseram que foi 8, mas é mentira. Sempre morre mais gente do que divulgam. Mataram os traficantes a facada depois de eles ter se rendido, por que não levam preso?", diz uma pessoa ouvida. “Os corpos daqui são levados para Nova Iguaçu, Mesquita e sei lá para que lugar. Aqui não tem essa coisa de perícia não”, conta mais outra pessoa. O relatório na íntegra pode ser visto aqui

Com informações da assessoria

Belém é conhecida mundialmente como cidade gastronômica, dos aromas e sabores. Na capital, além de unir cultura e aprendizados que passam de geração em geração, a gastronomia fomenta o empreendedorismo. Esse é um dos objetivos do Projeto Gastronomia do Amanhã, realizado pela segunda vez em Belém, de 4 a 10 de junho.

 Os chefs Fábio e Ângela Sicília, professores do curso de Gastronomia da Universidade da Amazônia (Unama), capacitarão 90 moradores do Sideral, Tapanã e Cabanagem, recrutados pelas associações de bairros. “Avalio o Gastronomia do Amanhã como uma iniciativa de grande valor para fortalecer cada vez mais nossa gastronomia. A inclusão social é peça fundamental no crescimento da geração de renda”, diz a chef Ângela Sicília.

##RECOMENDA##

 O projeto tem patrocínio do Banco da Amazônia, via Lei Tó Teixeira, e apoio da Unama. “Falo aos meus alunos que a missão de compartilhar conhecimento sobre alimentos é muito grande e necessária, pois não podemos nos eximir desta necessidade. Precisamos que todos conheçam mais as técnicas e as oportunidades de trabalhar. O projeto traz esse empoderamento e faz com que as pessoas busquem e vejam mais”, afirma a coordenadora do curso de Gastronomia da Unama, Andrea Pinto.

O Gastronomia do Amanhã busca disseminar o movimento da Gastronomia Social por meio da realização de programas de capacitação com o apoio de uma rede formada pelo poder público, com as leis de incentivo à cultura, do mercado gastronômico e de investidores sociais. “Conhecimento é tudo. Quando nos reunimos para falar de alimentos, muitas ideias surgem, pois o mundo dos alimentos ainda é muito complexo e escasso de informações. Precisamos de projetos assim para tornar tudo mais claro e prático”, diz Andrea Pinto.

 Serão três semanas de capacitação, com aulas e palestras sobre empreendedorismo; desenvolvimento de ficha técnica para alimentos, técnicas de cozinha; segurança alimentar; noções de marketing e feira gastronômica com apresentação musical. O será compartilhado com o público em uma Feira Gastronômica com a venda de tudo o que foi criado durante as aulas.

 “É possível sim unir a gastronomia e o empreendedorismo, eles andam juntos. Muitas dessas pessoas têm um saber nato que é delas e isso deve ser contemplado e desenvolvido”, destaca Ângela.

 Serviço

Projeto Gastronomia do Amanhã

De 4 a 10 de junho, no Centro comunitário do Conjunto Xingu, localizado na quadra 17, nº 79, bairro Sideral.

De 11 a 17 de junho, na associação dos moradores Viver Primavera, localizada na rua do Ranário, nº 79, no Tapanã.

Já no período de 18 a 24 de junho, a programação ocorrerá na rua dos Comerciários, nº 453, no Coqueiro.

Da assessoria do evento.

 

Em entrevista ao programa Roda Viva, exibido na última segunda-feira (08) na RedeTv, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos, defendeu a desmilitarização das polícias. Boulos ressaltou que grande parte dos assassinatos nas periferias brasileiras são realizados por policiais.

O psolista afirmou que existe um genocídio contra negros nas periferias do Brasil. “Em relação ao tema de negros e negras, pra nós uma questão essencial é o enfrentamento desse genocídio que acontece nas periferias. É um direito a vida, mais básico, mais elementar. As pessoas estão morrendo, e quem morre tem raça, tem cor, tem endereço, nas periferias urbanas, e tem idade”, enfatizou Boulos.

##RECOMENDA##

O presidenciável defendeu a PEC 51, em tramite no Senado, que confere às polícias, militar, civil, rodoviária e federal, autonomia para realizar procedimentos investigativos. “E pra isso nós precisamos de uma política de segurança pública que reveja como funciona o Estado brasileiro hoje. E pra nós, essa política passa pela desmilitarização e pelo ciclo completo como já prevê a PEC 51 que tramita no Senado”, pontuou.

