A falta de remuneração adequada é um dos principais desafios da educação brasileira ao longo de sua história. Uma série de elementos levam a entender um desprestígio da categoria que vem de longa data. Atualmente, os mais de dois milhões de professores que lecionam na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio nas escolas públicas estaduais e municipais no Brasil são descendentes de uma trajetória que tem início por volta do ano de 1551, quando os jesuítas chegam ao país, durante a colonização, mais especificamente à Bahia. O Brasil só teve a primeira escola cinquenta anos após a ocupação portuguesa.
Na época, os padres, coadjutores e “escolásticos” eram como professores e também responsáveis pela catequese. Registros históricos apontam que os alunos eram as crianças filhas de portugueses ou brasileiros mamelucos e os curumins, indígenas aculturados. Apesar dos serviços prestado à Coroa Portuguesa, os professores não recebiam bons salários e também não dependiam desse pagamento para sobreviver. A renda era adquirida da venda de gado nas fazendas, em sua maioria aos cuidados dos escravos.
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Em 1759, após a expulsão dos jesuítas do Brasil, o legado que restou foram dezessete colégios secundários e cerca de 200 escolas de primeiras letras na maioria das capitanias. “A expulsão dos jesuítas foi o choque necessário para se constituírem dois tipos de professores assalariados: o das aulas régias, pago por tributos públicos, chamados de “subsídio literário”, cobrado pelas Câmaras Municipais do abate de animais nos açougues, da produção de vinho e da destilação de cachaça. E o das escolas particulares que então proliferaram, pago pela prodigalidade de fazendeiros ou comerciantes e pela novidade da época, a mensalidade dos alunos. Neste momento entra um elemento novo na discussão da educação: a valorização do professor medida não mais pelo seu saber, autoridade ou pertinência a uma ordem religiosa, mas pelo valor de seu salário, não por acaso denominado então de “honorário”, explica o pesquisador João Antonio Cabral de Monlevade, em sua pesquisa "Valorização Salarial dos Professores".
No século 20, ainda de acordo com o pesquisador Monlevade, o processo de precarização do trabalho do professor se acentuou após o ano de 1960. Na época, o governo promoveu um aumento das matrículas no ensino público e não balanceou a demanda com o orçamento dos trabalhadores na educação do país. As condições de trabalho e o salários dos professores foram impactados negativamente, tendo a jornada de trabalho aumentada, em muitos casos.
No atual panorama nacional, os problemas continuam. Número excessivo de alunos, aumento das turmas, expansão da carga horária de trabalho, rotatividade dos professores nas instituições de ensino, precárias condições de trabalho e falta de perspectiva por um futuro menos castigante. Após mais de dois séculos e meio de história, em 2018, a remuneração dos professores também está no bojo das discussões a respeito da melhoria da qualidade da educação do Brasil.
Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens
Neste ano, o piso salarial dos professores é de R$ 2.298,80. Trata-se do mínimo a ser pago para profissionais em início de carreira, com formação de nível médio e carga horária de 40 horas semanais. A quantia é atualizada anualmente e a regra vale para todo o país. Esses profissionais devem atuar em estabelecimentos públicos de ensino na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, em todo o país. O piso salarial nacional do magistério foi instituído pela Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008, regulamentando uma disposição já prevista na Constituição Federal.
Apesar da legislação, menos da metade dos municípios e 17 estados, além do Distrito Federal, declararam conseguir pagar em 2016 ao menos o mínimo estabelecido em lei aos professores de escolas públicas da educação básica de suas respectivas redes de ensino, de acordo com o Ministério da Educação (MEC). Mas, a Lei 11.738 não prevê nenhuma punição expressa para o estado ou município que descumprir a norma. Com isso, várias gestões alegam passar por dificuldades diversas e ainda não cumprem o pagamento do piso salarial nacional do magistério.
É papel do Ministério Público, por iniciativa própria ou denúncia dos cidadãos, fiscalizar a aplicação da lei. Os profissionais da educação que se sentirem lesados também podem recorrer à Justiça e entrar com uma ação contra o estado ou município que estiver infringindo a legislação.
Professores ganham 25% menos que profissionais de outras áreas / Foto: Paulo Uchôa/LeiaJá Imagens
De acordo com o relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação (PNE), professores de escolas públicas ganham, em média, 74,8% do que ganham profissionais assalariados de outras áreas, ou seja, cerca de 25% a menos. O documento foi publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Equiparar o rendimento médio bruto mensal dos professores de nível superior com o dos demais profissionais de formação equivalente até 2020 é uma das metas do PNE, sancionado por lei em 2014. O plano estabelece metas e estratégias para melhorar a educação desde o ensino infantil até a pós-graduação e deve ser integralmente cumprido até 2024.
