Mesmo após a Secretaria de Educação de Rondônia negar que determinou que os colégios públicos estaduais recolhessem, das bibliotecas escolares, livros cujo conteúdo teria sido considerado impróprio para os alunos, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu apurar a motivação da pasta ao elaborar um documento que sugere que a medida chegou a ser, no mínimo, cogitada.
A iniciativa da secretaria estadual de Educação se tornou pública na quinta-feira (6), quando cópias de um memorando começaram a ser compartilhadas em redes sociais e chegaram ao conhecimento da imprensa. O nome do secretário Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu consta ao fim do texto, mas a assinatura eletrônica é da diretora-geral de educação, Irany de Oliveira Lima Morais.
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Constam da relação de 43 livros que seriam recolhidos obras de autores consagrados, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que muitos consideram o título mais importante da literatura brasileira, e Macunaíma, de Mário de Andrade, cuja leitura é cobrada em muitos vestibulares. Também estão na lista obras dos brasileiros Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, do tcheco Franz Kafka e do norte-americano Edgar Allan Poe.
O memorando nº 4 pede às coordenadorias regionais de educação que “procedam com o recolhimento” dos livros relacionados “tendo em vista conterem conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”. No texto, o secretário destaca “a importância dos senhores coordenadores estarem atentos às demais literaturas já existentes [no acervo das bibliotecas escolares] ou que chegam às escolas para uso nas atividades, a fim de que sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho, sem constrangimentos e desconfortos”. Os livros recolhidos deveriam ser entregues ao Núcleo do Livro Didático, da secretaria.
Após o assunto repercutir nacionalmente, tornando-se um dos assuntos mais comentados nas redes sociais ao longo da sexta-feira (7), a Seduc divulgou uma nota em que classifica os títulos que constam da lista como “clássicos literatura”. A pasta garante jamais ter ordenado que eles fossem recolhidos e tenta explicar a confusão alegando ter recebido uma denúncia a respeito da existência, nas bibliotecas escolares, de livros com “conteúdos inapropriados”.
“Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas”, informa a nota, sem explicar a origem e o propósito dos documentos que se tornaram públicos.
Para o procurador da República Raphael Bevilaqua, do MPF, a questão ainda não está esclarecida. Ele instaurou um procedimento preparatório para investigar a atuação da secretaria estadual e pediu que a Seduc envie cópias integrais do memorando-circular 4/2020/SEDUC-DGE e do procedimento administrativo SEI 0029.051300/2020-91. O objetivo é saber em qual contexto se deu a elaboração dos documentos e se eles chegaram a ser enviados às coordenadorias regionais de ensino e que outras providências foram adotadas.
O procurador também espera que a pasta esclareça se os documentos que determinam o recolhimento dos livros estavam disponíveis para o público na Internet e, se sim, por quais motivos deixaram de ser acessíveis após a divulgação do tema em matérias jornalísticas. Para Bevilaqua, a suposta determinação de recolhimento de livros pode contrariar os preceitos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, que estabelece que o ensino brasileiro dever respeitar os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e o apreço à tolerância.
A secretaria estadual de Educação e a Coordenadoria Regional de Ensino têm dez dias para responder às perguntas do procurador. A reportagem não conseguiu confirmar se a pasta já foi oficialmente notificada da decisão.
Também em nota, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (Sintero), afirmou que, ao tomar conhecimento do assunto, consultou no Sistema Eletrônico de Informações (SEI/RO) a autenticidade do memorando que circula nas redes sociais e constatou que, segundo o sistema, o código verificador é inválido. "Tendo em vista a seriedade do assunto, o Sintero aguarda um posicionamento oficial do secretário de Estado da Educação. Além disso, comunica que já acionou a assessoria jurídica para análise da situação. Esperamos que essa situação seja esclarecida, pois não podemos tolerar que casos de censura sejam presenciados nas escolas de Rondônia. Se comprovarmos a veracidade dessa informação, iremos combater com rapidez e contundência esse comportamento”, afirma, na nota, a presidente do sindicato, Lionilda Simão.