Por Fabio Filho

  

Foto: Victor Moryiama

##RECOMENDA##

O ônibus passa e Alice Kelly intuitivamente olha para trás. É apenas um ônibus. Ela observa até o veículo se perder de vista, levando consigo o som de um motor ruidoso e um freio escandaloso. Alice sente um aperto quando raciocina que a passagem de um ônibus nunca mais vai trazer consigo a voz do seu amigo, Marlon, que se pendurava nas janelas ou se equilibrava no teto, com o vento no rosto e o olhar de desaprovação dos outros lá fora. “Cadê a mãe desse menino?”, “Aí quando cai sobra pro motorista”, “Era bom que caísse, nunca mais ia fazer isso de novo”. Alice segue o passo.

Marlon da Silva Santos era reconhecidamente um rei. Não portava uma coroa, mas um boné da Cyclone. Sem vestes glamurosas de uma clássica majestade, mas uma bermuda da Seaway. E não se deslocava em uma carruagem, transitava pelas ruas em cima de um ônibus, olhando o mundo do topo. Marlon era conhecido na comunidade como o Rei do Surf.

Ele morreu na madrugada do dia 12 de março após receber quatro tiros bem perto de casa, no Alto da Bondade, periferia de Olinda, na Região Metropolitana do Recife (RMR). O assassinato de um jovem de 16 anos a poucos metros de sua casa não virou notícia, mesmo sendo um jovem respeitado por tanta gente, cuja morte deixou a comunidade em um silêncio triste.

Parou nos noticiários, entretanto, um fato ocorrido pouco antes do enterro de Marlon. Vídeos mostram um ônibus da linha 895 - Alto do Sol Nascente/TI Xambá entupido de pessoas, várias penduradas na janela, outras tantas em cima. Inicialmente, um programa televisivo chegou a dizer que o grupo entoava hinos de torcida organizada. O Grande Recife Consórcio de Transporte depois informou que o motorista seguiu aquela viagem sob ameaça de agressão. A Rodoviária Caxangá, empresa proprietária da linha, lamentou o ocorrido.

O que todos esses chamaram de ameaça e vandalismo foi intitulado “homenagem” por quem subiu naquele ônibus. Era o cortejo fúnebre que merecia o Rei do Surf.

‘Surfar’ é uma gíria para se equilibrar em cima do ônibus em movimento. Um lazer para os jovens do Alto da Bondade, que não têm muito mais que isso e uma pipa em dia de vento forte, um futebol improvisado em uma rua de terra. Marlon não só surfava, como ensinava a surfar. Ele é o criador do Loucos do Surf (L.D.S.). O grupo se reunia para se pendurar nos ônibus e gravar vídeos. Marlon, em seu papel de majestade, convocava os mais jovens e ensinava como se segurar, passar pela janela, se equilibrar conforme o ônibus corria.

Fotos: Victor Moryiama

Enquanto súditos e admiradores, os jovens - não só do Alto da Bondade como de comunidades próximas e até da cidade de Paulista - resolveram obedecer ao rei. “Era o sonho dele. Ele me disse um dia ‘olha, quando eu morrer, eu quero que todo mundo vá para o enterro ‘surfando’ no ônibus’, aí eu dizia ‘Para de falar isso, Marlon. Isso não vai acontecer’”, recorda Jasmilane da Silva Afredo, a Mylla, namorada de Marlon, que também era conhecido como Diamante Negro e Marlinho.

Ninguém havia visto algo parecido. Jovens de toda a parte se reuniram no local em que Marlon morava. Glauciane Venancio, mãe de consideração do jovem, decidiu fazer uma camisa com uma foto e os dizeres “Marlon, eternamente em nossos corações”. Todos começaram a confeccionar a mesma camisa. Sem condições de atender tanta gente, a dona da gráfica teve que suspender a atividade e pedir que os interessados procurassem a concorrente.