O investimento público em educação caiu do equivalente a 6% do Produto Interno Bruto (PIB), soma das riquezas produzidas pelo país, em 2014 para 5,5% do PIB em 2015 - últimos dados disponíveis. Considerando apenas os gastos públicos com educação pública, esse investimento foi equivalente a 5% do PIB.
A meta estipulada pelo PNE é o investimento anual equivalente a pelo menos 10% do PIB em educação pública a partir de 2024. O plano estabelece ainda a meta intermediária de investimento de 7% do PIB em 2019. De acordo com o relatório, para a meta de 2019 ser atingida, será necessário o incremento de aproximadamente R$ 120 bilhões nos recursos para educação pública.
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Diferentemente da maioria das demais profissões, o exercício da docência não se esgota quando soa o sinal da escola anunciando a última aula do dia. Os alunos são liberados, mas o trabalho do professor não termina quando as aulas se encerram. Além de lecionar nas escolas, o profissional precisa ter planejamento fora da sala de aula, preparação o conteúdo, corrigir provas, trabalhos. É difícil especificar um tempo justo que o professor precisa trabalhar. A presença em sala de aula é só mais uma das tarefas dos docentes.
No Brasil, são 5561 municípios, 26 estados e um Distrito Federal, cada um com seus sistemas de ensino e regulamentações próprias. São dados heterogêneos e complexos referentes à carreira e salário de professores. Traçar um panorama dessas realidades se torna uma tarefa difícil já que cada localidade tem demandas e problemáticas diferentes das outras.
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, a lei do piso trouxe muita alegria porque foi uma conquista histórica. "O piso valorizou a carreira, mas ainda está aquém quando se compara com outras profissionais com mesma formação. Em 2003 a média salarial dos professores era de R$ 994, em 2008, o ano em que foi aprovada a lei do piso a média era de R$ 1547 e em 2017, a média é de R$ 3400. O piso foi importante para valorizar os profissionais da educação, mas o profissional precisa de muito mais para equilibrar a sua formação. Nós ainda somos os menores salários, se compararmos com outras profissões", apontou.
De acordo com o estudioso José Marcelino Rezende, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), alguns fatores explicam o baixo salário do professor. “No Brasil, como em boa parte do mundo, o poder público é seu maior empregador e, portanto, a remuneração está intimamente ligada à receita pública per capita e à capacidade de mobilização desta categoria profissional. A remuneração depende, também, do prestígio da profissão, o que está intimamente ligado ao perfil do usuário. No caso do Brasil, a elite não coloca os filhos na escola pública; mesmo os professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escola, sempre que possível, evitam matricular os filhos em escolas públicas. Com isso, a escola pública passa a ser a escola 'do filho do outro', o que reduz sua valorização social, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, onde a classe média matricula os filhos na escola pública e, assim, briga pela sua qualidade”, descreve em sua pesquisa “Remuneração adequada do professor. Desafio à educação brasileira”.
O professor faz ainda uma comparação entre as instituições privadas e públicas. “E como fica a rede privada nesse processo? Considerando que responde apenas por cerca de 10% das matrículas da educação básica, para essa rede, quanto pior o poder público remunerar o professor, melhor, pois com um pequeno diferencial de salário ela pode atrair os (poucos) profissionais que lhe interessam, usando como estímulo, inclusive, não necessariamente maiores salários, mas as cobiçadas bolsas para os filhos de professores, cujo custo é próximo de zero para os proprietários de escola, já que eles se valem de vagas ociosas, muito comuns numa rede cuja matrícula caiu nos últimos 20 anos, embora o número de instituições tenha aumentado”, pontuou.
Segundo Marcelino Rezende, para reverter esse quadro, não há outra saída que não seja traçar uma estratégia de valorização dos professores. “E não existe valorização de uma profissão sem salários atraentes, que estimulem os melhores alunos do ensino médio a optar pela carreira”, complementou.
Foto: Marcos Santos/FotosPúblicas
No cenário mundial, professores brasileiros ganham menos
Um professor em início de carreira que leciona para o ensino fundamental em instituições públicas recebe, em média, 10.375 dólares por ano no Brasil. Dados da Organização para a Cooperação Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que salários dos professores brasileiros são extremamente baixos quando comparados a países desenvolvidos. O levantamento faz parte do estudo 'Education at a Glance 2014', que mapeia dados sobre a educação nos 34 países membros da organização e dez parceiros, incluindo o Brasil.
Em Luxemburgo, o país com o maior salário para docentes, ele recebe 66.085 dólares por ano. Entre os países membros da OCDE, a média salarial do professor é de 29.411 dólares. Quase três vezes mais que o salário brasileiro.
Até mesmo em países da América Latina como Chile e México, os professores recebem um salário consideravelmente maior que o brasileiro, 17.770 e 15.556 dólares, respectivamente. Entre os países mapeados pela pesquisa, o Brasil só fica à frente da Indonésia, onde os professores recebem cerca de 1.560 dólares por ano.