Amigos do Diamante Negro e integrantes do L.D.S. pararam um ônibus e pediram para as pessoas descerem. Eles alegam que o próprio motorista parou o veículo, mas é fato que, com tanta gente se aproximando do ônibus, não havia muito o que o motorista pudesse fazer. “Uh, é mais de mil, é o bonde do Marlinho”, “Uh, Marlinho, aê” e “Uh, sem estresse, é Marlinho L.D.S.” foram alguns dos cantos executados pelos jovens a caminho do enterro.

O Cemitério de Beberibe ficou lotado. Era tanta gente que, mesmo sendo um evento triste, pairava uma sensação de felicidade. “Apesar de tudo, eu vi muita união. E eu vi que ali várias pessoas gostavam dele mesmo. Ali eu tive a bela certeza que ele era uma boa pessoa”, explica Adla Venancio, irmã de consideração. “Eu sabia que ele tinha umas amizades aqui, no bairro sempre todo mundo gostou dele, mas eu fiquei surpreso e alegre porque tinham amigos, meninos, as mães dos adolescentes, muita gente. Foi ali que eu descobri que ele era muito querido mesmo”, diz Marcelo Alves dos Santos, pai do Rei do Surf.

Ver na televisão as críticas a algo envolvendo a morte de Marlon incomodou muito os familiares e amigos, conforme os próprios contaram em uma conversa na residência de Irani, uma das tias do Diamante Negro. Marcelo diz que uma das versões ouvidas é que além de subir no ônibus, o grupo também fez um arrastão. “Não houve nada disso. Eu não concordo com aquilo, de subir no ônibus daquele jeito porque alguém pode se machucar, mas eu entendi que foi uma homenagem e achei bonita”, resume o patriarca. Ouvindo a conversa ao fundo, irrompe Tia Neide. “Eu falei aqui pro pessoal: se eu soubesse que iam fazer aquilo eu tinha subido também”, ela conta, o que parece algo realmente difícil de conceber se tratando de uma senhora de aspecto frágil e movimento inconspícuo em roupas neutras. “Eu sempre reclamava porque eu colocava uma lona, ele ia empinar pipa e a lona aparecia rasgada. Ele dizia ‘não fui eu, não’. Hoje a lona está lá e eu queria ver ela rasgada”, completa Tia Neide.

Foi naquela conversa, em uma sala apertada de onde a tia Irani costumava ver o sobrinho sentar com os amigos e observar os Altos da Conceição e do Sol Nascente como quem observa seus domínios, que Marcelo descobriu que o filho pensava em ir embora no mesmo mês que morreu. “A gente ia viajar para São Paulo. Minha mãe se casou e o marido mora lá. Aí ele tinha o sonho de conhecer São Paulo, arrumar emprego lá. A gente tinha decidido ir”, conta Mylla. “Eu estou sabendo disso agora’, o pai comenta surpreso, ‘ele veio com essa história de dinheiro para ir pra São Paulo mesmo, mas eu achei que fosse brincadeira”.

Há um consenso entre familiares, amigos próximos e amigos distantes de que Marlinho morreu por inveja. Marcelo diz que o filho era bonito, alegre e muito extrovertido, o que pode ter gerado o sentimento de ciúme. Há um amigo que conta que a inveja pode ter sido causada por Marlon ser o líder da L.D.S. O autor do crime, inclusive, já é conhecido. Após voltarem do enterro, alguns jovens chegaram a pichar a casa onde o suspeito morava, que fica também a poucos metros do local do crime e da casa da vítima. O jovem e sua família desapareceram do Alto da Bondade. O caso está sendo investigado pelo delegado Ricardo Silveira, da 9ª Delegacia de Homicídios de Olinda. Segundo ele, ainda estão sendo realizadas diligências, mas a investigação deve ser concluída em breve.

Através dos depoimentos das pessoas que rodeavam o Rei do Surf é possível entender por que ele era uma pessoa tão querida, capaz de fazer dezenas de jovens lotarem um teto de um ônibus e um cemitério. “Ele estava sempre alegre, não tinha tempo ruim”, resume Juliane Venancio, outra irmã de consideração do rapaz. Mas não é só Juliane que diz isso, a frase sai com facilidade da boca das pessoas que o conheciam. “Ele estava sempre alegre”, diz um; “...sempre sorrindo”, diz outro. “Nem parece que era pobre”, Juliane analisa.

Os estudos não eram o forte de Marlon. Foi obrigado pela direção a sair do colégio devido às constantes reprovações. Estava em outra escola, mas ocasionalmente ajudava o pai em ‘bicos’ como pedreiro. Ele participou da construção da casa da tia Irani. O pai achava que o garoto queria ser jogador de futebol. Marlon não parecia alguém preocupado com o futuro.

O Rei do Surf começou a se pendurar e se equilibrar no teto dos ônibus sozinho, mas logo aquela prática que parecia excitante e perigosa para um grupo de garotos e garotas repletos de carências de representação, cultura e lazer, atraiu outras pessoas. Matheus Messias era seu melhor amigo. Carregando agora uma tatuagem com o nome “Marlon” e um diamante nas costas, Matheus responde de modo tímido, de quem não está acostumado a pensar sobre, o porquê de gostar de surfar. “Sei lá, é da vida mesmo”. Ele explica a parte mais divertida: “O melhor momento é quando o motorista faz malícia, tá ligado?, pra gente cair. Aí nós tira a braba”, explica ao seu jeito o jovem, cujo Facebook é um amontoado de fotos com o amigo.

Pelo menos em duas oportunidades o Diamante Negro caiu do coletivo. Em uma dessas ocasiões, chegou a quebrar o braço. Ir ao hospital fez com que descobrissem que ele estava com um problema no pulmão - passou um mês internado. “Eu dizia para ele parar. Eu tinha medo que ele fosse cair e se machucar”, ressalta Mylla. O pai também desaprovava. Alguns amigos que não faziam parte da L.D.S. chegaram a aconselhar que Marlon parasse com aquilo. Nunca parou. “Ele me disse que nunca pagaria uma passagem”, lembra a namorada.

Agora os integrantes da L.D.S. têm uma missão. Enquanto se penduravam no coletivo rumo ao sepultamento do líder eles já diziam para as câmeras dos smartphones que o grupo estava apenas começando, que eles estavam ainda mais unidos. Contra o que diz a lei, o bom senso e os mais velhos, eles pretendem continuar. Por uma sensação de rebeldia, perigo e por uma brisa no rosto, olhando de cima para baixo o mundo que costuma pisá-los. Alice Kelly continuará observando os ônibus que cortam seu caminho. Ela é amiga de Marlon desde a época do colégio em que foi expulso. A morte do amigo a deixou dilacerada, um garoto que brincava com todo mundo e não alimentava maldade. Eventualmente ela se deparará com garotos agarrados na janela, sorrindo, brincando, fazendo do jeito que o Rei ensinou. E Alice seguirá o passo.

[@#video#@]

As populares feiras do troca, ou do troca-troca, são importantes locais de consumo para a periferia na Região Metropolitana do Recife (RMR). Apesar disso, esses pontos são historicamente conhecidos por operarem às margens da legalidade. 

Em duas tradicionais feiras do troca da RMR, a de Prazeres e a de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, não é difícil encontrar celulares à venda. Os aparelhos são sempre vendidos sem carregador ou outro equipamento, indicando uma origem ilícita. Smartphones de marca como Samsung e LG são encontrados por preços muito inferiores aos praticados em lojas. 

##RECOMENDA##

O 'troca' de Prazeres está oficialmente localizada no bairro de Piedade, na Rua do Canal. Pela entrada principal, a feira começa amena, com pessoas vendendo livros e frutas. Conforme se vai avançando, o número de transeuntes dispara, ficando difícil o deslocamento, e é possível ver com clareza o comércio de celulares e demais objetos.

A diversidade de itens à venda surpreende. Tem gente vendendo fruta ao lado de um comércio de canos e chuveiros que fica adjacente a uma barraca de DVDs piratas, com crianças observando com entusiasmo as capas dos filmes adultos. Há linguiça, presunto, relógios, tênis ‘Nike’ por R$ 70, muitas peças de automóvel, bicicletas, revista Playboy da Karina Bachi e da Jaqueline do Big Brother Brasil 11, jogos de azar, brinquedo, eletrodomésticos, facões, facas peixeiras, facas pequenas. Pássaros, que são animais silvestres, configurando crime ambiental. E, claro, celulares. Todos os produtos comercializados sem nota fiscal.