Na época, em entrevista ao jornal O Globo, o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, diz que não se surpreendeu com o resultado da pesquisa. E afirmou ainda que o docente no país não sofre apenas com baixos salários, mas, sobretudo, com más condições de trabalho.
"Quando estive na direção da Campanha Global pela Educação, visitei países da Europa, como Alemanha e Inglaterra. As condições mais precárias nesses países são o que há de melhor no Brasil - compara. - É importante dizer que o piso salarial do professor de educação básica, que hoje está em torno de R$ 1.700 mensais, sequer foi implementado em todo o país. Essa também é uma questão que precisa ser solucionada”, pontuou.
Em 2017, um novo relatório Education At Glance da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostrou, mais uma vez, que apesar dos avanços obtidos na última década, os resultados brasileiros para a educação continuam insatisfatórios. Identificados no documento como “espinha dorsal do sistema educacional”, o texto afirma que os salários são baixos em comparação com o de outros trabalhadores em tempo integral e isso precariza e torna menos atraente a profissão.
“Esse é um grande obstáculo para atrair jovens para o ensino. Embora os salários aumentem de acordo com o nível de educação prestado, eles ainda estão entre 78% e 94% dos salários dos trabalhadores com formação universitária em tempo integral”, diz o relatório Education At Glance.
“Nos últimos dias, foi anunciado um novo programa de formação de professores pelo Ministério da Educação em que apresentam-se alternativas, mas dizendo que o problema da carreira docente é a formação, e não o salário. Assim, o professor vai continuar ganhando mal e tendo uma formação, que, sinceramente, talvez seja pior do que aquela que ele já recebeu”, criticou Daniel Cara.
Em meio à descrença, uma luz
Os professores da rede estadual do Maranhão receberam uma boa notícia neste início de ano letivo. O governador Flávio Dino (PCdoB) assinou uma medida passando para R$ 5.750 o salário inicial, cerca de duas vezes maior que o piso nacional, dos educadores com jornada de 40 horas semanais. O reajuste é de 6,81%.
Em comparação, o Estado de São Paulo paga uma quantia mensal bem menor aos professores da rede pública: em janeiro, o governador Geraldo Alckmin reajustou em 7% o piso salarial de mais de 200 mil profissionais do magistério nas escolas estaduais. Com o aumento, o salário base de um professor do ensino médio passou de R$ R$ 2.415,89 para R$ 2.585,00, 5,2% acima do piso nacional.
O reajuste faz com que o Estado pratique o piso salarial mais alto do país. Em entrevista ao LeiaJa.com, o secretário de Estado da Educação, Felipe Camarão, afirma que o reajuste é fruto de uma decisão política feita a partir da priorização da pasta de educação.
“Valorizamos financeiramente os nosso educadores e professores bem qualificados para que a perspectiva futura e atual seja boa, com auto estima elevada, com formações adequadas, Com isso estimulamos isso, uma rede de ânimo, para que eles estimulem o nosso estudante também. Faremos um investimento de 115 milhões de reais este ano, chegando ao maior salário da categoria e dando continuidade à política que já praticamos o ano passado”, comentou.
De acordo com o secretário de Educação, o Maranhão é um dos estados com menos pessoas matriculadas no ensino superior do país. “Queremos maranhenses alfabetizados. É uma aposta muito forte na educação, melhorando isso, com certeza se melhora saúde, segurança, empregabilidade e a renda da nossa população”, disse.
“Eu sou professor da Universidade Federal do Maranhão e por curiosidade o meu salário é mais baixo do que o professor inicial no estado, então eu também sinto essa necessidade de valorização da minha carreira docente, é um sentimento de todo o país. Muitos governos dão desculpa para não aumentar os salários por causa do alto número de professores que temos, nas redes municipais, estaduais, federais. Somos muitos professores, deveríamos até ser mais, é verdade”, apontou.
Felipe Camarão explica como é possível conseguir pagar o maior piso salarial do país. “O Estado tem que fazer a complementação de 20% de sua receita, já que o valor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é insuficiente. Gastamos 100 por cento do fundo, mais esse acréscimo. O ano passado a complementação para a folha de pagamento foi de mais de R$ 127 milhões. Este ano, tivemos um reajuste do Fundeb, ainda incipiente, então se mantém a lógica de complementação pelo Estado. O gasto não prejudica o governo porque tudo foi feito com um planejamento para investir nos educadores. Tudo foi previsto com cuidado”, complementou.
Para a gestão, o que está faltando é governantes com essas iniciativas de apostar na educação e saber que é uma política de longo prazo. “O professor precisa ser valorizado e as respostas não vem agora, o nosso governo não vai colher isso agora, vamos ter que esperar uma geração se formar. Precisamos correr atrás do prejuízo e estamos neste momento com o governador Flávio Dino, com a aplicação do maior investimento na história do Estado”, informou Camarão.