Celulares a preços baixíssimos

Os smartphones aparecem aos montes. Os vendedores costumam segurar dois ou três na mão e pouco falam. O ato de circularem com os aparelhos entre os dedos já é código mais que claro de que estão à venda. Apesar dos indícios de que se tratam de celulares roubados, não causam espanto aos clientes, que o tempo todo abordam aqueles que carregam os de melhor aspecto. Um jovem com um iPhone na mão tentava convencer dois interessados de que o objeto estava em perfeitas condições.

Um homem vendia um celular Samsung com 8 gb de memória por R$ 200. Dizia que era o seu celular de uso diário. Permite que manuseie, que veja se a câmera é boa. “Não tenho carregador. Aqui as pessoas não costumam vender celular com carregador”, se explica. Um popular conta que todos costumam dizer que estão vendendo o celular de uso pessoal, mas que não seria verdade. Outro vende um Samsung J7 Prime com capa por R$ 350. Mais um vende um celular positivo com também 8 gb de memória por R$ 200.

A feira do troca de Cavaleiro é mais modesta. A maior parte dela é venda de peças de carros e ferro-velho, eletrodomésticos e roupas. Os comerciantes são pessoas mais velhas. Mas lá também estavam sendo vendidos um Samsung J7 por R$ 400 e um LG K10 por R$ 350 – todos sem carregador ou outro item que vem originalmente na caixa. 

Apesar desses espaços serem associados ao comércio de drogas e armas de fogo, a reportagem não flagrou transações do tipo. Um popular que costuma ir à feira de Prazeres conta que este tipo de negociação é feita de forma mais reservada e não a qualquer um. Uma viatura da Polícia Militar chegou a passar na rua ao lado, mas nas feiras não foram observadas nenhum tipo de fiscalização.

Operações já foram realizadas nas feiras do Grande Recife. Em 2015, o 6º Batalhão da Polícia Militar (BPM) recolheu pássaros, alimentos perecíveis, DVDs piratas e carcaças de celulares. A Diretoria Executiva de Controle Urbano do Recife também retirou ambulantes da feira da Dantas Barreto, no centro do Recife. Em fevereiro de 2018, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) apreendeu pássaros em uma feira livre do bairro do Cordeiro. Em todas essas ocasiões, os comerciantes ficam frustrados. Destacam que, apesar da informalidade, é dali que tiram o sustento da família. Outros defendem que os materiais são retirados do lixo e não de alguma prática ilícita. 

O hall da entrada do cinema ficou lotado. Selfies, brincadeiras e conversas antecederam o momento mais esperado do dia. Nem os olhares curiosos ao redor puderam diminuir a felicidade da garotada. Embora destinado à classe média e à classe média alta, o Shopping RioMar, na Zona Sul do Recife, foi tomado pela periferia. Após uma campanha de arrecadação e doações realizada pela internet, cerca de cem adolescentes de escolas públicas e em situação de rua foram, na tarde da quarta-feira (21), assistir ao filme Pantera Negra, em 3D.

##RECOMENDA##

Jovens de instituições públicas de Olinda e adolescentes que participam de uma ação desenvolvida pelo Fábrica Fazendo Arte no Centro da Juventude, em Santo Amaro foram ao local em dois ônibus alugados especialmente para a ocasião. Para alguns, ir ao cinema era a realização de um desejo antigo, outros até já tinham assistido um filme nas telonas, mas não no Shopping RioMar. 

A ansiedade da criançada era tanta que até qual seria o lanche despertava curiosidade entre eles. Um empurrão aqui, outra corridinha ali, tudo fazia parte da tarde de diversão. Enfileirados para entrar na sala de cinema, os grupinhos e amigos não dispensaram a velha corridinha para conseguir o assento lado a lado. Com os óculos 3D em mãos e prontos para assitir ao filme, dada dupla teve direito a um balde grande de pipoca e refrigerante. 

[@#video#@]

Pantera Negra foi o primeiro super-herói negro – e africano – a ser protagonista nos quadrinhos. Além do sucesso nas bilheterias do mundo inteiro, o longa inspira muitas crianças negras e incita a discussão de problemas vividos na sociedade. É uma celebração a ancestralidade africana. Em uma inversão do que é feito comumente em Hollywood, todos os protagonistas são negros e o primeiro vilão a surgir na trama é branco. A trilha sonora é construída com músicas da África e no no rap de Kendrick Lamar. O longa da Marvel inspira jovens a lutar por igualdade, já que todos podem se sentir reis de Wakanda.

Uma das organizadoras da iniciativa de levar os jovens ao cinema, sem custo algum para eles, é a educadora e produtora cultural Elaine Una. Para ela, a importância de trazer as crianças ao shopping é porque além de estarem em um lugar onde tem pouca oportunidade de visitar no cotidiano, assistir a um filme com essa representação política e étnica é uma forma de fortalecer a relação do entendimento de onde vieram e pertencem. “Quando o filme foi lançado, a gente começou uma campanha para angariar doações de valores para os ingressos, principalmente nas redes sociais. O principal foco era trazer ao cinema a juventude da periferia e a garotada de coletivos”, disse.

A escolha do local também foi uma reafirmação política do grupo que realizou a ação social. “Uma das nossas colaboradoras perguntou se preferíamos o cinema do Tacaruna ou do RioMar. Eu falei de primeira que gostaria de estar aqui porque a gente sabe que é um estabelecimento frequentado pela classe média alta do Recife e dizer também que a gente pode estar onde quisermos. Mas quem tem criado essas oportunidade somos nós mesmos. Não é a sociedade meritocrática não. E hoje o shopping da elite pernambucana está ocupado pela periferia”, explicou Elaine.

A ação também recebeu apoio do Quilombo Cultural Casa Coletivo, dos educadores Alexandre Nascimento, Camillo Alvarenga e Karla Fagundes e do Fábrica Fazendo Arte. Além das doações de pessoas físicas, o grupo também recebeu apoio do vereador Ivan Moraes, que de acordo com eles, disponibilizou uma  boa quantidade de ingressos. Todo o dinheiro arrecadado serviu para bancar as entradas, o lanche e o transporte de ida e volta.

Maninho nunca soube desenhar no papel. O ano era 2009 quando ele, pouco conhecido pelo nome de batismo, Cláudio Emanuel de França Silva, descobriu seu maior talento por necessidade. “Sempre cortei cabelo do jeito tradicional, mas começou essa moda de desenho. O pessoal pedia de tribais a pica-pau, tive que me aperfeiçoar”, lembra. Olhando no caderno, o barbeiro era capaz de reproduzir uma gravura com perfeição, sem, até então, ter tido nenhuma orientação ou estudo no ofício. “Agora a moda mudou, para o degradê com algumas listrinhas. Chamamos de ‘freestyle’ o improviso dessas linhas”, explica.

Para o jovem barbeiro, de 26 anos de idade, uma das razões que tornaram o freestyle (do inglês, “estilo livre”) uma febre entre os jovens da periferia é a adoção do estilo por alguns dos jogadores de futebol mais famosos do mundo. “A comunidade é muito ligada ao esporte. Muitos meninos chegam na barbearia pedindo o cabelo de Neymar, Cristiano Ronaldo, Phillipe Coutinho e Pogba, por exemplo”, coloca. Seja pela imitação ou pela criação espontânea nas cabeças de jovens garotos de sua comunidade, o Caiara, na Zona Oeste do Recife, a Barbearia Boleragem, de Maninho, cresceu ao passo que também surgiu uma série de estabelecimentos concorrentes na área. “A gente procura sempre inovar e deixar o ambiente mais confortável. Temos videogame, Wi-fi, cerveja e ar condicionado para os clientes em espera”, afirma. 

##RECOMENDA##

Para o barbeiro Maninho, a escolha dos cortes está relacionada ao futebol. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Enquanto cede entrevista à reportagem, Maninho é motivo de gozação das duas fileiras de cadeiras completamente lotadas de clientes. No estabelecimento, por vezes, a relação comercial mistura-se à de amizade. “Maninho está famoso”, brinca um dos garotos. O ambiente da barbearia acaba funcionando como um local de entretenimento para seus frequentadores. Alguns deles, não necessariamente presentes no espaço para aguardar atendimento. Há quem leve os amigos para assistir ao corte ou simplesmente vá ao encontro de alguém.

INSERIR VIDEO 

O vendedor Mateus Viana foi cortar o cabelo acompanhado de um grupo de amigos. “A gente sempre vem. Hoje escolhi fazer um degradê na parte de baixo do cabelo e cortar um pouco em cima. Prefiro esse porque é discreto pra ir pra escola e trabalho e povo não fica olhando tanto, ainda mais pra mim, que gosto de andar com camisa de torcida organizada”, comenta ele, que veste uma blusa da “Fanáutico”. 

Mateus opta por linhas mais discretas para fugir do preconceito. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

Preconceito

Maninho conta que são comuns as situações constrangedoras por que passam os clientes. “Sempre tem um segurança atrás de você numa loja de shopping. O povo da comunidade não liga tanto, porque aqui não tem aquele negócio de a turma ficar olhando e chamar a gente de maloqueiro ou bandido. É uma moda mesmo, o povo acha legal ”, afirma. O próprio barbeiro já foi vítima de discriminação da polícia. “Uma vez dei luzes. Estava na rua e também ia andando um menino da comunidade que sei que era envolvido com criminalidade, que estava sem nenhum penteado fora do padrão. Aí fui abordado pelos PMs e ele não. Fiquei achando que era por causa do meu cabelo”, lamenta. 

Maninho lembra que apesar da rejeição ao estilo no restante do ano, boa parte dos homens acha aceitável aderir ao cabelo desenhado no carnaval. “Eles falam, mas acabam usando. Eu não ligo não, porque o preconceito vem de gente que não conhece a realidade da gente. Isso é uma arte que os barbeiros nasceram com o dom de fazer. Deveriam valorizar nosso trabalho, porque é daqui que tiro o aluguel da barbearia, da minha casa e pago minha faculdade”, argumenta o barbeiro, que também estuda educação física. Os cortes custam a partir de R$ 15.

Rodrigo Barbosa também é barbeiro e usa Instagram como ferramenta de trabalho durante corte de Fabiano. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

O operador de separações Fabiano Evandro de Souza, fã do freestyle, também se queixa de discriminação. “As pessoas julgam muito a gente, mas graças a Deus sempre faço e alguns amigos acham bonito, perguntam onde fiz”, comenta. O barbeiro Rodrigo Barbosa, responsável pelo visual de Fabiano, conta que os cortes do cliente costumam durar entre 40 minutos e uma hora e que geralmente escolhe os penteados. Com um celular na mão, os perfis de freestyle no Instagram são seus maiores aliados no trabalho. “Vou olhando e fazendo com a navalha”, completa.

Homens mais vaidosos

“Antigamente os meninos queriam ser jogadores de futebol. Agora a gente quer ser barbeiro”, crava Caio Mendes, que aos 18 anos de idade, já é dono da própria barbearia em Monsenhor Fabrício, na Zona Oeste do Recife. O jovem atua na área há dois anos e vem buscando se especializar. “Como não tem faculdade para barbeiro, a gente precisa estar sempre se atualizando com os cursos que aparecem, aumentou muito a concorrência. Arrumei um emprego por causa dessa profissão e quero terminar minha vida na área”, comenta. 

Caio acredita que homens estão mais vaidosos. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Para Caio, os homens estão mais vaidosos. “Antigamente existia esse preconceito de dizer que fazer a sobrancelha e cortar o cabelo de uma forma mais elaborada não era ‘coisa de homem’. Hoje em dia isso acabou, até colegas meus que veem meu cabelo ou me trabalho me perguntam onde fiz, ficam interessados”, opina. 

Tendência de mercado

Para a presidente do Conselho Regional de Economia (CORECON-PE), Ana Cláudia Arruda, existe um movimento crescente de influência da periferia nos centros, em função da lógica de empobrecimento da população. “O crescimento econômico, anterior à crise, dos últimos 15 anos criou um novo perfil de consumidor. As pessoas passaram a usar smartphone, marcas importantes e comprar seus próprios veículos. Esse processo permitiu que surgissem também novas exigências de consumo”, comenta a respeito do conforto apresentado pelas barbearias periféricas. 

A economista acrescenta ainda que uma grande característica desse novo cliente é a conectividade. “Ele procura o cabelo do jogador famoso porque o acompanha nas mídias digitais. Com o aumento da demanda surgiu também uma expansão dos minimercados, de pequenos negócios que dão sustentação a esse novo consumidor novo consumidor”, conclui. 

Páginas

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando